Vazamento do relatório para imprensa irrita senadores da comissão, que ainda queriam debater conteúdo. Entre pontos de discórdia estão acusação de homicídio qualificado e de genocídio de indígenas contra o presidente.
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Atritos em torno do vazamento do relatório final para a imprensa e do indiciamento do presidente Jair Bolsonaro e seus filhos marcam a reta final da CPI da Covid, que na quarta-feira (20/10) fará a apresentação do relatório final, a ser votado na terça-feira da semana que vem.
O relator, senador Renan Calheiros, está sendo acusado de vazar trechos do relatório final para a imprensa com o objetivo de constranger senadores que discordem do conteúdo e assim impedir alterações.
A acusação foi feita pelo presidente da CPI, o senador Omar Aziz, que exigiu que Calheiros agora mantenha tudo o que foi vazado para que membros da CPI não sejam acusados de estarem protegendo alguém. "Hoje, não tenho direito de me contrapor ao relatório do senador Renan, parece que a gente se entregou ao Bolsonaro, ou que está protegendo o filho do Bolsonaro", declarou.
O combinado entre o grupo majoritário de senadores da comissão, conhecido como G7, é que Calheiros apresentasse o relatório final aos colegas nesta segunda-feira. O texto, aí, receberia contribuições dos senadores antes de ser lido, o que inicialmente estava marcado para esta terça-feira.
Como isso não aconteceu (o relatório vazou antes de ser debatido), senadores do G7 disseram se sentir traídos por Calheiros.
Indiciamentos sem fundamentação
Além disso, há as polêmicas em torno dos indiciamentos de Bolsonaro e seus filhos. A cúpula da CPI concorda que o presidente é culpado por ao menos parte das mortes na pandemia, mas diverge sobre aspectos como o número de crimes imputados a ele e a fundamentação legal de alguns desses crimes.
Sobre os indiciamentos dos três filhos mais velhos de Bolsonaro, alguns senadores ponderam que eles não foram ouvidos pela CPI.
Aziz afirmou que alguns dos indiciamentos propostos por Calheiros podem não ter embasamento legal e que é melhor ter menos acusações mais bem embasadas do que muitas sem embasamento. "Não adianta eu te acusar de dez coisas. Preciso te acusar de uma coisa bem-feita, e você sai condenado do mesmo jeito", disse.
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Longa lista de crimes
Na noite desta segunda-feira, Calheiros começou a distribuir a versão atual do relatório para o G7. Ao todo, o relator propôs o indiciamento de 70 pessoas.
Apesar da polêmica, Calheiros não diminuiu a longa lista de crimes que atribui ao presidente da República no enfrentamento da pandemia. O polêmico indiciamento por genocídio de povos indígenas está no texto, assim como o homicídio qualificado, como já havia sido adiantado pelo imprensa com base nos trechos vazados.
Os 11 crimes que a CPI da Covid atribui a Bolsonaro, na versão atual do relatório final, são homicídio qualificado, epidemia, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, genocídio de indígenas, crime contra a humanidade, crime de responsabilidade por violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro da função de presidente da República.
Vírus verbal: frases de Bolsonaro sobre a pandemia
"E daí?", "gripezinha", "não sou coveiro", "país de maricas": desde que o coronavírus chegou ao Brasil, presidente tratou publicamente com desdenho a crise. Enquanto a epidemia avança, suas falas causam ultraje.
Foto: Andre Borges/dpa/picture-alliance
"Superdimensionado"
Em 9 de março, em evento durante visita aos EUA, Bolsonaro disse que o "poder destruidor" do coronavírus estava sendo "superdimensionado". Até então, a epidemia havia matado mais de 3 mil pessoas no mundo. Após o retorno ao Brasil, mais de 20 membros de sua comitiva testaram positivo para covid-19.
