Após veto de Pequim e Moscou, ajuda humanitária a 4 milhões de sírios pode ser suspensa em breve. Enquanto isso, regime de Assad intensifica ofensiva em Idlib e leva milhares a fugirem em direção à Turquia.
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O temor de uma crise humanitária na província de Idlib, no noroeste da Síria, aumentou em meio a uma série de ataques aéreos que levaram milhares a abandonar suas casas, numa ofensiva do regime de Bashar al-Assad. Pelo menos, 25 mil civis fugiram da região em direção à Turquia nos últimos dois dias, noticiou a imprensa turca neste domingo (22/12).
A Turquia abriga cerca de 3,7 milhões de refugiados sírios e teme que a ofensiva gere outra onda migratória na região onde vivem cerca de 3 milhões de sírios, muitos que já foram deslocados de outras partes do país.
Controlada pelo antigo braço sírio da Al-Qaeda, o Tahrir al-Sham, Idlib é o último grande bastião dos insurgentes. De acordo com o Observatório Sírio para Direitos Humanos, o regime de Assad avança em direção à cidade de Maaret al-Numan, um dos maiores centros urbanos da província.
Centenas de pessoas foram mortas neste ano em ataque a áreas residenciais da província, segundo as agências da ONU. Apesar da ofensiva militar da Síria e da Rússia lançada em abril ter diminuído após um cessar-fogo anunciado em agosto, o regime vem intensificando os bombardeiros em Maaret al-Numan desde 16 de dezembro.
Equipes de resgate relataram que os bombardeios deixaram cerca de 30 mortos na região desde sexta-feira. Desde quinta-feira, aliados de Damasco travam batalhas com jihadistas e rebeles. O regime conseguiu retomar o controle de 25 cidades e vilarejos, segundo o Observatório Sírio para Direitos Humanos.
Um residente da região contou à agência de notícias AFP que equipes de resgate e grupos locais trabalham incansavelmente para remover famílias para o norte. "Nenhum lugar é seguro. Se ficarmos nas nossas casas ou se fugirmos, morreremos de qualquer maneira", afirmou.
Assad prometeu retomar o controle de Idlib, levando muitos residentes da região a fugirem. De acordo com a agência estatal de notícias turca Anadolu, cerca de 205 mil pessoas abandonaram suas casas na província desde o início de novembro devido aos ataques.
A ONU pediu uma "redução imediata" da violência e alertou para novos deslocamentos em massa se a situação continuar. ONGs alertaram para uma eventual catástrofe humanitária na Síria depois que a Rússia, aliada de Assad, e a China vetaram o prolongamento de uma iniciativa para levar ajuda à população da região que faz fronteira com a Turquia.
Na sexta-feira, Pequim e Moscou barram um projeto de resolução da Alemanha, Bélgica e Kuwait para prolongar por um ano a ajuda humanitária que chega a 4 milhões de sírios, a partir de pontos de passagem na Turquia e Iraque, designados pela ONU sem autorização oficial de Damasco. A ajuda beneficia sobretudo habitantes de regiões que não são controladas pelo governo, como Idlib.
O mandato da ONU para essa tarefa termina em 10 de janeiro. Se uma alternativa não for encontrada até então, a assistência nas regiões controladas por rebeldes será interrompida.
"As famílias necessitadas, muitas das quais já tiveram de fugir várias vezes, dependem da ajuda fornecida pelas operações transfronteiriças da ONU", alertou a ONG Oxfam num comunicado. "Não há qualquer meio realista para chegar a essas centenas de milhares de famílias" a partir do interior da Síria, acrescentou.
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, criticou o veto ao projeto. "A Rússia e a China, que escolheram fazer uma declaração política ao se opor a essa resolução, têm sangue nas mãos".
O conflito na Síria deslocou milhões de pessoas pelo mundo e matou 370 mil desde seu início em 2011 após a repressão de protestos contra o governo de Assad.
O que se iniciou com protestos pacíficos em 2011 virou uma guerra civil brutal que já matou centenas de milhares de pessoas e fez milhões de refugiados. Reveja os principais acontecimentos.
Foto: Reuters/Stringer
2011: O início
Em 15 de março de 2011, protestos pacíficos contra a detenção de jovens acusados de fazer pichações antigoverno em sua escola, na cidade de Daraa, são reprimidos por forças de segurança, que abrem fogo contra manifestantes desarmados, matando quatro. Os protestos continuam por vários dias, fazendo 60 mortos e se espalham por todo o país. Segue-se um período de repressão violenta.
Foto: Anwar Amro/AFP/Getty Images
2011/2012: Isolamento internacional
O ex-presidente Barack Obama insta o presidente Bashar al-Assad a renunciar, e os EUA anunciam sanções a Assad em maio e congelam bens do governo sírio nos EUA em agosto de 2011. A União Europeia também anuncia sanções, em setembro. Em novembro, a Liga Árabe suspende a Síria e impõe sanções ao regime. Também a Turquia anuncia uma série de medidas, incluindo sanções, em dezembro.
Foto: AP
2012: Observadores internacionais desistem
Em dezembro de 2011, a Síria permite a entrada de observadores da Liga Árabe para monitorar a retirada de tropas e armas de áreas civis. A missão é suspensa em janeiro de 2012. Em fevereiro, os EUA fecham sua embaixada em Damasco. Em abril de 2012, chegam observadores da ONU, que partem dois meses depois por falta de segurança.
