CPI reúne dados sobre mortes evitáveis pela covid-19
24 de junho de 2021A CPI da Pandemia no Senado usou sua sessão desta quinta-feira (24/06) para reunir dados sobre o número de mortes por covid-19 que poderiam ter sido evitadas se o governo federal tivesse aceitado ofertas de vacinas feitas no ano passado e estimulado políticas não farmacológicas de controle, como uso de máscaras, distanciamento social, testagem em massa e rastreamento de contatos.
Os senadores ouviram Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, e o epidemiologista e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, autor do Epicovid, primeiro estudo brasileiro a avaliar a magnitude da pandemia do coronavírus no país.
120 mil mortes a mais no primeiro ano
Werneck apresentou resultados de um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de São Paulo, feito a pedido de um grupo de organizações da sociedade civil, que investigou o comportamento das mortes nos primeiros doze meses da pandemia no Brasil, de março de 2020 a março de 2021.
O estudo se baseou em dados do registro de mortalidade do Datasus e dos cartórios de registro civil dos cartórios, e concluiu que houve nesse período 305 mil mortes a mais do que a média anual de 2015 a 2019. Essas mortes em excesso incluem os que contraíram covid-19, mas também as pessoas com outros problemas de saúde que retardaram a busca de ajuda médica durante a pandemia ou que buscaram apoio médico mas não conseguiram porque o sistema de saúde estava sobrecarregado.
Os pesquisadores também estimaram que se o governo federal tivesse estimulado políticas não farmacológicas de controle, a taxa de transmissão do vírus teria sido 40% nesse período de doze meses. Nesse cenário, 120 mil mortes teriam sido evitadas – o cálculo só considera medidas como uso de máscaras, distanciamento social e testagem em massa, e não as vacinas.
Werneck afirmou aos senadores que o objetivo do estudo foi indicar aos gestores públicos sua responsabilidade pela forma como geriam a pandemia. "Mortes evitáveis têm responsabilidades atribuíveis", afirmou.
80% de mortes evitáveis no total
Em seu depoimento, Hallal apresentou sua metodologia de cálculo de mortes evitáveis que compara o número de mortes no Brasil com o número de mortes por covid-19 no mundo, considerando a população do país e a população mundial.
Segundo esse cálculo, o Brasil tem 2,7% da população mundial e desde o começo da pandemia concentrou 13% das mortes do mundo. Se o Brasil tivesse registrado 2,7% das mortes registradas no mundo pela doença até o momento, o número de óbitos seria cerca de 400 mil abaixo das atuais mais de 507 mil mortes.
"Quatro de cada cinco mortes teriam sido evitadas se estivéssemos na média mundial. Não é se tivéssemos um desempenho maravilhoso como o da Nova Zelândia. [Se estivéssemos da média mundial] teríamos poupado 400 mil vidas", afirmou. Ele disse também que, nesta quarta, um de cada três pessoas que morreram por covid-19 estavam no Brasil.
Óbitos provocados por falta de vacinas
Hallal também citou outras projeções, entre as quais duas que estimaram quantas mortes teriam ocorrido a menos caso o governo tivesse aceitado as ofertas de vacina que recebeu ao longo de 2020 e estabelecido um programa de vacinação mais robusto desde o início deste ano.
Estudo feito próprio Hallal estimou em 95,5 mil as mortes evitáveis apenas com a compra de mais vacinas no ano passado. Ele citou também outra pesquisa, liderada por Eduardo Massad, professor emérito da faculdade de medicina da USP e professor de matemática aplicada da FGV, e divulgada com exclusividade pela DW Brasil, que estimou em 145 mil mortes neste ano teriam sido evitadas caso o país tivesse iniciado uma campanha de vacinação em 21 de janeiro aplicando 2 milhões de doses por dia – estimativa que ele considera plausível se o governo tivesse aceitado as ofertas de doses da Pfizer e da Coronavac feitas ao longo de 2020.
Sete pecados capitais e influência do bolsonarismo
Hallal afirmou que o governo federal cometeu o que ele chamou de "sete pecados capitais" no combate a uma pandemia: Fez pouca testagem, rastreamento e isolamento; demorou para comprar vacinas e desestimulou a vacinação; promoveu tratamentos ineficazes que transmitiram uma falsa sensação de segurança às pessoas; não exerceu liderança federal por meio de um comitê de crise; desestimulou o uso de máscaras; deu prioridade a uma abordagem clínica (como número de leitos, respiradores e oxigênio) em detrimento de uma abordagem epidemiológica; e não promoveu uma comunicação unitária sobre a pandemia.
"Investir na imunidade de rebanho [por infecção natural] foi uma estratégia equivocada. Depois de um certo tempo, se torna uma estratégia repugnante, com toda a evidência científica apontando que a imunidade por rebanho por infecção natural não era atingível para covid-19", disse.
Ele mostrou também gráficos comparando o número de mortes por milhão de pessoas no Brasil com outros países. Nessa perspectiva, o Brasil está na pior posição entre os dez países mais populosos do mundo e na pior entre os cinco países do BRICS, que reúne também Rússia, Índia, China e África do Sul. Na América do Sul, o Brasil fica atrás apenas do Peru, que recentemente alterou a sua metodologia e viu o número total de mortes no país triplicar.
Para o epidemiologista, o presidente Jair Bolsonaro é o principal responsável por esses resultados. "O Brasil teve quatro ministros da Saúde [desde o início da pandemia]. (...) A principal autoridade responsável por propagar mensagens anticiência não foi nenhum dos quatro ministros da Saúde, foi diretamente o presidente da República", afirmou.
Hallal também apresentou gráficos mostrando uma correlação entre o percentual de votos em Bolsonaro no segundo turno e a mortalidade por covid-19 a cada 100 mil habitantes. Quanto maior havia sido o apoio eleitoral ao presidente, a tendência era de maior mortalidade. Há outras evidências também de que os bolsonaristas violaram mais a quarentena no início da pandemia.
Desigualdade e pandemia
A sessão da CPI também recebeu nesta quinta dados de como a pandemia impactou de forma desigual a população, em diversos aspectos.
Werneck mencionou a testagem. Citando dados da Pnad [Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio] Covid, disse que pessoas que recebem mais de quatro salário mínimos consumiram quatro vezes mais testes do que as que recebiam menos de meio salários mínimos.
Hallal mostrou dados do estudo Epicovid, que mediu o percentual da população que já havia sido infectada pelo coronavírus em maio, junho e julho de 2020, a partir do uso de testes rápidos aplicados por meio de amostragem.
Os resultados mostraram que os indígenas nesse período tinham em média um risco cinco vezes maior de se infectar pela covid-19 do que os brancos, e que os negros tinham o dobro do risco de infecção que os brancos.
Hallal disse à CPI que o slide que expunha essa diferença de risco de infecção estava em uma apresentação que ele faria dos resultados do Epicovid no ano passado, no Palácio do Planalto, e quinze minutos antes da apresentação foi informado que esse slide específico havia sido censurado e excluído.
Pouco tempo depois, o Ministério da Saúde decidiu interromper o monitoramento feito pelo Epicovid, que custou R$ 12 milhões. Em maio de 2021, o Ministério da Saúde anunciou uma nova iniciativa para medir a prevalência do vírus na população, chamada Pesquisa de Prevalência de Infecção por Covid-19 (Prevcov), com o custo de R$ 200 milhões, o que chamou a atenção de alguns senadores da CPI, que defenderam a necessidade de investigar o tema mais a fundo.
bl (ots)