Ex-diretor do Departamento de Aids, que se afastou em protesto a medidas de Temer, afirma que programas importantes, nos quais Brasil é referência, estão seriamente ameaçados por reduções no Ministério da Saúde.
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O ex-diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde Fábio Mesquita, que pediu exoneração do cargo na última sexta-feira (27/05), falou com exclusividade à DW Brasil e fez duras críticas ao governo interino de Michel Temer.
Considerado um dos maiores especialistas do país em HIV/aids, Mesquita estava à frente do departamento há três anos. Ele diz que programas de saúde importantes, como o que garante o acesso universal aos medicamentos de aids – uma referência internacional –, estão seriamente ameaçados no ministério comandado pelo engenheiro Ricardo Barros, do PP.
Essa sua decisão de sair do Ministério foi política ou técnica?
Eu tenho uma posição mais à esquerda em relação ao atual governo. Mas a minha decisão não foi politico-partidária, mas sim em função de uma série de ataques sofridos pelo meu departamento, em particular, e pelo Sistema Único de Saúde, como um todo.
Que ataques? O senhor poderia detalhar?
Eu me formei médico em 1972. E digo: nunca vi um ministro da Saúde que assume a pasta e diz logo que vai cortar recursos, que quer reduzir o tamanho do SUS. Pelo contrário, todo ministro assume dizendo que precisa de mais recursos. É o papel do ministro da Saúde lutar por seu ministério. Esses cortes anunciados pelo ministro podem ter implicações em áreas cruciais, como a compra de medicamentos anti-HIV.
O ministro quer alterar o programa de distribuição gratuita de medicamentos de aids?
Desde 1996 temos a política do acesso universal. No ano passado, por exemplo, por causa da alta do dólar [e, consequentemente, do preço de alguns medicamentos importados], recebemos uma verba suplementar para garantir que todos fossem atendidos. O que vai acontecer agora? Ninguém sabe. Tudo vai depender do que vão fazer com o orçamento. Já há uma proposta a ser votada de desvinculação de recursos para saúde e educação [atualmente, um mínimo para saúde e educação é sempre assegurado]. Existe também uma garantia para os recursos referentes aos antirretrovirais, mas essa garantia é votada todo ano pelo Congresso, então não sei o que pode acontecer.
Vocês começaram a implementar neste ano também a distribuição gratuita de um remédio novo contra a hepatite C, muito mais eficaz e com muito menos efeitos colaterais que os remédios tradicionalmente usados. Mas é um tratamento bem caro. Como fica este programa?
Apesar da crise e de alguns cortes que foram feitos, as prioridades foram remanejadas e conseguimos garantir uma verba [que nem estava prevista originalmente] de 780 milhões de reais para garantir os primeiros 15 mil tratamentos novos [que tem uma eficácia de 93% contra menos de 50% do tratamento antigo]. A previsão era de liberar mais 15 mil tratamentos até o final do ano. Mas agora não sei o que vai acontecer porque essa compra ainda não foi concluída. Para o ano que vem estava prevista a compra de outros 40 mil tratamentos.
O que aconteceu na última Assembleia Geral da OMS, em Genebra, em maio?
Em geral, a delegação brasileira que vai à assembleia é montada de acordo com os temas que serão tratados no encontro. Especialistas naquelas áreas são indicados. Na assembleia deste ano estavam em pauta três temas do meu departamento, a discussão de três estratégias globais da OMS para os próximos cinco anos, sobre DST, aids e hepatites virais. O ministro não pediu indicações e convidou diretamente um técnico em aids, deixando os outros temas descobertos. Quando fomos ver, o grupo era formado por dois senadores, três deputados federais e uma vice-governadora que, casualmente, é a esposa do ministro sem que eles tivessem nenhuma expertise nos temas ou função determinada nas reuniões. Eu entendo que se queira fazer uma delegação mais enxuta para reduzir gastos, mas montar uma delegação com gente que não tem nenhum papel específico ficou esquisito.
E houve outro incidente a respeito da delegação que vai ao encontro de Alto Nível das Nações Unidas sobre aids, em Nova York, a partir de 8 de junho...
Esse encontro foi proposto para traçar estratégias globais em relação à epidemia de aids até 2030. Recebemos uma comunicação da Secretaria de Vigilância dizendo que não precisava de nenhum técnico nosso para compor a delegação. O que é muito estranho porque são temas técnicos que serão tratados no encontro, que pessoas do gabinete do ministro não podem tratar. Depois da minha demissão eles acabaram voltando atrás e já anunciaram que vão levar os técnicos. Mas isso para mim foi acima da minha capacidade de absorção. Seria a primeira vez, em 31 anos de resposta formal contra a epidemia de aids, que não teríamos um representante no encontro.