Foto: REUTERS
2013: Ataque com gás
Em março, um ataque com gás mata 26 pessoas, ao menos a metade deles soldados do governo, na cidade de Khan al-Assal. Investigação da ONU conclui que foi usado gás sarin. Em agosto, outro ataque com gás mata centenas em Ghouta Oriental, um subúrbio de Damasco controlado pelos rebeldes. A ONU afirma que mísseis com gás sarin foram lançados em áreas civis. Os EUA e outros países culpam regime sírio.
Foto: picture-alliance/AP Photo
2013: Destruição de armas químicas
Em agosto, investigadores da ONU chegam à Síria para averiguar o uso de armas químicas, em meio a denúncias de médicos e ativistas. EUA afirmam que 1.429 pessoas morreram num ataque, e Obama pede ao Congresso autorização para ação militar. Em setembro, o Conselho de Segurança da ONU ameaça usar a força e, em outubro, Damasco inicia a destruição de seu arsenal declarado de armas químicas.
Foto: AFP/Getty Images
2014: EUA atacam "Estado Islâmico"
Em setembro, os EUA iniciam ataques aéreos a alvos do "Estado Islâmico" na Síria. Em outubro, o mediador da ONU, Staffan de Mistura, começa a negociar uma trégua ao redor de Aleppo, mas o plano fracassa meses depois.
Foto: picture-alliance/AP Photo/V. Ghirda
2015: Rússia entra no conflito
Em setembro, a Rússia, que desde o início fornecera ajuda militar ao governo sírio nos bastidores, entra ativamente no conflito, bombardeando opositores do regime. A ajuda se mostra decisiva, e a guerra civil passa a pender para o lado de Assad, que nos meses seguintes recupera território perdido para os rebeldes.
Foto: Reuters/Rurtr
2016: Governo controla Aleppo
A ONU e a Opac afirmam que tanto militares sírios quanto o "Estado Islâmico" usaram gás em ataques a opositores. O ano é marcado por várias tentativas de tréguas. Em setembro, a cidade de Aleppo é alvo de 200 ataques aéreos por forças pró-Assad num fim de semana. Em dezembro, as forças governamentais assumem controle de Aleppo, encerrando quatro anos de domínio dos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/G. Ourfalian
2017: Ataque em Idlib
Em fevereiro, Rússia e China vetam resolução do Conselho de Segurança da ONU pedindo sanções ao governo sírio pelo uso de armas químicas. Em abril, ao menos 58 pessoas morrem na província de Idlib, dominada pelos rebeldes, no que aparenta ser um ataque com gás. Testemunhas afirmam que o ataque foi executado por jatos sírios e russos, mas tanto Moscou quanto Damasco negam bombardeio.
Foto: Getty Images/AFP/O. H. Kadour
2017: Resposta dos EUA
Em abril, os EUA lançam dezenas de mísseis sobre a base militar de onde se acredita ter saído o ataque em Idlib. Em maio, o presidente Donald Trump aprova planos para armar combatentes das milícias curdas YPG na luta contra o "Estado Islâmico". A medida enfurece a Turquia, que vê as YPG como um grupo terrorista. Em outubro, o "Estado Islâmico" perde o controle de Raqqa, sua autoproclamada capital.
Em janeiro, aviões turcos bombardeiam a região curda de Afrin, dando início à operação contra as YPG intitulada "Ramo de Oliveira". A Turquia anuncia a morte de centenas de "terroristas", mas entre os mortos estão dezenas de civis, dizem ativistas. Em fevereiro, as milícias YPG chegam a acordo com o regime sírio para o envio de tropas pró-governo para auxiliar no combate aos turcos em Afrin.
Foto: picture alliance/AA/E. Sansar
2018: Ofensiva em Ghouta Oriental
Em 21 de fevereiro, tropas pró-regime executam ofensiva em larga escala contra enclave rebelde localizado ao leste de Damasco. Em torno de 400 mil civis ficam sitiados, com acesso limitado a alimentos e cuidados médicos. Os ataques matam centenas de pessoas. No dia 24 de fevereiro, o Conselho de Segurança da ONU aprova trégua humanitária de 30 dias vigente em todo o território sírio. Ela fracassa.
Foto: Reuters/B. Khabieh
2018: O bombardeio ocidental
Após dias de ameaça, em 14 de abril Trump anuncia o lançamento de mais de cem mísseis, em conjunto com França e Reino Unido, na Síria. O ataque é uma retaliação ao ataque químico na cidade de Duma, que matou dezenas de civis e que o Ocidente atribui ao regime de Bashar al-Assad.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Matthews
2019: Estados Unidos começam a se retirar da Síria
Em janeiro de 2019, os Estados Unidos começaram a se retirar da Síria. O presidente americano afirmou que o Estado Islâmico havia sido derrotado e, por isso, a presença dos EUA não seria mais necessária. A decisão foi contestada dentro do próprio governo e também pelas milícias curdas na Síria, aliadas dos EUA, que temiam enfraquecer-se.
Foto: Getty Images/AFP/D. Souleiman
2019: fim do autoproclamado califado do EI
Em março de 2019, as Forças Democráticas Sírias (FDS), aliança liderada por curdos, anunciaram que o autoproclamado califado do Estado Islâmico foi totalmente eliminado, após combates em Baghouz, considerado o último reduto jihadista na Síria. Militantes curdos e árabes das FDS, apoiados pela coalizão internacional liderada pelos EUA, combatiam há várias semanas os jihadistas.