Menos água, mais comida
26 de setembro de 2011O ponto de partida era a anunciada crise mundial de alimentos e escassez de água. As projeções mostravam que as bacias dos principais rios estavam sob enorme pressão para produzir comida e água para uso doméstico, industrial e energético, e que uma catástrofe estava por vir.
"Mas o que descobrimos foi que, na verdade, as dez principais bacias do mundo, todas localizadas em países emergentes, têm capacidade para duplicar a produção alimentar até 2050 – e de forma sustentável", revelou Simon Cook, que dirigiu um estudo inédito sobre o tema.
Essa é uma das conclusões da pesquisa feita pelo Challenge Programm on Water and Food (CPWF) e do Grupo Consultivo para a Investigação Agrícola Internacional (CGIAR, na sigla em inglês). O relatório foi apresentado nesta segunda-feira (26/09) no Congresso Mundial da Água, sediado até quinta-feira em Pernambuco, no Brasil.
E a bacia do rio São Francisco, como revela o estudo, tem grande potencial para ser parte do celeiro do mundo. Além do rio brasileiro, outros nove, entre eles Nilo, Ganges, Andes, Amarelo e Níger, têm água suficiente para abastecer mercados de todo o globo.
Segundo os pesquisadores, o maior potencial está na África. Na América Latina, por outro lado, apenas 10% da capacidade total são aproveitados atualmente. O estudo investigou, ao longo de cinco anos, a situação em dez bacias: uma área de 13,5 milhões de quilômetros quadrados que abriga cerca de 1,5 bilhão de pessoas – 470 milhões estão entre os mais pobres do mundo.
Em águas brasileiras
A bacia do rio São Francisco ocupa 7,5% do território nacional – são 640 mil km2 de área num traçado que corta os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe e engloba ainda parte de Goiás e do Distrito Federal.
As principais atividades econômicas na região são mineração e siderurgia, agricultura e pecuária. No vale do rio, onde há irrigação especialmente no semi-árido, a produção é exportada para Estados Unidos e Europa. "O caso do São Francisco é muito interessante porque há dois sistemas que convivem. Um altamente comercial, operando em alto nível de atividade, e também os pequenos produtores, que sofrem com falta de investimento", comentou Cook.
Na bacia, onde residem cerca de 16 milhões de pessoas, 23 % da população vive em área rural. Dados do governo brasileiro indicam que a região tem 35,5 milhões de hectares agricultáveis e a produção se concentra no cultivo de soja, milho e pecuária – com ênfase na bovinocultura e caprinocultura.
Simon Cook lembra, no entanto, a existência de conflitos em torno do uso da água. "Um bispo, por exemplo, fez greve de fome duas vezes por causa do projeto de transposição do São Francisco", diz o pesquisador, lembrando o caso de Dom Luís Flávio, que, em protesto, parou de comer pela primeira vez em 2005.
"Há um grande impulso para intensificar a agricultura irrigada pela chuva também no São Francisco", acrescenta Cook, defendendo que o mundo poderia ser alimentado sem que a pressão sobre as bacias hidrográficas aumentasse.
Desvio das águas
Chamado pelo governo federal de Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, o empreendimento é coordenado pelo Ministério da Integração Nacional. O objetivo é "a assegurar oferta de água, em 2025, a cerca de 12 milhões de habitantes de 390 municípios do Agreste e do Sertão dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte", justifica o governo.
Orçada inicialmente em 5 bilhões de reais, a obra de transposição deve ficar em 6,85 bilhões, segundo informou o ministério em agosto último. A construção dos 750 km de canais de concreto que levarão águas do São Francisco para as outras regiões começaram em 2007. A mais recente previsão oficial indica que o primeiro eixo da transposição entrará em funcionamento nos últimos meses de 2014.
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer