Crimes da NSU expuseram preconceitos e falhas da segurança na Alemanha
5 de maio de 2013Em 4 de novembro de 2011, um banco é assaltado na cidade alemã de Eisenach, no estado da Turíngia. Os dois assaltantes fogem de bicicleta e levam com eles 70 mil euros. Testemunhas dão pistas à polícia e, duas horas após o roubo, agentes se aproximam de um trailer suspeito, que pouco depois é incendiado. Entre os destroços do veículo são encontrados dois corpos: trata-se de Uwe Mundlos e Uwe Böhnhardt, dois neonazistas desaparecidos na clandestinidade no final dos anos 90.
A essa altura, ninguém ainda se dava conta do alcance dos crimes. O caso se tornou ainda mais enigmático quando, na tarde daquele mesmo dia, na cidade de Zwickau, uma casa foi consumida pelas chamas após uma explosão. Ela era habitada pelos dois assaltantes e uma mulher chamada Beate Zschäpe. Ao recolher indícios, a polícia encontrou, entre outras coisas, a arma com que a policial Michèle Kiesewetter fora morta em Heilbronn, em abril de 2007.
Achado macabro
Os investigadores encontraram também entre as ruínas um vídeo macabro, no qual os autores reivindicam a autoria de assassinatos cometidos entre setembro de 2000 e abril de 2007. Além da policial, suas vítimas haviam sido nove imigrantes.
O registro foi a chave para o esclarecimento de uma série de homicídios que há muito tempo a polícia investigava em vão. Subitamente se revelou que as mortes de oito pequenos comerciantes de origem turca e um grego eram provavelmente obra do trio de radicais autodenominado Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU, na sigla em alemão).
O então presidente da Alemanha, Christian Wulff, expressou horror. "Pessoas no nosso meio foram vítimas de ódio mortal e violência de extrema direita. Estou muito abalado e partilho a indignação das pessoas da Alemanha", declarou, poucos dias após a revelação. "Nós recordamos os mortos e partilhamos, agora de forma muito mais intensa, a dor de seus muitos familiares."
"Assassinatos do döner"
A motivação para os crimes fora, portanto, xenofobia e racismo. No entanto, os investigadores estavam bastante seguros de que a série de homicídios se tratara de atos de retaliação da máfia dominada pelos turcos. Uma suposição que também se refletiu na cobertura feita pela imprensa.
Durante todos aqueles anos o noticiário se referira aos "assassinatos do döner" – numa alusão ao popular lanche vendido em lanchonetes turcas. Também o nome da mal sucedida equipe de investigação encarregada dos casos demonstrava em que direção buscavam-se pistas: "comissão especial Bósforo", uma referência ao estreito que separa os continentes europeu e asiático na Turquia.
Sob o impacto do desvendamento das verdadeiras circunstâncias dos crimes, em novembro de 2011 Wulff lançou questões pertinentes: a Alemanha tratara com justiça as vítimas e seus familiares? Não se deveria ter suspeitado mais cedo de uma motivação de extrema direita? Os protagonistas nos meios extremistas haviam sido suficientemente vigiados?
E, acima de tudo: "É possível que tenhamos nos deixado levar por nossos próprios preconceitos? Como garantir que o Estado cumpra sua função protetora em todos os setores da sociedade?"
Berlim se desculpa
Um ano e meio depois, as perguntas continuaram sem resposta conclusiva. O volume das irregularidades constatadas era grande, sobretudo no âmbito das autoridades de segurança. Apesar de conhecer os presumíveis autores desde os anos 90, o Departamento Alemão de Proteção da Constituição (BfV) perdeu a pista deles, e as circunstâncias até hoje não foram esclarecidas.
Diversas comissões parlamentares de inquérito federais e estaduais se ocupam desse fiasco dos serviços de segurança há mais de um ano. Em meados de 2012, o então presidente do BfV, Heinz Fromm, entregou o cargo após longos anos, depois a constatação de que arquivos importantes de seu departamento haviam sido destruídos sem o seu conhecimento.
A chanceler federal alemã, Angela Merkel, prometeu aos familiares das vítimas esclarecimento incondicional e afirmou sentir vergonha e luto. Durante a cerimônia fúnebre, em fevereiro de 2012, em Berlim, ela disse considerar "constrangedor" que durantes anos os assassinos tivessem sido procurados no círculo de relações das famílias das vítimas. "Peço-lhes perdão por isso", apelou a chanceler aos parentes e amigos dos mortos.
