Conservadores alemães propõem tirar cidadania de terroristas
Maike Verlaat (av)21 de abril de 2016
Diante do medo crescente de atentados no país, a União Democrata Cristã sugere retirada de passaporte de terroristas com dupla nacionalidade. Tentativa semelhante fracassou na França e é vista como problemática.
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A União Democrata Cristã (CDU), partido conservador da coalizão governamental alemã, quer que passe a ser possível retirar a cidadania alemã de terroristas com dupla nacionalidade.
Sob o título "Combate ao fundamentalismo islâmico e salafismo", a comissão parlamentar do partido encarregada de política interna divulgou uma moção nesse sentido. O documento defende que pessoas que apoiem "uma ideologia de desprezo humano ou até mesmo uma associação terrorista" devem ser alvos de "toda a dureza de nosso Estado de direito".
Em 2015, o ministro e os secretários do Interior da Alemanha já haviam deliberado sobre a retirada de passaportes e cidadania nos casos de terrorismo, e o principal motivo para a retomada do debate é o medo crescente de atentados no país. Além disso, aumenta o número dos extremistas que viajam da Alemanha para a Síria ou o Iraque a fim de combater ao lado do grupo jihadista "Estado Islâmico" (EI).
O Departamento de Proteção da Constituição já registra 700 desses casos. Um relatório do Ministério do Interior também revelou que, entre 2011 e janeiro de 2015, foram investigados 164 presumíveis jihadistas com dupla nacionalidade. Os peritos da CDU partem do princípio de que uma emenda da lei de cidadania poderia ter efeito preventivo, impedindo o retorno dos extremistas radicalizados.
A perda da cidadania alemã atingiria, em primeira linha, alemães "com diversas nacionalidades que lutam no exterior por uma organização terrorista". A comissão do partido conservador cristão anuncia, ainda, a intenção de já tornar passível de ação penal "o angariamento de simpatia por uma associação criminal ou terrorista".
Exemplo francês
A moção da CDU está associada a um debate semelhante na França, onde recentemente fracassaram planos de reforma da Constituição do presidente François Hollande que permitiriam a retirada da cidadania francesa a terroristas condenados. A proposta veio em reação aos atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris.
Para evitar a criação de apátridas, o Senado conservador sugeria que a medida só se aplicasse a cidadãos com dois passaportes – como proposto agora pelos democrata-cristãos alemães. Hollande não era totalmente contrário à proposta, mas cedeu no fim de março, após protestos das próprias alas socialistas.
A discussão sobre o tema provocou até mesmo a renúncia da ministra da Justiça francesa, Christiane Taubira, no fim de janeiro deste ano. Contrária à reforma, assim como outros políticos socialistas ela condenava uma discriminação de franceses com dupla nacionalidade em relação àqueles sem segundo passaporte.
Responsabilidade do Estado
Embora considere "elementar" a persecução penal consistente de terroristas, o diretor do programa Integração da Fundação Bertelsmann, Ulrich Kober, vê como problemática a retirada de cidadania prevista na resolução democrata-cristã.
Desse modo, argumenta, um Estado poderia se eximir "da própria responsabilidade por seus cidadãos". A dificuldade é especialmente grande no caso de "pessoas que nasceram e cresceram na Alemanha, não tendo praticamente nenhuma relação relevante com o país de origem de seus pais".
Além disso, coloca-se a questão de como, no futuro, as autoridades penais poderão provar que os delitos em questão foram cometidos após a entrada em vigor da emenda de lei, aponta Kober.
A guerra civil na Síria antes do EI
O "Estado Islâmico" inflamou o debate sobre como pôr fim à guerra civil síria. Contudo o grupo só emergiu mais tarde no conflito. Confira alguns momentos dessa guerra que abriram espaço para o avanço dos jihadistas.
Foto: AP
Março de 2011
Enquanto regimes ruem por todo o Oriente Médio, dezenas de milhares de sírios vão às ruas para protestar contra a corrupção, o desemprego elevado e a alta dos preços dos alimentos. O governo da Síria responde com armas de fogo. Até maio, cerca de 400 vidas são ceifadas.
Foto: dapd
Maio de 2011
Sob insistência dos países ocidentais, o Conselho de Segurança da ONU condena a repressão violenta. Nos meses seguintes, os Estados Unidos e a União Europeia impõem embargo de armas, recusa de vistos e congelamento de bens. Com apoio da Liga Árabe, aumenta a pressão para a saída do presidente sírio Bashar al-Assad – embora sem o aval de todos os países-membros da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Szenes
Agosto de 2011
Em 1970 um golpe pusera Hafez al-Assad no poder. Após sua morte, em 2000, o filho Bashar (à dir.) assume a liderança. De início tido como reformista, ele perde apoio ao manter o estado de emergência que há décadas restringe as liberdades políticas, permitindo vigilância e interrogatórios. Assad tem respaldo da Rússia, que lhe fornece armas e repetidamente veta as resoluções da ONU sobre a Síria.
Foto: picture-alliance/dpa/Stringer/Ap/Pool
Dezembro de 2011
A ONU e outras organizações têm provas de violação dos direitos humanos na Síria. Civis e militares desertores começam a se organizar lentamente para combater as forças do governo, que vêm atacando os dissidentes. Até o fim de 2011, essa luta causa mais de 5 mil mortes. Mesmo assim, ainda transcorrem seis meses até a ONU reconhecer que o país está em guerra.
Foto: Reuters/Goran Tomasevic
Setembro de 2012
O Irã finalmente confirma que tem combatentes em solo sírio, fato que Damasco negava há tempos. A presença de tropas aliadas acentua a hesitação dos Estados Unidos e de outras potências ocidentais em intervir no conflito. Os EUA, marcados pelas intervenções fracassadas no Afeganistão e no Iraque, propõem o diálogo como única solução sensata.
Foto: AP
Março de 2013
As mortes beiram 100 mil, e o total de refugiados em países vizinhos como a Turquia e a Jordânia atinge 1 milhão – número que duplicaria até setembro. Em dois anos de guerra, o Ocidente e a Liga Árabe veem fracassar todas as tentativas de um governo de transição, enquanto o conflito transborda para a Turquia e o Líbano. O pior temor é de que Assad se mantenha no poder a todo custo.
Foto: Reuters/B. Khabieh
Abril de 2013
Há muito Assad alega estar combatendo terroristas. Mas só no segundo ano de guerra se confirma que o Exército Livre Sírio inclui extremistas radicais. O grupo Frente al-Nusra declara apoio à Al Qaeda, fragmentando ainda mais a oposição.
Foto: Reuters/A. Abdullah
Junho de 2013
A Casa Branca afirma ter provas de que Assad está atacando civis com o gás tóxico sarin. Mais tarde a informação é corroborada pela ONU. A partir da revelação, o presidente dos EUA, Barack Obama, e outros líderes ocidentais passam a considerar uma intervenção militar. No entanto a proposta da Rússia para que se retirem as armas químicas da Síria acaba por se impor.
Foto: Reuters
Janeiro de 2014
Ao fim de 2013 surgem relatos sobre um novo grupo autodenominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante – o futuro EI. Ao tomar terras no norte da Síria e também no Iraque, os jihadistas despertam lutas internas na oposição, causando 500 mortes até o início de janeiro. Esse terceiro e inesperado fator levaria os EUA, França, Arábia Saudita e outras nações à intervir na guerra em meados do ano.