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CPI apura se Prevent testou "kit covid" sem avisar pacientes

16 de setembro de 2021

Reportagem da GloboNews relata que pesquisa com cloroquina e ivermectina teria sido feita sem autorização dos doentes ou familiares. Remédios são defendidos por Bolsonaro, mas não têm eficácia contra covid.

Jair Bolsonaro segura caixa de cloroquina
Bolsonaro usou estudo da Prevent para defender em suas redes sociais o "kit covid"Foto: Carolina Antunes/PR

Na reta final de seus trabalhos, a CPI da Pandemia buscará esclarecer por qual motivo a operadora de saúde Prevent Senior envolveu-se na disseminação do uso e em estudos sobre o chamado "kit covid", composto por medicamentos ineficazes contra a doença defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro, como a cloroquina, a azitromicina e a ivermectina, que podem inclusive agravar a saúde dos pacientes.

Segundo acusações em poder da comissão, detalhadas em reportagens veiculadas pela GloboNews, a Prevent Senior pressionou seus profissionais a receitarem o "kit covid" e realizou uma pesquisa ministrando os medicamentos a pessoas com suspeita ou diagnóstico de covid-19 sem informar os pacientes ou seus familiares.

O diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, que também é tenente médico da reserva do Exército, havia sido intimado pela CPI da Pandemia a prestar depoimento nesta quinta-feira (16/09), mas não compareceu sob argumento de que fora comunicado com menos de 48 horas de antecedência.

Os senadores remarcaram seu depoimento para a próxima quarta-feira, e ameaçaram acionar a Justiça para que ele seja conduzido coercitivamente. O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), pretende apresentar seu relatório até o final da próxima semana.

Tratamentos experimentais

O senador Humberto Costa (PT-PE), autor do requerimento da convocação de Batista, afirmou que a comissão recebeu denúncias de médicos de que a operadora teria pressionado profissionais a receitar o "kit covid" e realizado tratamentos experimentais sem o consentimento de pacientes.

"Uma das coisas que o hospital orientava era que os pacientes e os seus familiares não tivessem conhecimento de que essa experiência estava sendo feita, que não tivessem conhecimento de que estavam sendo administrados esses medicamentos. A informação que se tem é que isso foi um acerto entre a direção do hospital e o governo federal", afirmou Costa. Não está claro, porém, quais seriam os termos desse suposto acordo entre a Prevent e o governo Bolsonaro. 

Segundo a GloboNews, o estudo começou a ser realizado em 25 de março de 2020 e a primeira versão dos resultados foi divulgada em 15 de abril. Três dias depois, Bolsonaro compartilhou as informações no seu Twitter, como um suposto exemplo de que a cloroquina seria eficaz contra a covid-19, e mencionando a Prevent.

"Segundo o CEO Fernando Parrillo, a Prevent Senior reduziu de 14 para 7 dias o tempo de uso de respiradores e divulgou hoje, às 1h40 da manhã, o complemento de um levantamento clínico feito: de um grupo de 636 pacientes acompanhados pelos médicos, 224 NÃO fizeram uso da HIDROXICLOROQUINA. Destes, 12 foram hospitalizados e 5 faleceram. Já dos 412 que optaram pelo medicamento, somente 8 foram internados e, além de não serem entubados, o número de óbitos foi ZERO. O estudo completo será publicado em breve", tuitou o presidente em 18 de abril.

Pesquisa sem consentimento

Mensagem obtida pela GloboNews mostra um diretor da Prevent, Fernando Oikawa, orientando os médicos a ministrarem cloroquina e azitromicina aos pacientes como parte do estudo, com a ressalva que não informassem o paciente ou seus familiares a respeito.

"Iremos iniciar o protocolo de HIDROXICLOROQUINA + AZITROMICINA. Por favor, NÃO INFORMAR O PACIENTE ou FAMILIAR, (sic) sobre a medicação e nem sobre o programa", escreveu Oikawa em um grupo de aplicativo de mensagens com profissionais da Prevent.

Nove pessoas morreram durante a pesquisa, das quais seis haviam tomado cloroquina e azitromicina, duas não tinham tomado a medicação, e uma sem informação a respeito. Segundo um médico da Prevent relatou à GloboNews, o estudo teria sido manipulado e seus resultados já estariam prontos antes da sua conclusão.

Ainda segundo a emissora, os autores do estudo mencionam só duas mortes entre os pacientes pesquisados. O coordenador da pesquisa, o cardiologista Rodrigo Esper, afirma no estudo que essas duas mortes teriam ocorrido por outros motivos de saúde pré-existentes e não relacionados à covid-19.

Ministério Público também investiga

A reportagem da GloboNews apontou ainda que a Prevent Senior teria ocultado a morte de pacientes que tiveram covid-19 e receberam atendimento em seus hospitais. A emissora teve acesso a uma mensagem de um diretor da Prevent orientando os coordenadores das unidades a alterarem o código de diagnóstico (CID) dos pacientes que deram entrada com covid-19 após algumas semanas de internação.

"Após 14 dias do início dos sintomas (pacientes de enfermaria/apto) ou 21 dias (pacientes com passagem em UTI/Leito híbrido), o CID deve ser modificado para qualquer outro exceto o B34.2 (código da Covid-19) para que possamos identificar os pacientes que já não tem mais necessidade de isolamento. Início imediato", diz a mensagem.

A justificativa seria liberar os pacientes que não precisariam mais de isolamento, mas a alteração faria com que, caso o paciente viesse a falecer, o registro de óbito deixasse de indicar covid-19 como motivo.

A GloboNews identificou dois casos de pacientes da Prevent que contraíram covid-19 e morreram, mas a doença não constava em suas declarações de óbito. Um deles, além de receber medicamentos do "kit covid", foi submetido a cerca de 20 sessões de ozonioterapia, uma terapia que só pode ser feita em pesquisas experimentais por instituições credenciadas, uma autorização que a Prevent não detém, segundo a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

A Conep chegou a autorizar a Prevent a realizar o estudo com a cloroquina e a ivermectina, mas suspendeu a pesquisa ao ser informada que ela havia sido iniciada antes da aprovação legal.

O Ministério Público estadual de São Paulo instaurou um inquérito em março para apurar denúncias de que profissionais da Prevent teriam sido forçados a receitar os medicamentos do "kit covid" mesmo antes da consulta e do resultado de exames dos pacientes. O inquérito investiga a recomendação de prescrição de outros medicamentos além daqueles do kit e também sem eficácia contra a doença, como a flutamida, usada no tratamento de câncer de próstata, e o etanercepte, para atrite. Profissionais ouvidos pela GloboNews relataram que sofriam risco de demissão se não seguissem a recomendação da empresa.

Operadora diz ter atuação ética e legal

Em nota, a Prevent Senior afirma que "sempre atuou dentro dos parâmetros éticos e legais e, sobretudo, com muito respeito aos beneficiários", que prestou todas as informações solicitadas pela CPI da Pandemia e que está à disposição dos senadores.

A empresa também afirmou que pedirá que o Ministério Público apure as denúncias "infundadas e anônimas" contra si, e que irá tomar medidas judiciais para pedir a punição de quem teria feito "denunciação caluniosa".

"Os médicos da empresa sempre tiveram a autonomia respeitada e atuam com afinco para salvar milhares de vidas. Importante lembrar que números à disposição da CPI demonstram que a taxa de mortalidade entre pacientes de Covid 19 atendidos pelos nossos profissionais de saúde é 50% inferior às taxas registradas em São Paulo", afirmou a Prevent.

bl (ots)

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