Grupos rebeldes e influente milícia islâmica enviam sinais contraditórios sobre adesão ao cessar-fogo negociado entre EUA e Rússia e exigem garantias, poucas horas antes do acordo entrar em vigor.
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A trégua na Síria corre risco de fracassar, após várias facções rebeldes e um influente grupo islâmico enviarem sinais contraditórios sobre sua adesão ao acordo de cessar-fogo acertado entre EUA e Rússia, depois de semanas de negociações.
Agendada para entrar em vigor ao anoitecer desta segunda-feira (12/09), a trégua acordada na última sexta-feira visa criar as bases para se reiniciar negociações de paz para acabar com os mais de cinco anos de conflito. O cessar-fogo também deve permitir a chegada de ajuda humanitária a regiões sitiadas do país.
Antes da implementação do acordo, a milícia islamista Ahrar Al Sham criticou a trégua em comunicado, sem dizer explicitamente que não iria cumprir os termos do acordo.
Um dos mais poderosos grupos islâmicos armados no país, a Ahrar al-Sham, é ligado à Frente Fateh al-Sham, que era conhecida como Frente al-Nusra até romper sua fidelidade formal à Al Qaeda e mudar de nome no mês passado. A Frente Fateh al-Sham e o grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) não estão incluídos no acordo de cessar-fogo.
Os Estados Unidos alertaram neste sábado sobre "consequências terríveis" para qualquer grupo rebelde que tenha cooperado com a Frente Fateh al-Sham. Os EUA há meses têm apelado para que facções rebeldes apoiadas pelo Ocidente, Turquia e países do Golfo Pérsico se distanciem da Al Qaeda.
O vice-líder da Ahrar al-Sham, Ali al-Omar, criticou a trégua num vídeo divulgado neste domingo e rejeitou a exclusão da Frente Fateh al-Sham. "O acordo russo-americano irá transformar em fumaça todos os sacrifícios e as vitórias de nosso povo. Ele só vai servir para reforçar o regime e cercar militarmente a revolução", acusou.
"Cooperação de forma positiva"
O Exército Livre da Síria, que reúne vários agrupamentos de insurgentes, no entanto, afirmou, numa carta aos EUA, que vai "cooperar de forma positiva" com a trégua. No entanto, também manifesta preocupação de que o governo sírio venha a lucrar com o acordo e de que a exclusão da Frente Fateh al-Sham seja usada como desculpa para o regime sírio bombardear outros grupos rebeldes.
A aliança opositora Alto Comitê de Negociações (HNC, na sigla em inglês) disse nesta segunda-feira exigir "garantias" quanto à implementação do cessar-fogo antes de apoiá-lo. "Queremos saber quais são as garantias", disse Salem al-Muslet, porta-voz do HNC, que agrupa facções políticas e militares da oposição. "Será que a Rússia vai cumpri-lo? Será que o regime vai cumpri-lo e interromper seus bombardeios e crimes?"
O acordo entre Rússia e EUA prevê uma trégua inicial de 48 horas, que poderá ser renovada. Nos termos do cessar-fogo, Moscou pressionará o governo sírio para encerrar sua campanha militar contra os rebeldes apoiados pelos EUA. Em troca, os EUA lançarão operações militares conjuntas com a Rússia contra a Frente Fateh Al Sham e o EI, caso o cessar-fogo seja respeitado por um período mínimo de sete dias.
O governo do presidente sírio, Bashar al-Assad, não divulgou comentário oficial sobre o acordo. Em vez disso, a mídia estatal síria publicou que Damasco ofereceu sua aprovação ao acordo, citando fontes privadas.
O conflito sírio eclodiu em 2011, quando as forças do governo lançaram uma violenta repressão contra manifestantes pró-democráticos que pediam a renúncia de Assad. Em cinco anos, mais de 250 mil pessoas foram mortas e mais da metade da população do país está deslocada, segundo dados da ONU.