O novo ministro já tomou posse há 18 dias e seguimos sem um secretário de Vigilância Sanitária, como você apontou na sua carta de exoneração...
Ninguém foi nomeado ainda. E o secretário de Vigilância é o sujeito que toma conta das doenças infecciosas, da zika, da dengue, da chycungunya, do H1N1. Estamos em meio a toda essa polêmica sobre as Olimpíadas [autoridades de saúde pediram à OMS que interferisse e pedisse o adiamento dos jogos por conta da epidemia de zika] e não temos tampouco um diretor para doenças infectocontagiosas. Essa composição político-partidária da pasta, que foge completamente da questão técnica, está trazendo um risco ao país, bem acima do desejado.
Por isso você pediu a exoneração?
Sim, quando vejo esse conjunto de ações, vejo que não tenho mais condições de trabalhar assim, tenho um histórico, uma reputação, um compromisso. Além de tudo isso que eu citei, esse governo tem uma característica conservadora, é todo composto por homens brancos. E a gente brinca aqui no departamento que a nossa pauta é sexo, drogas e rock and roll. Porque é um pouco isso mesmo, trabalhamos com homens e mulheres transexuais, bissexuais, gays e lésbicas, pessoas que usam drogas, profissionais do sexo, pessoas que vivem com HIV. Imagina, nesse clima conservador, implementar políticas para essa parcela da população.
*Em nota, o Ministério da Saúde informou que a mulher do ministro, a vice-governadora do Paraná, Cida Borghetti, pagou as próprias despesas para a viagem a Nova York. O ministério informou também que na viagem a Genebra o coordenador-geral de hepatites virais do departamento, Marcelo Naveira, estava presente. E informou ainda que o ministro participou de várias reuniões pessoalmente. Sobre a demora na nomeação de secretários e diretores, o ministério disse que o trabalho está sendo tocado por técnicos sem nenhum prejuízo.
Os ministros do governo Temer
Gabinete do presidente interino tem nomes conhecidos da política, vários alvos da Justiça e nenhuma mulher. Confira uma minibiografia de cada um deles.
Foto: Geraldo Magela/Agencia Senado
Gilberto Kassab
Ministro das Cidades até abril de 2016 e prefeito de São Paulo por dois períodos, Gilberto Kassab foi escolhido para comandar o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. O fundador do Partido Social Democrático (PSD) é réu em processo de improbidade administrativa e foi condenado em 2014 por não pagar precatórios judiciais previstos em leis, mas recorre da decisão.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Raul Jungmann
O deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) é o novo ministro da Defesa. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foi o principal responsável por questões fundiárias, presidindo o Incra e comandando o Ministério de Desenvolvimento Agrário. Jungmann é alvo de ações movidas pelo Ministério Público por improbidade administrativa e por dano ao erário na época que chefiava o Incra.
Foto: Edilson Rodrigues/Agencia Senado
Geddel Vieira Lima
Figura próxima de Temer, Geddel Vieira é o novo ministro-chefe da Secretaria de Governo. Em sua carreira política, foi deputado federal por cinco mandatos consecutivos, além de ministro da Integração Nacional no segundo mandato de Lula. O peemedebista é investigado na Operação Lava Jato e, em 2014, foi condenado por realizar propaganda eleitoral irregular.
Foto: Valter Campanato/Agencia Brasil
Bruno Araújo
Sem experiência ministerial, o deputado federal Bruno Araújo (PSDB-PE) foi escolhido para comandar o Ministério das Cidades. Responsável por proferir o voto que selou a votação do impeachment na Câmara, o parlamentar teve seu nome citado na lista da Odebrecht, apreendida pela Polícia Federal, que mostra centenas de políticos que receberam doações da empreiteira.
Foto: Gustavo Lima/Camara dos Deputados
Blairo Maggi
Ex-governador do Mato Grosso, o senador Blairo Maggi (PR-MT) assume o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Dono do grupo que é um dos principais exportadores de soja do país, é considerado por ambientalistas um dos grandes promotores do desmatamento. Maggi é alvo de inquérito que apura lavagem de dinheiro e também de ações do Ministério Público por improbidade administrativa.
