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Crise de hospedagem escala, e Brasil defende COP30 em Belém

2 de agosto de 2025

Diárias a preços exorbitantes ameaçam esvaziar a conferência do clima. Para observadores, cenário é fruto do desleixo e da falta de planejamento e diálogo com empresários do setor.

Vista aérea das obras no Parque da Cidade, em Belém, onde acontecerão as reuniões da COP30
Obra no Parque da Cidade, em Belém, onde acontecerão as reuniões da COP30Foto: Carlos Fabal/AFP

Com uma longa carreira diplomática e expertise em negociações climáticas, o embaixador brasileiro André Corrêa do Lago tem se dedicado a um tema, até então, fora de seu escopo: a garantia de hospedagem de delegações para a 30ª Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30, em Belém.

Os preços exorbitantes de diárias em hotéis na capital paraense, até 15 vezes mais altos durante o período da conferência, se transformaram numa questão política. Os valores não podem ser pagos por delegados de países mais pobres – e extremamente ameaçados pelas mudanças do clima. Numa reunião recente entre membros da ONU, eles expressaram a impossibilidade de viajar a Belém nestas condições.

"Eles também dizem que, com a ausência dos países mais pobres, ficaria uma COP que não teria legitimidade, sem a participação universal", respondeu à DW Corrêa do Lago numa coletiva com jornalistas nesta sexta-feira (01/08).

O embaixador lembra que cerca de dois terços dos países-membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) são mais pobres que o Brasil. O cenário em Belém coloca em xeque a participação principalmente das nações-ilha, países de menor desenvolvimento e de africanos.

Em meio à escalada da crise de acomodação, a cem dias da rodada de negociações climáticas no Brasil, a presidência da COP reafirma que Belém se mantém no posto de anfitriã e que não há um plano B.

"O governo acredita no plano A. A gente acredita que tem soluções dentro do plano A, a gente acredita que seria sim uma COP emblemática em Belém e vamos continuar no plano A", afirmou Ana Toni, CEO da conferência, fazendo referência ao simbolismo de a reunião acontecer na Amazônia.

COP inclusiva ameaçada

É a primeira vez que problemas na logística ocupam tanto espaço na agenda da conferência. O próprio embaixador admitiu que o imbróglio está tomando tempo de outras questões que poderiam estar em pauta, além de afetar a negociação.

Para participarem de conferências da ONU, delegações de nações mais pobres dependem de uma diária cedida pela organização, de cerca de 143 dólares. A quantia tem que ser suficiente para cobrir os custos com alimentação e hospedagem. Segundo esta lógica, o máximo que os delegados poderiam pagar num quarto seria 70 dólares por dia. Mas o valor atual em Belém chega a 2 mil dólares, em média.

Anúncio de Belém como cidade-sede da COP30 deflagrou corrida imobiliária milionária na metrópole amazônicaFoto: Augusto Miranda/Agencia Pará

De acordo com a presidência brasileira, uma equipe da Casa Civil foi destacada para lidar com a questão e busca opções na capital paraense dentro desse teto. Além disso, uma plataforma digital com alternativas de hospedagem foi lançada nesta sexta-feira para auxiliar os diversos públicos esperados na COP: observadores, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, setor privado, academia, entre outros.

"Queremos naturalmente que venham todos os países-membros da UNFCCC e do Acordo de Paris. Temos que encontrar uma maneira", afirma Corrêa do Lago sobre a tentativa de promover uma COP inclusiva.

"Foi desleixo"

Depois de a Amazônia brasileira ter sido confirmada como sede, as expectativas em torno das negociações climáticas aumentaram no círculo diplomático. Seria a primeira COP num país do Sul global democrático depois de várias edições em nações autoritárias. A ambição no Brasil era aumentar a participação, inclusive popular.

"A ideia é excelente, os negociadores precisam saber como são os desafios reais de uma cidade de um país de renda média e na Amazônia. Mas, para tudo isso acontecer, o Brasil precisava ter dado oportunidade de as pessoas chegarem até o lugar, e isso o Brasil não fez", critica Cláudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, que participa de COPs desde 2000.

Para Angelo, o país está indo contra o espírito do mutirão que a presidência tenta emplacar ao negar, por ação ou omissão, condições mínimas de as pessoas pagarem preços razoáveis em Belém.

"A crise que a gente está vivendo agora, que é uma coisa inédita na história da UNFCCC, é resultado do desleixo do governo brasileiro. Não precisaríamos ter chegado neste ponto. Belém é uma cidade incrível, mas agora a gente não vai mais conseguir fazer esta COP super legal e super inclusiva", analisa o membro do OC. 

Ao sabor do mercado

Mario Tito Almeida, pesquisador da Universidade da Amazônia (Unama), estuda o assunto e se preocupa com o cenário. Ele afirma que os preços altos expressam a pouca oferta de leitos na cidade e lamenta a falta de planejamento.

"Houve uma ausência de negociação do governo estadual com empresários do setor hoteleiro para facilitar o acesso. Era interessante ter uma espécie de acordo, para ter uma média de preços, mas isso não aconteceu", diz Almeida à DW. 

Segundo a análise do pesquisador, que coordena um grupo de estudos focado nos preparativos para a COP30, a situação foi deixada ao sabor do mercado e atende ao interesse dos empresários. O governo estadual não deveria ficar alheio à crise e montar um gabinete de emergência, sugere.

"Isso atrapalha a perspectiva de termos uma COP com vozes que nunca ou pouco são ouvidas, de termos delegações de países mais pobres. A gente se preocupa que isso seja uma forma de elitizar o evento", pontua Almeida.

Ao mesmo tempo em que identifica os empecilhos, Almeida teme que setores do país estejam atuando nos bastidores na tentativa de levar a COP para a região Sudeste, alegando que Belém não teria capacidade de organizar um evento dessa magnitude.

"Temos problemas, mas Baku [no Azerbaijão, sede da COP29] também teve. Não se pode generalizar as críticas porque isso aprofunda o abismo já existente. Os empresários aqui deveriam ter a visão que, atendendo bem agora, com preços justos, os visitantes voltarão mais vezes", sugere Almeida.

Questionado, o governo do Pará não respondeu à reportagem.

Organização afirma que Belém já tem leitos suficientes

Nesta sexta-feira, após a coletiva de Corrêa do Lago, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que a cidade de Belém já tem leitos suficientes para abrigar a COP30.

Nas contas da organização do evento, há pouco mais de 53 mil leitos disponíveis – suficiente, portanto, para acomodar os 50 mil visitantes esperados para novembro.

Os cálculos da COP30, porém, também consideram acomodações na região metropolitana. Dos 53 mil leitos, 14,5 mil são em hotéis, 6 mil em navios de cruzeiro, 10 mil em imóveis particulares oferecidos por imobiliárias e outros 22,4 mil pela plataforma Airbnb.

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