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CulturaFrança

Contratempos e pressão: a reconstrução de Notre-Dame

Stefan Dege
5 de abril de 2022

Quase três anos após incêndio, catedral parisiense enfrenta obstáculos em sua reconstrução. Pressão e problemas estruturais têm complicado o processo, observa a ex-arquiteta da Catedral de Colônia, Barbara Schock-Werner.

A imagem mostra a parte sul da Catedral de Notre-Dame, com andaimes e um guindastes que servem para as obras de restauração da igreja.
O telhado da Notre-Dame foi uma das áreas mais atingidas pelo incêndio. A torre central desabou devido às chamas.Foto: Robert Schmiegelt/Geisler-Fotopress/picture alliance

A ex-arquiteta da Catedral de Colônia, Barbara Schock-Werner, lembra-se como se fosse hoje quando a Catedral de Notre-Dame, em Paris, pegou fogo, em 15 de abril de 2019: "Completamente aterrorizada, sentei-me em frente à televisão e vi a catedral arder. Esse evento ainda está muito presente em minha memória".

Especialmente marcante, lembra-se ela, foi quando a flecha (uma torre situada sobre a parte central da nave) desabou – a nave corresponde à área entre a fachada principal e a capela, enquanto o transepto é a parte transversal, fora da nave central, formando, assim, uma cruz. A queda, sobre a nave da catedral gótica, impactou diretamente a arquiteta: "Foi um choque".

Para Schock-Werner, era óbvio que ela deveria oferecer ajuda para a reconstrução da Notre-Dame.

Conhecida mundialmente, a catedral parisiense tem enorme significado cultural e histórico.

O romancista francês Victor Hugo (1802-1885) imortalizou-a no histórico Notre-Dame de Paris (também conhecido como O Corcunda de Notre-Dame), publicado em 1831 e, anos mais tarde, adaptado várias vezes para o cinema. Baseado no romance de Victor Hugo, o compositor austríaco Franz Schmidt (1874-1939) escreveu a ópera Notre-Dame.

Napoleão Bonaparte (1769-1821) foi coroado imperador francês na igreja em 1804. O rei Henrique VI (1421-1471), o único monarca inglês que reinou na França, também foi coroado na  Notre-Dame.

O impacto identitário da catedral, que foi construída entre 1163 e 1345, é enorme. Sua silhueta ainda se eleva majestosamente sobre a ilha do rio Sena – Île de la Cité –, no centro histórico de Paris.

Quando as imagens das chamas correram o mundo, houve uma consternação mundial e uma consequente onda de solidariedade. O presidente da França, Emmanuel Macron, conceituou a reconstrução da Notre-Dame como um projeto nacional. E prometeu a restauração em até cinco anos. Somente os doadores franceses se comprometeram a repassar 850 milhões de euros para as obras.

A ajuda para a reconstrução da Notre-Dame também veio da Alemanha, onde foram arrecadados em torno de 700 mil euros. Três dias após o incêndio em Paris, Barbara Schock-Werner foi nomeada coordenadora da ajuda provinda da Alemanha pela então ministra da Cultura, Monika Grütters.

Incêndio atingiu a Catedral de Notre-Dame, em Paris, no dia 15 de abril de 2019.Foto: picture-alliance/AP/T. Mallet

Umidade pode atrapalhar o processo

No dia do incêndio, foi somente depois de um segundo alarme que os bombeiros encontraram a origem do fogo. Na época, havia obras no telhado e em uma das torres da igreja e, por isso, parte da Notre-Dame estava cercada por andaimes. Tão logo o prédio foi evacuado, as chamas consumiram justamente o teto sobre a nave central. Às 19h56min, quando centenas de bombeiros já estavam em serviço, a flecha desabou. Ao vivo, o mundo assistiu a queda pela televisão.

Enquanto a Notre-Dame queimava, as chamas iluminavam o céu de Paris. Em pé, nas ruas, as pessoas colocavam as mãos na cabeça. Na manhã seguinte, às 9h50min, mais de 12 horas após o início do incêndio, os bombeiros anunciaram que o fogo havia sido controlado.

