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Constituição Européia, a grande desconhecida

(lk)28 de maio de 2005

Um dos assuntos mais debatidos no momento por políticos e população na Europa, o documento foi lido por poucos em sua íntegra. Observações do correspondente da Deutsche Welle em Bruxelas, Bernd Riegert.

O que se encontra por trás do título?Foto: AP

Após a ratificação pelo Bundesrat (a câmara alta do Parlamento alemão), nesta sexta-feira (27/05), a Constituição Européia vai passar já nos próximos dias pelo crivo da população em dois países-membros: na França, neste domingo (29/05), e na Holanda, a 1º de junho. Em ambos, o índice de rejeição entre os eleitores é grande, em muitos casos com o respaldo de políticos eurocéticos que apresentam como argumento contra a aprovação do documento o aumento de poder de Bruxelas em detrimento da autonomia de cada um dos membros do bloco.

Os que, por sua vez, argumentam a favor, alegam que a Europa não tem alternativa e temem conseqüências sérias em caso de um 'não' nos plebiscitos. No entanto, poucos conhecem de fato o documento sobre o qual todos falam, como constatou o correspondente da Deutsche Welle em Bruxelas, Bernd Riegert:

Uma pesquisa espontânea e não representativa entre colegas credenciados junto à União Européia revelou que nem todos leram a Constituição Européia na íntegra. No entanto, uma leitura aprofundada valeria a pena, mesmo porque o documento de quase 500 páginas contém alguns tesouros semântico-jurídicos.

Passarela, o quê?

Minha predileção vai para o item I, 24 (4), a chamada Cláusula da Passarela. Engana-se quem pensar que se trata da regulamentação de passagens de pedestres ou algo semelhante. O item estabelece as condições da transição da tomada de decisões por unanimidade para as decisões por maioria, que o Conselho Europeu poderá tomar em determinados casos.

O próprio governador da Baviera, Edmund Stoiber, que exige maior participação dos Estados federados alemães nas decisões do bloco, engasgou-se recentemente, ao tentar explicar aos comuns mortais, na televisão alemã, como funciona a tal da passarela.

O presidente da Corte Européia de Justiça, Vassilios Skouris, não vê nenhuma urgência na questão. A semântica da Constituição, diz ele, só revelará seu verdadeiro significado com o passar do tempo. Ele até se alegra por antecipação, pensando em quando terá de mergulhar nos parágrafos, depois que entrarem na Justiça as primeiras queixas resultantes da aplicação do documento. Mas no fundo o jurista não espera nada de especialmente drástico, pois a obra em grande parte é uma compilação do que fora regulamentado por acordos anteriores, como o de Roma, Maastricht, Amsterdã e Nice.

Realmente decisivos são os 59 artigos da parte I, que descrevem a futura divisão do poder na UE e a concatenação do trabalho das diferentes instituições do bloco. Ainda que eles não sejam tão emocionantes como a leitura de um romance policial, sua formulação é relativamente clara, de forma que duas horas bastam para fornecer uma visão geral do funcionamento do bloco.

Campanha do plebiscito na FrançaFoto: AP

Simplificação ou complicação?

Mais democrática e mais fácil de liderar – é assim que a UE ampliada deve se tornar, graças à Constituição Européia. Pelo menos é o que afirmam o chanceler federal da Alemanha, Gerhard Schröder, e seu braço direito, o ministro do Exterior, Joschka Fischer – o que leva a crer que ambos tenham lido o documento todo.

As instituições, ou seja, a Comissão, o Conselho e o Parlamento, vão continuar essencialmente como estão. Bruxelas vai ganhar um ministro do Exterior e um presidente. Ambos não terão poder de decisão, mas representarão a Europa, lhe darão um rosto.

O que mudará é o processo de votação, com a introdução da maioria dupla, constituída por Estados e percentual da população: uma decisão poderá ser tomada se aprovada por pelo menos 55% dos países-membros, desde que eles representem pelo menos 65% da população total do bloco. O procedimento não é fácil de implementar, mesmo porque prevê exceções. Mas a idéia é aumentar o número de decisões tomadas por maioria e não por unanimidade – também com ajuda da citada Cláusula da Passarela.

Medida de emergência

A questão é que a Constituição nasceu de uma necessidade surgida em 2000, quando os chefes de governo e de Estado do bloco não conseguiram chegar a um consenso sobre uma votação importante, durante a cúpula realizada em Nice. Passaram então o problema adiante, para uma Convenção que, para surpresa de muitos, conseguiu redigir um esboço de Constituição em curto espaço de tempo. O texto foi depois diluído e tornado mais complicado pelos cabeças do bloco, que o glorificam como a realização de um grande sonho.

Institutos ligados à UE oferecem em Bruxelas cursos para quem quiser conhecer mais de perto e a fundo a Constituição Européia. Os verdadeiramente devotos precisariam de 12 dias para fazer todos eles, mas quem é que, em nome da Europa, está interessado nisso?

Grau de conhecimento deixa a desejar mesmo entre parlamentares

Uma pesquisa feita entre os parlamentares alemães que aprovaram o documento há pouco mais de duas semanas, em Berlim, revelou conhecimentos insatisfatórios a respeito. Não seria mal se eles fizessem a lição de casa, pois a Constituição prevê maior participação dos parlamentos nacionais nas decisões européias, portanto também do Bundestag.

O mal é continental. Dos cidadãos que vão se pronunciar em plebiscitos, apenas um punhado terá lido o documento antes de se dirigir à cabine de votação. É muito o que está em jogo, mas poucos estarão pensando de fato no texto ao dar o seu voto.

Mas será que vale mesmo a pena ler? Diante da resistência crescente na França, Holanda e também no Reino Unido, a probabilidade de que o documento seja ratificado por todos os 25 países-membros e entre em vigor é mínima.

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