Foto: Geraldo Magela/Agencia Senado
Henrique Meirelles
O novo ministro da Fazenda foi eleito deputado federal pelo PSDB em 2002, mas abriu mão de assumir a cadeira quando foi chamado pelo então presidente Lula para presidir o Banco Central – ele permaneceu no cargo entre 2003 e 2011. Atualmente, Meirelles vinha presidindo o Conselho de Administração da holding J&F, que controla a empresa de alimentos JBS.
Foto: Antonio Cruz/ABr
Mendonça Filho
O deputado federal assume o Ministério da Educação e Cultura. Ex-governador de Pernambuco – depois da renúncia do titular Jarbas Vasconcelos –, Mendonça Filho (DEM-PE) é parte em processos relacionados a contas eleitorais de seu partido e está entre as centenas de políticos citados na lista da Odebrecht, apreendida pela Lava Jato.
Foto: Gustavo Lima/Camara dos Deputados
Eliseu Padilha
Novo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha comandou o Ministério dos Transportes no governo FHC e a Aviação Civil durante a gestão Dilma. Pediu demissão um dia antes de o deputado Eduardo Cunha aceitar o pedido de impeachment da presidente petista. Indiciado por formação de quadrilha em 2011, Padilha foi recentemente citado na delação de Delcídio do Amaral.
Foto: Wilson Dias/Agencia Brasil
Osmar Terra
Sem experiência ministerial, Osmar Terra é deputado federal (PMDB-RS) e agora assume o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, responsável pelo Bolsa Família. Também citado na lista da Odebrecht, o político teve suas contas contestadas pelo TCE quando chefiava a Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul.
Foto: Viola Jr/Camara dos Deputados
Leonardo Picciani
Também sem experiência ministerial, o deputado federal Leonardo Picciani (PMDB-RJ) foi escolhido para comandar o Ministério do Esporte. Aos 36 anos, ele está em seu quarto mandato na Câmara e ocupa o posto de líder da bancada do PMDB da Casa. Picciani é alvo de representação (sob segredo de Justiça) por captação e gastos ilícitos na campanha de 2014, com pedido de cassação de diploma.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Ricardo Barros
Novo ministro da Saúde, o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) não tem experiência comandando ministérios, mas foi secretário de Indústria e Comércio e Assuntos do Mercosul no Paraná. Também citado na lista da Odebrecht, Barros foi condenado por fraude em venda de equipamentos e por danos causados aos cofres públicos referentes ao período em que foi prefeito de Maringá.
Foto: Antonio Cruz/Agencia Brasil
José Sarney Filho
Filho do ex-presidente José Sarney, o deputado federal (PV-MA) assume o Ministério do Meio Ambiente. No governo tucano, foi ministro da mesma pasta entre 1999 e 2002. No passado, Sarney Filho chegou a ser condenado ao pagamento de uma multa em representação movida pelo Ministério Público Eleitoral por prática de conduta vedada.
Foto: Agência Brasil/M. Camargo
Henrique Alves
Figura muito próxima a Temer, Henrique Alves foi escolhido para o Ministério do Turismo. Foi ministro da pasta durante o governo Dilma, mas renunciou ao cargo duas semanas antes da aprovação do processo de impeachment pelo Senado. Alves foi deputado federal pelo Rio Grande do Norte por 11 mandatos consecutivos, chegando à presidência da Câmara. Ele é investigado pela Operação Lava Jato.
Foto: Tomaz Silva/Agencia Brasil
José Serra
Novo ministro da Relações Exteriores, o senador José Serra (PSDB-SP) comandou o Ministério da Saúde no governo FHC e foi prefeito e governador de São Paulo, sendo derrotado nas eleições presidenciais de 2002 e 2010. É alvo de ação civil pública por improbidade administrativa de quando era ministro tucano, e teve seu nome associado ao escândalo das licitações no transporte público paulista.
Foto: Moreira Mariz/Agencia Senado
Ronaldo Nogueira
Com breve carreira política, o deputado federal Ronaldo Nogueira (PTB-RS) foi escolhido por Temer para chefiar o Ministério do Trabalho. Administrador por formação, ele exercia seu primeiro mandato na Câmara quando foi convidado pelo vice-presidente. Nogueira teve reprovadas as contas referentes à campanha eleitoral de 2014.