Dor dos que ficaram
Os entes das vítimas do terror neonazista usaram palavras tocantes durante a cerimônia na capital alemã. Semiya Simsek, filha da primeira vítima da NSU, Enver Simsek, lembrou: "O desafio é para a política, a Justiça, para cada um de nós", afirmou Simsek. "Vamos impedir que isso também aconteça a outras famílias!"
A turco-alemã revelou ainda uma questão que a tortura: a Alemanha ainda é o seu lar? "Sim", respondeu decidida, apesar de toda a dor. "Mas como posso estar certa disso, se há gente que não me quer aqui e que recorre ao assassinato, só porque meus pais vêm de uma terra estrangeira?" Semiya Simsek documentou recentemente sua divisão interna num livro com o título Schmerzliche Heimat (Pátria dolorosa, em tradução livre).
Hoje, há manifestações de condolência em relação aos afetados pela série de crimes – e que vão além das meras palavras. Em nome do governo federal, a antiga encarregada de assuntos de emigração de Berlim Barbara John cuida dos interesses das vítimas e de seus familiares. Além do apoio emocional e psicológico, o trabalho envolve também aspectos materiais, como reivindicações de pensão.
Falhas do Estado e racismo crescente
No geral, contudo, Barbara John está insatisfeita com as medidas adotadas desde a revelação da NSU. Juntamente com o presidente da Comunidade Turca da Alemanha, Kenan Kolat, ela critica a "vida própria" das repartições de segurança e exige uma mudança de mentalidade.
Kolat aponta o racismo crescente na Alemanha e quer a dissolução do Departamento de Proteção da Constituição, em virtude do que qualifica como fracasso. "Ele coloca em perigo o Estado de Direito democrático", afirmou o representante da comunidade turca.
A elucidação da série de crimes entra agora em fase decisiva, do ponto de vista do direito penal. No dia 6 de maio, próxima segunda-feira, o Tribunal Superior Regional de Munique inicia o julgamento da principal acusada, Beate Zschäpe, que se apresentou à polícia poucos dias depois de a Clandestinidade Nacional-Socialista ter sido desvendada. Além da cofundadora da célula terrorista, respondem a processo quatro supostos cúmplices. Os promotores suspeitam que eles também tenham criado uma associação terrorista, paralelamente à NSU.
Polêmica sobre a proibição do NPD
Um dos réus, Ralf Wohlleben, é velho conhecido nos meios neonazistas. Ele foi funcionário do Partido Nacional-Democrata da Alemanha (NPD), de extrema direita, e tinha contatos estreitos com os assassinos da NSU. Alguns observadores consideram o partido, declaradamente radical, como o braço político dos neonazistas dispostos à violência.
Entre os especialistas é grande a polêmica sobre se as ligações pessoais existentes com a NSU seriam motivo suficiente para proibir o NPD. Uma interdição só pode ser proclamada pelo Tribunal Federal Constitucional. No final de 2012, o Bundesrat (câmara alta do Parlamento alemão, com representação dos 16 estados federados) requereu a proibição.
Para que a ação tenha sucesso, seria necessário provar que os nacional-democratas assumem uma atitude "de combate agressivo" contra o Estado de direito democrático. Há mais de um ano, o Ministério e as Secretarias estaduais do Interior compilam material comprometedor, com o fim de provar a anticonstitucionalidade do NPD.
Os mais céticos – entre eles, Merkel – se preocupam com as perspectivas de êxito em interditar o partido fundado em 1964. Uma primeira tentativa nesse sentido, em 2003, fracassou devido à presença de vários informantes da Proteção da Constituição na liderança do NPD. Desta vez, porém, as provas não estarão ligadas a informantes duvidosos, asseguram os secretários estaduais.
De Munique para o mundo
É tida como certa a realização de um segundo processo de proibição do NPD. Este, no entanto, ainda depende de uma decisão do Tribunal Federal Constitucional. E, no momento, todas as atenções se concentram no julgamento dos membros da NSU em Munique.
Após uma série de impasses, alguns representantes da imprensa turca tiveram assegurada a permissão para acompanharem o processo in loco. Eles se beneficiam da bem sucedida ação constitucional de um jornal turco contra o Tribunal Superior Regional de Munique: o controverso procedimento de credenciamento adotado resultara na presença quase exclusiva de órgãos de imprensa alemães na sala do tribunal.
O ministro das Relações Exteriores alemão, Guido Westerwelle, é um dos que saudaram a decisão do Tribunal Constitucional. "Esse processo também pode influenciar, em algumas regiões até definir, a imagem da Alemanha no mundo", declarou Westerwelle, expressando um ponto de vista apoiado por muitos.