Se a causa do incêndio foi um curto-circuito ou um cigarro de um dos trabalhadores da obra, até hoje, os investigadores não sabem dizer. Imediatamente após o episódio, Barbara Schock-Werner fez uma avaliação inicial dos danos. Hoje, ela pode afirmar: a destruição não foi tão grande quanto as primeiras impressões.

"Graças a Deus, nem todos os arcos ruíram", diz. Foram três ao todo. Um buraco abriu-se no coro. Em um primeiro momento, ela não teve dúvidas de que a Madonna, representação da Virgem Maria em estilo gótico, havia sido destruída: "Embora a torre tenha caído ao lado dela, nada lhe aconteceu. É o milagre de Notre-Dame", diz.

As consequências do incêndio, no entanto, são bastante consideráveis. Um dos problemas é a umidade causada pela água jogada para controlar o fogo: "O prédio ainda está muito, muito molhado. Pode levar até dez anos para que tudo fique seco. Isso não é um bom presságio para a restauração, já que há pressão para a reforma. O que quer que seja pintado ou esculpido agora não vai durar muito, pois vai se soltar novamente em algum momento devido à umidade na alvenaria", destaca Schock-Werner.

Em março, autoridades francesas visitaram as obras de restauração da catedral.Foto: Julien de Rosa/AFP/Getty Images

Parceria e divergências entre franceses e alemães

Em termos financeiros, organizacionais e políticos, a restauração da Notre-Dame logo se tornou um grande projeto.

"No início, os colegas parisienses tiveram que prontamente formar uma equipe. As primeiras reuniões ocorreram todas no bistrô [mais] próximo [à catedral]", lembra Schock-Werner.

Depois, era preciso ver o que ainda estava preservado. Todas as janelas tiveram de ser retiradas; as aberturas das janelas, reforçadas; a pressão dos pilares e suportes, nas paredes, reduzida. Os primeiros trabalhos foram realizados para restaurar o equilíbrio da estrutura. O andaime preso à torre e próximo a uma abóbada, teve de ser cuidadosamente derrubado.

"Isso levou todo o primeiro ano porque havia sempre o perigo de que as outras abóbadas pudessem desabar", recorda Schock-Werner.

Menos grave do que os danos causados pelo incêndio, apenas um desentendimento entre franceses e alemães: um ano após o episódio, a Casa de Construção da Catedral de Colônia (Kölner Dombauhütte) anunciou que "a Alemanha está restaurando os vitrais da Notre-Dame", o que, segundo Schock-Werner, "causou indignação entre os colegas franceses, que se viram privados de seu trabalho", relembra.

A arquiteta acalmou os ânimos ao dizer que os alemães não poderiam e nem gostariam de assumir esta tarefa: "Vamos trabalhar apenas em uma parte da catedral". Até o momento, quatro janelas, compostas por 300 vidros pintados à mão pelo artista Jacques Le Chevallier (1896-1987), ainda não chegaram a Colônia. Por isso, Schock-Werner defende uma maior "cautela diplomática".

Segundo o presidente francês, Emmanuel Macron, a Notre-Dame estará acessível ao público até a abertura dos Jogos Olímpicos de 2024.Foto: Ian Langsdon/AP/picture alliance

Restauração e pressão política

Três anos após o incêndio, a restauração do órgão principal já começou. Poupado das chamas, o instrumento sofreu sob a poeira tóxica. Ao menos 19 canais de vento estão sendo reconstruídos em um atelier. Outro atelier trabalha especificamente na remoção das toxinas dos oito mil tubos. Estima-se que durante o verão europeu, daqui a três meses, quatro foles de grande porte devam ser restaurados.

Schock-Werner tem dúvidas, no entanto, quanto à promessa do presidente francês, Emmanuel Macron, de que a Catedral de Notre-Dame estará novamente acessível até o início dos Jogos Olímpicos de 2024: "O presidente estipulou [esse prazo], então a pressão continua, o que torna as coisas ainda mais difíceis", afirma.

No momento, questiona-se principalmente se o telhado ficará pronto a tempo. As janelas devem ser instaladas até a primavera de 2023. Depois, a estrutura dos andaimes deve ser removida para que o órgão possa ser instalado e afinado. Portanto, ainda vai levar um tempo até que a Notre-Dame esteja pronta para brilhar novamente.