Foto: Lucio Bernardo Junior/Câmara dos Deputados
Alexandre de Moraes
O advogado e consultor jurídico Alexandre de Moraes, ligado ao PSDB, ocupava a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo quando foi escolhido para assumir o Ministério da Justiça e Cidadania. Teve carreira de destaque no Ministério Público paulista, tendo chegado ao posto de procurador-geral da Justiça. Moraes atuou como advogado do deputado Eduardo Cunha.
Foto: Elza Fiuza/Agencia Brasil
Maurício Quintella Lessa
Quem assume o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil é o deputado federal Mauricio Quintella (PR-AL), ex-líder do partido na Câmara. O político foi condenado em 2014 por ter participado, enquanto secretário de Educação de Alagoas, de um esquema que desviou dinheiro destinado ao pagamento de merenda escolar. Quintella foi multado pela Justiça em 4,2 milhões de reais.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Fabiano Augusto Martins Silveira
O advogado foi escolhido para comandar o Ministério da Fiscalização, Transparência e Controle, recém-criado por Temer para substituir a Controladoria-Geral da União. Fabiano Augusto Martins Silveira é doutor em Direito e conselheiro no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo segundo mandato, além de consultor legislativo do Senado Federal desde 2002.
Foto: Geraldo Magela/Agencia Senado
Fábio Osório Medina
O substituto de José Eduardo Cardozo no comando da Advocacia-Geral da União é Fábio Osório Medina. Advogado e professor, ele é ex-promotor de Justiça do Rio Grande do Sul e especializado em leis sobre combate à corrupção. No início de maio, Medina foi um dos convidados pela oposição para falar em sessão da comissão especial do impeachment no Senado.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Sérgio Etchegoyen
O novo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Temer é chefe do Estado-Maior do Exército (EME) desde março de 2015. Assinou, junto a outros familiares, uma carta em que critica a Comissão Nacional da Verdade – o pai de Etchegoyen foi denunciado por graves violações aos direitos humanos durante o regime militar brasileiro.
Foto: cc-by-Neal Snyder/US Army
Marcos Pereira
Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e ex-executivo da rede Record de Televisão, Marcos Pereira é o novo ministro da Indústria, Comércio e Serviços. Cotado para a Ciência e Tecnologia, o evangélico enfrentou forte resistência entre acadêmicos. O presidente do Partido Republicano Brasileiro (PRB) é advogado e foi sócio de escritórios de contabilidade e advocacia.
Foto: Imago
Fernando Coelho Filho
Deputado federal há três mandatos com apenas 32 anos, o novo ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho (PSB-PE) é herdeiro político do senador Fernando Bezerra Coelho, seu pai, que ocupou a pasta de Integração Nacional no governo Dilma e está sob investigação na operação Lava Jato. Foi o mais jovem parlamentar eleito no Brasil, com apenas 22 anos.
Foto: Agencia Brasil/M. Camargo
Helder Barbalho
À frente da cobiçada pasta de vasto orçamento e impacto na região Nordeste está outro herdeiro político, filho de Jader e Elcione Barbalho. O novo ministro da Integração Nacional Helder Barbalho (PMDB-PA) comandou a Secretaria de Portos do governo Dilma até abril. Também foi secretário da Pesca e Aquicultura. Na saída, afirmou acreditar na inocência da presidente.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Lacerda
Dyogo Oliveira
O economista ocupou vários cargos no Ministério da Fazenda, desde 2006, até chegar a secretário-executivo. Mais tarde, assumiu a posição equivalente no Planejamento. Ele se manteve no cargo durante o governo interino. É citado em investigações da Operação Zelotes e teve seus sigilos bancário e fiscal entre 2008 e 2015 quebrados a pedido do Ministério Público Federal.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Marcelo Calero
O posto foi recriado seis dias após ser extinto no primeiro dia do governo interino. Marcelo Calero é formado em direito, trabalhou na Petrobras, em empresas privadas e no setor de energia do Itamaraty. Candidatou-se a deputado federal pelo PSDB-RJ em 2010, mas não foi eleito. Foi secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro de 2013 até assumir o ministério.
Foto: Agência Brasil/ V. Campanato
Romero Jucá
Foi ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão por 11 dias no governo interino. Senador do PMDB, ele teve uma conversa gravada, em que defendia uma mudança de governo para "estancar a sangria" de políticos citados na Lava Jato. Foi líder dos governos FHC, Lula e Dilma no Congresso e é investigado por formação de quadrilha, além de ter seu nome envolvido na Operação Zelotes.