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Crise acirra problemas enfrentados por mulheres

Marina Strauss rk
10 de maio de 2020

Na pandemia, cuidados com família e tarefas domésticas frequentemente recaem sobre mulheres. Elas também ocupam maioria dos postos na saúde, em supermercados e na limpeza, ficando mais expostas.

Mulher com máscara facial trabalha no jardim
Na UE, 80% das vagas na Saúde são ocupadas por mulheres, agora mais expostas Foto: Reuters/Y. Nardi

Em meio à crise deflagrada pelo coronavírus Sars-Cov-2, uma das pequenas alegrias cotidianas de Audrey Lebeau-Livé é pressionar a tecla "mudo" durante conferências de áudio e vídeo do trabalho. Graças a essa ferramenta, ela consegue participar de uma reunião e lavar louça ao mesmo tempo, ouvir sua filha fazendo uma palestra diante da câmera de um computador no cômodo anexo e – se tudo correr bem –, colocar uma máquina de roupa para lavar.  

Desde que o governo francês impôs amplas e severas restrições de circulação no país, fechando escolas temporariamente, Lebeau-Livé vive os desafios enfrentados por muitas mães e pais do mundo todo que precisam trabalhar e cuidar dos filhos ao mesmo tempo: "Dá a sensação de nunca conseguir fazer o suficiente, de nunca dar conta de tudo o que é preciso", diz.  

Lebeau-Livé e o marido costumavam dividir as tarefas da casa. Mas, agora, ela ainda precisa fazer o almoço – normalmente, comia no refeitório da empresa. "Com frequência, o trabalho adicional acaba ficando com as mães", diz a francesa, rindo – apesar de a situação não ter graça nenhuma para ela. "Me sinto culpada", confessa. Segundo ela, o marido não carrega essa culpa, pensando: faço o que conseguir, o resto eu deixo para depois. 

Segundo Lebeau-Livé, essa abordagem tem relação com o fato de as mulheres ainda terem que provar suas capacidades mais que os homens quando ocupam uma posição de liderança. Ela própria chefia uma pequena equipe no Instituto de Radioproteção e Segurança Nuclear (IRSN), próximo a Paris. Sua crítica: as pessoas que decidem sobre o trabalho em casa e restrições de circulação frequentemente são homens, que não levam a perspectiva feminina em consideração. 

Hanna Eische, terapeuta artística em Berlim, tem opinião similar. Assim como a francesa Lebeau-Livé, tem três filhos e decidiu prolongar a licença maternidade por causa da crise do coronavírus. "Atualmente, muitas mulheres cuidam mais das crianças porque o homem ganha mais", constata Elsche, que diz perceber o fenômeno também entre seus conhecidos. Segundo ela, na empresa do marido nem perguntaram quem cuidaria das crianças em casa durante a crise. 

Catriona Graham descreve assim o que muitos apontam como um problema de luxo: "Os estereótipos de gênero estão entre as origens mais poderosas e rígidas do sexismo e da desigualdade." Segundo a funcionária da European Women's Lobby, organização que defende os interesses de mulheres, é especialmente em tempos de crise que muitas pessoas recorrem a papeis estereotipados para se sentirem mais seguras.  

Entre os clichês usuais, encontra-se o de que mulheres se ocupam mais das crianças e da casa, além de assumirem também os cuidados de membros mais idosos da família. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), as mulheres já executavam três vezes mais trabalhos não remunerados do que os homens antes da pandemia de covid-19. Segundo o órgão, o trabalho sem pagamento agora está aumentando exponencialmente.  

Manter a vida funcionando 

As medidas restritivas impostas devido ao coronavírus afetam especialmente mães solteiras – 85% dos responsáveis solos pelos filhos são mulheres. Há alguns anos, Laurence Helaili-Chapuis, de Dublin, fundou um grupo para ajudá-las. Muitas delas a contataram nas últimas semanas por estarem "numa situação complicada", relata. Fazer compras sozinha, por exemplo, é difícil para muitas delas. Algumas também estão preocupadas com o futuro profissional.  

A preocupação tem justificativa. As Nações Unidas já alertaram que serão as mulheres as que mais vão sofrer as consequências econômicas da crise. Segundo a ONU, quase 60% das mulheres de todo o mundo trabalham no setor informal, recebem menos que os homens, não conseguem economizar e são mais ameaçadas pela pobreza. 

Ao mesmo tempo, são precisamente as mulheres que mantêm a vida funcionando atualmente. Na União Europeia (UE), por exemplo, quase 80% das vagas do setor de saúde são ocupadas por mulheres. Funcionárias de supermercados que continuam abertos e no setor de limpeza também são, em grande parte, mulheres. Apenas pelo tipo de trabalho, estão expostas a um risco maior de contraírem uma infecção pelo coronavírus. 

Não é a primeira vez que mulheres são especialmente afetadas por uma crise. Estudos recentes mostraram que, durante a epidemia de ebola na África Ocidental, em 2015, as mulheres corriam mais riscos de contaminação – também porque eram elas que, na maioria das vezes, cuidavam dos pacientes infectados.  

Código secreto contra violência 

Para as mulheres obrigadas a ficar em casa durante a crise do coronavírus, há um outro tipo de ameaça. Evelyn Regner é deputada europeia do Partido Social-Democrata austríaco (SPÖ) e preside o comitê de direitos das mulheres no Parlamento europeu. "Sabemos que um terço das mulheres já vivenciou algum tipo de violência no círculo íntimo"dizCom as proibições de saída, o número explodiu na Europa. Segundo a ONU, houve aumento de 75% das ligações a linhas telefônicas de auxílio a mulheres na Itália. Em outros países do bloco, as ligações dobraram.  

eurodeputada, porém, também relata sinais de esperança. Na Espanha, por exemplo, as mulheres podem conseguir ajuda em farmácias, alguns dos poucos estabelecimentos que podem visitar durante a validade das medidas restritivas. Basta usar o código "máscara 19" para que os farmacêuticos alertem a polícia.  

Mas "o coronavírus piorou a crise", diz Regner, citando não só a violência, como também a desigualdade de salários ou a difícil situação de mães solteiras. "O que já era péssimo piorou ainda mais." 

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