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Reposicionamento

21 de janeiro de 2011

Medo da União Europeia diante do avanço islâmico em países como Tunísia, Líbia e Egito levou o bloco a ignorar os direitos humanos e a tolerar regimes corruptos e violentos.

Revolução na Tunísia surpreendeu europeusFoto: AP

Em gravação atribuída a Osama Bin Laden e divulgada nesta sexta-feira (21/01) pela rede de TV árabe Al Jazeera, o líder da organização terrorista Al Qaeda exigiu a retirada das tropas francesas do Afeganistão como condição para a libertação de dois jornalistas franceses capturados possivelmente por rebeldes talibãs no nordeste do Afeganistão em dezembro de 2009.

Segundo a gravação divulgada pela Al Jazeera, Bin Laden teria dito que a atitude do presidente francês, Nicolas Sarkozy, implicaria "um preço muito alto para a França". A recusa de Sarkozy de retirar as tropas do Afeganistão seria o "resultado de sua obediência diante dos EUA, e tal recusa significa carta branca para matar os reféns".

No mesmo dia da divulgação da suposta gravação de Bin Laden, a ministra francesa de Relações Exteriores, Michèle Alliot-Marie, foi agredida por palestinos com ovos e sapatos em sua primeira visita à Faixa de Gaza. Um homem conseguiu bater várias vezes com o seu sapato no vidro do carro onde estava a ministra. Segundo observadores, Alliot-Marie não se deixou intimidar.

O motivo foram presumíveis críticas à organização radical islâmica Hamas, que exerce o poder na Faixa de Gaza, atribuídas erroneamente à política francesa pela mídia. Segundo testemunhas, os manifestantes seriam em sua maioria familiares de membros do Hamas, condenados a vários anos de prisão em Israel.

Know how francês

Enquanto o radicalismo islâmico levou países da União Europeia (UE) a apoiar a intervenção no Afeganistão e a, muitas vezes, criticar o Hamas, há muito que a UE teme que revoluções populares islamitas aconteçam em países mediterrâneos, preferindo apoiar uma estabilidade não democrática. O levante secular na Tunísia força agora a UE a repensar seu apoio a ditadores.

Sarkozy e Ben Ali, na Tunísia em 2008Foto: AP

Nesse contexto, além de ovos, sapatos e ameaças, esta foi uma semana constrangedora para o governo francês. Ele foi obrigado a admitir que teria apostado na pessoa errada na Tunísia, onde levantes violentos terminaram no afastamento do presidente Zine El Abidine Ben Ali.

O foco da indignação se voltou justamente contra a ministra francesa do Exterior, Michèle Alliot-Marie, que oferecera publicamente a Ben Ali, três dias antes de ele fugir da Tunísia, "o know-how de renome mundial das forças de segurança francesas". Subsequentemente, a França lhe negou refúgio, e Ben Ali acabou sendo acolhido pela Arábia Saudita.

Revolução de Jasmim

A oferta moralmente duvidosa de Alliot-Marie indignou não somente opositores políticos, mas também membros do governo francês. Segundo a revista francesa Le canard enchaîné, o primeiro-ministro François Fillon disse que sua colega estaria "completamente louca", enquanto o presidente Nicolas Sarkozy reclamou que "estas são declarações que enfraquecem a posição francesa".

Em visita à Tunísia em 2008, no entanto, Sarkozy só tinha elogios para seu anfitrião. A Europa foi então levada a acreditar que Ben Ali havia mudado: "Atualmente, a liberdade está em expansão na Tunísia", disse então o diplomático presidente francês.

Alliot-Marie, por sua vez, defendeu sua oferta dizendo que "vamos ser honestos: nós todos – políticos, diplomatas, pesquisadores e jornalistas – fomos surpreendidos pela 'Revolução de Jasmim' [como ficou conhecido o protesto na Tunísia]".

Gafe fora de hora

Thomas Klau, chefe do escritório parisiense do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês), está inclinado a perdoar a declaração da ministra francesa como "uma gafe fora de hora". Klau sublinhou que a oferta de Alliot-Marie representou apenas a posição do governo de Sarkozy antes da revolução.

Protestos na Tunísia: Europa precisa repensar posicionamento diante do mundo árabeFoto: AP

Ele explica que tal posição não era defendida somente pela França, mas também por toda a UE e os EUA: "Eu acho que o consenso velado na UE era que, no mundo árabe, seria melhor ter um regime autoritário do que uma democracia potencialmente instável".

Outros ministros do Exterior foram mais espertos em se adaptarem rapidamente à mudança de situação na Tunísia, deixando Alliot-Marie ser a única a revelar o viés antidemocrático europeu nos Estados árabes.

Tendência em potencial

Alguns especialistas compararam a política europeia para os países árabes com a política externa dos EUA na América Central nos anos 1970 e 1980, quando movimentos democráticos foram reprimidos em prol de estáveis ditadores anticomunistas. Assim, o medo da UE diante do crescimento islâmico em países como Tunísia, Líbia e Egito levou o bloco a ignorar os direitos humanos e a apoiar regimes corruptos e sangrentos.

Mas a queda de Ben Ali mudou o jogo. "Isso confronta a UE com uma nova situação", ressalta Klau. "Ela terá de desenvolver um novo conjunto de respostas, porque a antiga linha não é mais boa o suficiente."

Para o especialista do escritório londrino do ECFR, Bem Judah, foi a natureza secular da revolução tunisiana que surpreendeu os europeus. "Nós esperávamos revoluções em alguns desses países, mas quando isso aconteceu não foi uma revolução comandada por radicais islâmicos", explicou Judah. "Ela foi levada à frente por pessoas jovens, seculares e educadas, que queriam vistos e melhores oportunidades de empregos".

Não é provável, todavia, que situações semelhantes se repitam no Egito e na Líbia, acredita o especialista. "A política no mundo árabe é local", disse Klau. "Mas, por outro lado, a Tunísia servirá certamente de inspiração para outros na região. Não deverá ser o caso de um efeito dominó, mas de uma tendência em potencial que irá se materializar em alguns país e, em outros, não."

Autor: Ben Knight / Carlos Albuquerque

Revisão: Roselaine Wandscheer

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