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Energia controversa

1 de abril de 2011

Com 58 centrais, a França é, proporcionalmente à população, o país com o maior número de usinas atômicas no mundo. Mas, mesmo numa nação habituada ao consenso nuclear, a resistência se levanta.

Ao fundo, a usina nuclear de Tricastin, na FrançaFoto: Areva

Como primeiro chefe de Estado estrangeiro a visitar o Japão após a catástrofe de 11 de março, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, exigiu nesta quinta-feira (31/03) em Tóquio padrões internacionais de segurança para as usinas nucleares.

Sarkozy sugeriu ainda a realização de uma conferência internacional sobre o tema, que deverá reunir as 20 principais economias do mundo (G20) em Paris, em maio próximo. Com 80% da energia produzida em seu país por usinas nucleares, Sarkozy tem bons motivos para tratar da questão.

Logo após a catástrofe nuclear em Fukushima, o presidente francês deixou claro que uma desistência da energia nuclear estaria fora de cogitação em seu país. Afinal, os reatores franceses seriam os mais seguros do mundo, assegurou Sarkozy. E o ministro francês da Indústria, Eric Besson, completou: os franceses terão que enfiar a mão mais fundo no bolso caso o país venha a produzir menos energia nuclear.

Pouco antes, os verdes franceses haviam proposto um referendo para decidir sobre a desistência nuclear – uma novidade na França, onde a Areva, maior empresa local de energia nuclear, com participação majoritária estatal, é quase intocável.

"Na França, tivemos a sorte de realizar a maior parte do programa nuclear numa época em que a opinião pública queria reagir à crise do petróleo", disse Bertrand Barré, que foi diretor de comunicação científica na central parisiense da Areva e hoje é conselheiro da empresa.

Segundo o ex-diretor da Areva, entre 1974 e 2000 o programa nuclear francês teve o objetivo de produzir energia independentemente do petróleo. Havia um grande consenso em torno disso, afirmou. "E como a energia nuclear funcionava bem, como não existiam dramas, as pessoas se acostumaram."

Nuvem radioativa para nas fronteiras francesas

Desbordes: radiação de Tchernobyl está no solo até hojeFoto: Criirad

Em 1986, na época do desastre em Tchernobil, as autoridades francesas tentaram convencer a população do país de que a nuvem radioativa proveniente da Ucrânia teria parado nas fronteiras francesas. Até que alguns cientistas da cidade de Valence desmascararam a mentira estatal.

Eles se reuniram em torno da sigla Criirad – Comissão de Pesquisa e Informação Independentes sobre a Radioatividade, na sigla em francês. O físico Roland Desbordes dirige esse centro de pesquisa e informação independente e único na França.

Segurando uma amostra de 40 gramas de terra, ele afirma que até hoje se pode comprovar a presença da radiação de Tchernobyl no país. "Isso aqui é césio 137", diz Desbordes, apontando para a amostra, "com uma meia-vida de 30 anos, como detectamos em laboratório. Depois de 25 anos, sua atividade não diminuiu nem pela metade. Ainda contém cerca de 60% da radioatividade de 25 anos atrás".

Cidadãos nunca foram consultados

Em Lyon, terceira maior cidade da França, está a central de Sortir du Nucléaire (sair do nuclear), uma rede que reúne quase 900 associações em todo o país. Todas dividem o mesmo objetivo: a desistência da energia nuclear. Elas exigem que os 16 reatores franceses mais antigos, ou seja, aqueles com mais de 30 anos de funcionamento, sejam desativados.

O vice-coordenador do grupo, Xavier Rabilloud, aponta para o mapa de um país abarrotado de usinas nucleares, em funcionamento ou desligadas, com depósitos de lixo nuclear, minas de urânio, instalações de processamento, reatores de pesquisa e instalações militares nucleares, bem como portos para submarinos nucleares ou o porta-aviões nuclear Charles De Gaulle.

Rabilloud: franceses não foram consultados sobre energia nuclearFoto: Sortir du Nucléaire

Segundo Rabilloud, oficialmente a agência francesa de segurança nuclear ASN registra em média cem incidentes na região do Vale do Ródano a cada ano. Entre 800 e 900 casos como esses são registrados anualmente em toda a França, diz.

"É realmente verdade que o setor nuclear na França se encontra completamente fora da zona de influência democrática", constata Rabilloud. "É preciso que se saiba que os cidadãos franceses jamais foram consultados sobre o programa nuclear, nem de forma direta tampouco através de seus deputados."

Extensão de vida útil para 40 anos

O bloco 1 da central nuclear em Tricastin, no Ródano, teve sua vida útil prolongada para 40 anos em dezembro de 2010 – foi o primeiro caso do tipo na França. Atualmente, uma prorrogação da vida útil de todos os reatores franceses para 50 anos está em discussão entre a Areva e as autoridades de segurança nuclear.

E isso levando em conta que a França produz mais energia do que precisa, diz Rabilloud. A indústria nuclear, por outro lado, vê a situação de forma diferente: quando as usinas alemãs forem desativadas, os nossos vizinhos precisarão de mais energia – que será fornecida por nós. Ou seja, um negócio lucrativo.

Autor: Alexander Musik (ca)
Revisão: Alexandre Schossler

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