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PolíticaSudão

Crise esquecida, guerra mata milhares e gera fome no Sudão

Jennifer Holleis
19 de outubro de 2024

Confrontos entre forças rivais se recrudescem e levam organizações de ajuda humanitária a deixarem o país. Ao menos 20 mil já morreram, e mais de 11 milhões tiveram que deixar seus locais de moradia.

Mulher e criança em abrigo improvisado no campo de refugiados de Zamzam
Situação humanitária deve piorar no campo de refugiados de Zamzam, que abriga ao menos 80 mil pessoasFoto: Mohamed Jamal Jebrel/REUTERS

Os confrontos entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF) no Sudão se intensificaram mais uma vez, em meio a um conflito que já matou dezenas de milhares de pessoas.

A escalada mais recente ocorreu em Cartum, a capital do país, onde as SAF lançaram uma grande ofensiva para retomar áreas controladas pelas RSF. De acordo com as chamadas salas de resposta de emergência locais, iniciativas lideradas por civis que foram indicadas para o Prêmio Nobel da Paz de 2024, confrontos recentes mataram dezenas de pessoas nos mercados de Cartum.

Desde abril de 2023, o Exército sudanês e as RSF estão envolvidos em uma guerra civil que mergulhou o Sudão em uma crise humanitária. O conflito surgiu de uma disputa de poder entre o chefe do Exército, Abdel Fattah al-Burhan, e o líder da RSF, Mohamed Hamdan Dagalo, que dividiam o poder após um golpe militar em 2021.

Pelo menos 20 mil pessoas foram mortas, embora esse total seja provavelmente muito maior, já que os combates em andamento e o colapso do sistema de saúde tornaram impossível atualizar ou verificar o número de vítimas.

De acordo com as Nações Unidas, a guerra também provocou a maior crise de deslocamento do mundo, com mais de 11 milhões de pessoas forçadas a deixarem seus locais de moradia e se deslocando para campos de refugiados e países vizinhos. No início de outubro, a fome e o surto de doenças como a cólera agravaram ainda mais uma situação já desesperadora, alertou a ONU.

Situação catastrófica em El Fasher

Bombardeios em mercados também ocorreram próximo a El Fasher, uma cidade na região de Darfur, no oeste do Sudão, considerada de grande importância e que também é alvo de disputas entre as forças rivais desde o início da guerra civil.

"Nos últimos 10 dias, os bombardeios ficaram mais intensos", afirmou à DW Salah Adam, um dos moradores do campo de refugiados de Abu Shouk e membro ativo da sala de resposta a emergências.

Adam disse que os ataques aéreos das RSF atingiram um mercado que ele visitou na segunda-feira para comprar alguns mantimentos, onde três pessoas foram mortas e outras 10 ficaram feridas.

"Você não conseguiria imaginar como nossa situação é catastrófica", disse Adam. "Não há organizações que forneçam suporte ou ajuda. Somos as únicas pessoas trabalhando no local e simplesmente não temos o suficiente."

As pessoas sofrem de fome, ferimentos e doenças, contou. "Todos os dias, vejo crianças morrendo. Esses são os momentos mais difíceis."

De acordo com a agência de notícias Reuters, as organizações humanitárias internacionais se tornam cada vez mais alvos dos saqueadores das RSF. Michelle D'Arcy, diretora para o Sudão da ONG Norwegian People's Aid, ressaltou que o acesso à ajuda humanitária é apenas um dos muitos desafios.

"As respostas humanitárias lideradas localmente, como as salas de resposta a emergências e as cozinhas comunitárias, precisam de proteção, pois continuam a enfrentar ameaças e insegurança ao operar em zonas de conflito", afirmou à DW.

Crise esquecida

Mais recentemente, o chefe de direitos humanos da ONU, Volker Türk, soou o alarme sobre aumento das pesadas consequências para os civis no campo de refugiados de Abu Shouk, em El Fasher, e de Zamzam, nas proximidades.

"As pessoas nesses campos correm sério risco de ataques retaliatórios [das RSF] com base em sua identidade tribal, seja ela verdadeira ou percebida", afirmou Türk. Ele acrescentou que milícias armadas alinhadas com a SAF dentro dos campos de refugiados se tornaram um alvo importante para os soldados das RSF.

No futuro próximo, a situação humanitária deve piorar no campo de Zamzam, que abriga pelo menos 80 mil pessoas.

Nesta semana, A ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) suspendeu seu trabalho depois que as RSF obstruíram o envio de assistência e as SAF bloquearam sistematicamente a ajuda para áreas fora de seu controle, explicou a coordenadora da MSF no Sudão, Claire San Filippo.

"Agora, 5 mil crianças desnutridas, incluindo 2.900 crianças gravemente desnutridas, ficaram sem apoio", disse Filippo.

"As Forças Armadas Sudanesas ainda não estão permitindo o acesso de ajuda crucial às áreas controladas pelas Forças de Apoio Rápido, que continuam a saquear os suprimentos e ajuda que conseguiram chegar a alguns civis em suas áreas de controle", relatou Mohamed Osman, pesquisador do Sudão da ONG Human Rights Watch.

Em sua opinião, também não há atenção internacional suficiente. "Esta é definitivamente uma crise esquecida", disse Osman à DW.

Frentes de batalha pouco claras

Hager Ali, que realiza pesquisas sobre o Sudão no Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), disse à DW que a situação se torna cada vez mais complicada. Ele contou que quando a guerra começou, há 18 meses, era uma luta de poder clara entre as Forças Armadas Sudanesas e as Forças de Apoio Rápido.

"Desde então, a divisão entre facções se tornou uma tendência particularmente preocupante", disse Ali. "A anteriormente definida frente de batalha entre as SAF e as RSF agora se despedaçou sobre muitas questões e objetivos."

"As SAF e as RSF tiveram que recrutar e terceirizar, incluindo muitas outras facções em um curto espaço de tempo, com capacidade limitada para treinar recrutas. As RSF recrutaram de maneira particularmente rápida, o que quer dizer que os combatentes provavelmente nunca passaram por treinamento real. Isso enfraquece substancialmente a cadeia de comando, especialmente se as facções questionam a autoridade local das RSF."

Ali disse que em uma guerra travada em tantas frentes em um país tão vasto, está cada vez mais difícil supervisionar quem está realmente fazendo o quê; quem está aderindo às ordens e quem não está. Há sinais de que nem as RSF ou as SAF estejam mais no controle total de suas próprias tropas no país.

"Tudo isso ocorre em meio ao desafio de realmente se governar os territórios que estão sob controle das duas forças", acrescentou Ali.

A falta de ajuda, a queda no apoio e os combates contínuos estão desesperando Salah Adam, membro ativo da sala de resposta a emergências. "Estou pedindo às organizações humanitárias e ativistas de direitos humanos que tomem medidas imediatas e salvem o povo de El Fasher", afirmou à DW.

Ele acrescentou que, se nada mudar, já está cansado o suficiente para desistir de vez de ter esperança.

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