Foto: Reuters/T. Brenner
"Europa vai ser mais atingida que nós"
A declaração foi dada em 15 de março. Precisamente, ele afirmou: "A população da Europa é mais velha do que a nossa. Então mais gente vai ser atingida pelo vírus do que nós." Segundo a OMS, grupos de risco, como idosos, têm a mesma chance de contrair a doença que jovens. A diferença está na gravidade dos sintomas. O Brasil é hoje o segundo país mais atingido pela pandemia.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/GDA/O Globo
"Gripezinha" e "histórico de atleta"
Ao menos duas vezes, Bolsonaro se referiu à covid-19 como "gripezinha". Na primeira, em 24 de março, em pronunciamento em rede nacional, ele afirmou, que, por ter "histórico de atleta", "nada sentiria" se contraísse o novo coronavírus ou teria no máximo uma “gripezinha ou resfriadinho”. Dias depois, disse: "Para 90% da população, é gripezinha ou nada."
Foto: Youtube/TV BrasilGov
"Todos nós vamos morrer um dia"
Após visitar o comércio em Brasília, contrariando recomendações deu seu próprio Ministério da Saúde e da OMS, Bolsonaro disse, em 29 de março, que era necessário enfrentar o vírus "como homem". "O emprego é essencial, essa é a realidade. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós vamos morrer um dia."
Foto: Reuters/A. Machado
"A hidroxicloroquina tá dando certo"
Repetidamente, Bolsonaro defendeu a cloroquina para o tratamento de covid-19. Em 26 de março, quando disse que o medicamento para malária "está dando certo", já não havia qualquer embasamento científico para defender a substância. Em junho, a OMS interrompeu testes com a hidroxicloroquina, após evidências apontarem que o fármaco não reduz a mortalidade em pacientes internados com a doença.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/F. Taxeira
"Vírus está indo embora"
Em 10 de abril, o Brasil ultrapassou a marca de mil mortos por coronavírus. No mundo, já eram 100 mil óbitos. Dois dias depois, Bolsonaro afirmou que "parece que está começando a ir embora essa questão do vírus". O Brasil se tornaria, meses depois, um epicentro global da pandemia, com dezenas de milhares de mortos.
Foto: Reuters/A. Machado
"Eu não sou coveiro"
Assim o presidente reagiu, em frente ao Planalto, quando um jornalista formulava uma pergunta sobre os números da covid-19 no Brasil, que já registrava mais de 2 mil mortes e 40 mil casos. “Ô, ô, ô, cara. Quem fala de... eu não sou coveiro, tá?”, afirmou Bolsonaro em 20 de abril.
Foto: picture-alliance/AP Images/A. Borges
"E daí?"
Foi uma das declarações do presidente que mais causaram ultraje. Com mais de 5 mil mortes, o Brasil havia acabado de passar a China em número de óbitos. Era 28 de abril, e o presidente estava sendo novamente indagado sobre os números do vírus. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre...”
Foto: Getty Images/A. Anholete
"Vou fazer um churrasco"
Em 7 de maio, o Brasil já contava mais de 140 mil infectados e 9 mil mortes. Metrópoles como Rio e São Paulo estavam em quarentena. O presidente, então, anunciou que faria uma festinha. "Estou cometendo um crime. Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma peladinha...". Dias depois, voltou atrás, dizendo que a notícia era "fake".
Foto: Reuters/A. Machado
"Tem medo do quê? Enfrenta!"
Em julho, o presidente anunciou que estava com covid-19. Disse que estava "curado" 19 dias depois. Fora do isolamento, passou a viajar. Ao longo da pandemia, ele já havia visitado o comércio e participado de atos pró-governo. Em Bagé (RS), em 31 de julho, sugeriu que a disseminação do vírus é inevitável. "Infelizmente, acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do quê? Enfrenta!”
Foto: Reuters/A. Machado
"País de maricas"
Em 10 de novembro, ao celebrar como vitória política a suspensão dos estudos, pelo Instituto Butantan, da vacina do laboratório chinês Sinovac após a morte de um voluntário da vacina, Bolsonaro afirmou que o Brasil deveria "deixar de ser um país de maricas" por causa da pandemia. "Mais uma que Bolsonaro ganha", comentou.
Foto: Andre Borges/NurPhoto/picture alliance
"Chega de frescura, de mimimi"
Em 4 de março de 2021, após o país registrar um novo recorde na contagem diária de mortes diárias por covid-19, Bolsonaro afirmou que era preciso parar de "frescura" e "mimimi" em meio à pandemia, e perguntou até quando as pessoas "vão ficar chorando". Ele ainda chamou de "idiotas" as pessoas que vêm pedindo que o governo seja mais ágil na compra de vacinas.