MD/afp/ap/rtr/dpa
A guerra civil na Síria antes do EI
O "Estado Islâmico" inflamou o debate sobre como pôr fim à guerra civil síria. Contudo o grupo só emergiu mais tarde no conflito. Confira alguns momentos dessa guerra que abriram espaço para o avanço dos jihadistas.
Foto: AP
Março de 2011
Enquanto regimes ruem por todo o Oriente Médio, dezenas de milhares de sírios vão às ruas para protestar contra a corrupção, o desemprego elevado e a alta dos preços dos alimentos. O governo da Síria responde com armas de fogo. Até maio, cerca de 400 vidas são ceifadas.
Foto: dapd
Maio de 2011
Sob insistência dos países ocidentais, o Conselho de Segurança da ONU condena a repressão violenta. Nos meses seguintes, os Estados Unidos e a União Europeia impõem embargo de armas, recusa de vistos e congelamento de bens. Com apoio da Liga Árabe, aumenta a pressão para a saída do presidente sírio Bashar al-Assad – embora sem o aval de todos os países-membros da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Szenes
Agosto de 2011
Em 1970 um golpe pusera Hafez al-Assad no poder. Após sua morte, em 2000, o filho Bashar (à dir.) assume a liderança. De início tido como reformista, ele perde apoio ao manter o estado de emergência que há décadas restringe as liberdades políticas, permitindo vigilância e interrogatórios. Assad tem respaldo da Rússia, que lhe fornece armas e repetidamente veta as resoluções da ONU sobre a Síria.
Foto: picture-alliance/dpa/Stringer/Ap/Pool
Dezembro de 2011
A ONU e outras organizações têm provas de violação dos direitos humanos na Síria. Civis e militares desertores começam a se organizar lentamente para combater as forças do governo, que vêm atacando os dissidentes. Até o fim de 2011, essa luta causa mais de 5 mil mortes. Mesmo assim, ainda transcorrem seis meses até a ONU reconhecer que o país está em guerra.
Foto: Reuters/Goran Tomasevic
Setembro de 2012
O Irã finalmente confirma que tem combatentes em solo sírio, fato que Damasco negava há tempos. A presença de tropas aliadas acentua a hesitação dos Estados Unidos e de outras potências ocidentais em intervir no conflito. Os EUA, marcados pelas intervenções fracassadas no Afeganistão e no Iraque, propõem o diálogo como única solução sensata.
Foto: AP
Março de 2013
As mortes beiram 100 mil, e o total de refugiados em países vizinhos como a Turquia e a Jordânia atinge 1 milhão – número que duplicaria até setembro. Em dois anos de guerra, o Ocidente e a Liga Árabe veem fracassar todas as tentativas de um governo de transição, enquanto o conflito transborda para a Turquia e o Líbano. O pior temor é de que Assad se mantenha no poder a todo custo.
Foto: Reuters/B. Khabieh
Abril de 2013
Há muito Assad alega estar combatendo terroristas. Mas só no segundo ano de guerra se confirma que o Exército Livre Sírio inclui extremistas radicais. O grupo Frente al-Nusra declara apoio à Al Qaeda, fragmentando ainda mais a oposição.
Foto: Reuters/A. Abdullah
Junho de 2013
A Casa Branca afirma ter provas de que Assad está atacando civis com o gás tóxico sarin. Mais tarde a informação é corroborada pela ONU. A partir da revelação, o presidente dos EUA, Barack Obama, e outros líderes ocidentais passam a considerar uma intervenção militar. No entanto a proposta da Rússia para que se retirem as armas químicas da Síria acaba por se impor.
Foto: Reuters
Janeiro de 2014
Ao fim de 2013 surgem relatos sobre um novo grupo autodenominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante – o futuro EI. Ao tomar terras no norte da Síria e também no Iraque, os jihadistas despertam lutas internas na oposição, causando 500 mortes até o início de janeiro. Esse terceiro e inesperado fator levaria os EUA, França, Arábia Saudita e outras nações à intervir na guerra em meados do ano.