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PolíticaCoreia do Norte

Coreia do Norte faz ofensiva contra "cultura estrangeira"

Julian Ryall
8 de junho de 2021

Cortes de cabelo, roupas, música e até gírias de jovens entram na mira da polícia política norte-coreana. Para especialista, um sinal de que o regime sabe que está ameaçado.

Mulher caminha em Pyongyang: patrulha política monitora vestimentas nas ruas
Mulher caminha em Pyongyang: patrulha política monitora vestimentas nas ruasFoto: KIM WON JIN/AFP/Getty Images

Recentemente, adolescentes foram levados para um tribunal norte-coreano algemados, com claros sinais de que haviam passado por um duro interrogatório. Segundo o NK News, site de notícias sobre a Coreia do Norte baseado nos EUA, tratou-se de um julgamento público em Nampo, para os três meninos e quatro meninas.

Os adolescentes foram acusados de "crimes graves”, segundo a promotoria pública: assistir a filmes e séries de televisão sul-coreanos e compartilhá-los com colegas de escola. Sem alarde, foram condenadas a passar cinco anos num dos notórios campos de reeducação da Coreia do Norte.

Intensificação da patrulha política

Nos últimos três anos, o governo norte-coreano intensificou drasticamente os esforços para impedir que seus cidadãos tenham acesso a notícias, filmes e outros programas de fora das fronteiras.

A polícia vem detendo quem tiver um corte de cabelo de "influência sul-coreana", por usar roupas que sejam consideradas estrangeiras ou por usar gírias ou termos cotidianos mais comuns ao sul da Zona Desmilitarizada que divide a Península Coreana.

Agindo com base em denúncias, a polícia secreta realiza batidas policiais em casas onde haja suspeitos de ter assistido a programas em DVDs ou USBs. O material geralmente chega aos norte-coreanos contrabandeado a partir da China ou enviado pela fronteira anexado a balões lançados no Sul por desertores e ativistas dos direitos humanos.

Batidas em casas suspeitas

A força da repressão revela que o regime de Kim Jong-un está genuinamente preocupado com o fato de as gerações mais jovens de norte-coreanos estarem sendo influenciadas por eventos além das fronteiras do país.

Com informações e provas das mentiras de seus líderes, o ressentimento e a resistência podem crescer gradualmente entre os jovens.

"Kim e os escalões superiores do regime norte-coreano têm muito medo de mensagens e informações de fora entrando no país e influenciando a maneira como as pessoas pensam", diz Toshimitsu Shigemura, professor da Universidade Waseda de Tóquio e autor de uma série de livros sobre a dinastia Kim.

"Eles temem que os jovens virem as costas à cultura norte-coreana - o que significa essencialmente devoção à dinastia Kim - e ao seu sistema político, o que poderia muito facilmente ser fatal", comenta ele à DW.

"Eles estão se esforçando para derrubar qualquer um que apanhem porque sabem que se os militares acabarem 'infectados' com ideias externas e isso se espalhar para o partido, tudo isso pode vir abaixo", acrescenta ele.

Rah Jong-yil, um ex-diplomata e chefe do departamento de inteligência da Coreia do Sul encarregado de monitorar a Coreia do Norte, afirma que Pyongyang conseguiu sobreviver a intensas pressões geopolíticas, militares e econômicas durante o último meio século.

Elas incluem sanções internacionais impostas devido a seus programas de armas nucleares e mísseis.

Segundo o especialista, seria "profundamente irônico" se o regime fosse finalmente colocado de joelhos pelas telenovelas sul-coreanas contrabandeadas.

O ditador Kim Jong-un, que segundo especialista sabe o que significa para os jovens ganhar acesso a informaçãoFoto: KCNA via REUTERS

Paralelos com fim da URSS

"Em um estado totalitário como a Coreia do Norte, algo tão simples quanto isso é uma ameaça muito séria à sobrevivência do regime", diz Rah. "E não importa o que sua polícia secreta faça, acho que será virtualmente impossível colocar o gênio de volta na garrafa agora: muitas pessoas na Coreia do Norte conseguiram vislumbrar como é a vida no resto do mundo."

Rah diz que há paralelos claros entre o que está acontecendo hoje na Coreia do Norte e o colapso da União Soviética.

Ele diz que os sinais do colapso do comunismo estão lá atrás, nos anos 50, quando foi feito um programa de intercâmbio em que Estados Unidos e União Soviética enviaram um único exemplo de sua maior conquista para a capital do outro país.

Enquanto os soviéticos enviaram um modelo do Sputnik, os EUA mandaram uma cozinha totalmente equipada de uma casa de classe média. A resposta entre os residentes de Moscou foi "incrível", conta Rah, com uma cozinha revelando-se uma das armas mais poderosas na guerra de propaganda entre as duas superpotências.

E os programas de televisão estrangeiros, prevê o especialista, terão o mesmo impacto na Coreia do Norte.

"Eles estão se esforçando muito para suprimir as influências externas, mas a tecnologia chegou ao ponto de que é fácil contrabandeá-la para o país e depois escondê-la", diz. "Mas o fato de estarem tão preocupados e estarem aprovando novas leis tão poderosas é revelador. Isso mostra como a ameaça é séria."

Fuzilado por traficar filmes

Em março, o jornal oficial Rodong Sinmun publicou uma série de textos condenando a forma "degenerada" com que muitos norte-coreanos estariam agora se vestindo, falando e usando maquiagem.

"O uso de linguagem desonrosa prejudica a harmonia e a unidade dos comunistas e tem uma má influência na sociedade", diz o texto. Proteger a cultura da nação, prossegue o jornal, "é uma questão de saber se seremos capazes de proteger nossa identidade nacional contra uma invasão por todo tipo de ideologias e estilos de vida insalubres e degenerados".

Em maio, a esposa, o filho e a filha de um homem identificado apenas pelo sobrenome, Lee, foram forçados a sentar na primeira fila para assistir enquanto ele era executado por um pelotão de fuzilamento em Wonsan. Ele fora considerado culpado de vender CDs e USBs contendo filmes e vídeos musicais sul-coreanos.

A família entrou em colapso quando a sentença foi executada, segundo o site NK News. Depois, eles foram forçados a entrar em um veículo para serem transportados para um campo de prisioneiros políticos pelo crime de não terem denunciado a venda ilegal de CDs.

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