Crise energética europeia impulsiona demanda por GNL russo
23 de janeiro de 2025A crise energética na Europa, desencadeada pela invasão russa da Ucrânia, continua a pressionar os estoques de energia no continente quase três anos após a imposição das primeiras sanções contra o gás russo pelos países europeus.
A demanda por gás natural liquefeito (GNL), por exemplo, deve aumentar 13% em 2025, após uma queda observada no ano passado, segundo o grupo Independent Commodity Intelligence Services (ICIS). Isso acontece ao mesmo tempo em que os reservatórios de gás de países da União Europeia (UE) esvaziam em seu ritmo mais rápido desde o início da guerra.
Diferente do gás natural, que é transportado por dutos, o GNL é resfriado até se tornar líquido, o que permite que ele seja transportado por navios.
A demanda crescente pelo GNL tem sido um tema constante nos últimos anos, e deve seguir assim até 2030, projeta Ed Cox, analista de mercados globais da ICIS. Até lá, ele aposta que os fornecedores globais – puxados principalmente por Estados Unidos e Catar – terão conseguido turbinar sua produção significativamente para dar conta da demanda.
Mas enquanto isso não acontece, o GNL russo ainda é considerado uma opção para muitos países europeus.
UE é maior comprador mundial de GNL da Rússia
Embora a UE tenha diminuído a quantidade total de gás russo que importa desde o início da guerra em 2022, a maior parte desta fatia está relacionada ao gás natural, transportado por gasoduto. Já o GNL russo continua a ser comprado por países europeus, já que não há vetos à importação direta da commodity.
As atuais sanções contra o gás liquefeito se concentram principalmente na reexportação, o que impede empresas da UE de comprar o produto e transferi-lo de um navio para outro, para ser revendido fora da UE.
Essas sanções não impediram que os volumes de gás liquefeito vendidos pela Rússia aumentassem drasticamente, atingindo um recorde histórico em 2024. Os números do think thank Centre for Research on Energy and Clean Air (Crea) mostraram que as importações da UE de GNL russo atingiram 7,32 bilhões de euros (R$ 46 bilhões) em 2024, um aumento de 14% em relação ao ano anterior.
Isso faz da UE o maior comprador mundial de GNL da Rússia, à frente da China, do Japão e da Coreia do Sul.
"A Europa está mais dependente das importações de GNL agora do que antes, por causa da queda nas importações de gás russo [transportado por gasodutos]", disse Ed Cox à DW. Esse cenário, explica, deixa o continente mais exposto às flutuações de preço do GNL no mercado global.
UE sob pressão
Países da UE, porém, têm pressionado Bruxelas a adotar uma probição definitiva de importação do produto russo, o que poderia forçar os compradores europeus a encontrar novos fornecedores mais rápido do que o esperado.
Isaac Levi, analista do Crea, também defende que o bloco precisa ser mais proativo e "implementar ativamente" medidas que impeçam os países europeus de comprar o gás liquefeito do país liderado por Vladimir Putin.
Em dezembro de 2024, o novo comissário de energia da UE, Dan Jorgensen, disse que seu objetivo era eliminar toda a importação de energia russa, inclusive o GNL, até 2027. Especialistas creem que, apesar de algumas possíveis restrições de abastecimento, essa é uma meta alcançável.
"Ela deve ser compensada pelo GNL dos EUA e do Catar", disse Cox, do ICIS. "Se ele for desativado em 2027, haverá GNL para substituí-lo."
Levi acredita que muitos países europeus continuarão sendo atraídos pelas taxas ligeiramente mais baratas do GNL russo, mas defende que toda a UE pode acabar com sua dependência em um futuro próximo. "É realmente uma questão de vontade política."
Preparação do continente
Grande parte do foco da preparação do continente para contornar a dependência de gás russo tem sido ampliar a capacidade de armazenamento da UE. O clima frio do final do ano fez com que os níveis de estoque caíssem mais do que nos dois invernos anteriores na mesma época do ano.
Isso também tem sido uma preocupação no Reino Unido, onde o principal fornecedor de gás do país, Centrica, alertou que os estoques estão "preocupantemente baixos".
Por outro lado, os níveis de armazenamento da UE ficaram excepcionalmente altos nos últimos invernos, devido aos temores de escassez de suprimento em decorrência da guerra. Os preços do gás também estão cerca de 90% mais baixos do que no auge da crise energética em 2022, embora estejam quase três vezes mais altos do que nos anos anteriores à invasão.
Para Ed Cox, apesar do risco de aumento dos preços, o continente será capaz de atender às suas necessidades. "A Europa receberá GNL suficiente, mas isso pode significar que os preços europeus terão que subir para competir com a Ásia", disse ele.
"Desvio" de cargas
Cox diz que os preços no mercado internacional têm sido "voláteis", em especial pela disputa de ofertas que acontece durante o transporte de GNL entre EUA e Europa.
Quando empresas como a Shell, BP ou operadoras chinesas compram GNL dos EUA, elas não são obrigadas a ter um destino predeterminado. Isso significa que elas podem revendê-lo a quem fizer a melhor oferta, mesmo quando o produto já estiver em trânsito.
"Essas empresas estão sempre buscando oportunidades em todo o mundo", disse Cox. "Se elas perceberem que o preço na Europa está muito alto, e puderem encontrar um comprador na Europa em curto prazo, elas desviarão a carga para lá. Você pode literalmente ver a carga mudar de direção no meio do Atlântico."
Em meio à alta demanda, os compradores europeus normalmente estão dispostos a pagar um prêmio acima de outros mercados globais para desviar o GNL para seus portos. Isso levou a novas críticas de que as nações europeias mais ricas estão desviando o fornecimento de países que precisam do produto, principalmente no sul da Ásia e na América Latina.
Cox admite que esse também é um problema com países como o Japão e a Coreia do Sul.
"Os mercados ricos do Leste Asiático e da Europa estão excluindo outros compradores", disse ele, acrescentando que países como a Índia, Bangladesh e Paquistão sempre foram "sensíveis ao preço" e não se importam em mudar para a geração de energia movida a carvão e petróleo quando ela é mais barata.
Com informações de Arthur Sullivan.