Crise na Ucrânia e o gás na Europa
7 de março de 2014A crise ucraniana tem a ver não apenas com política, mas também com gás. A Rússia fornece um terço do gás consumido na Europa, e grande parte tem que passar pela Ucrânia antes de chegar ao destino final.
Na Alemanha, 40% do gás consumido vem da Rússia. Uma situação menos preocupante que nos países bálticos, por exemplo, que importam dos russos quase 100% de sua demanda. A dependência ucraniana de Moscou também é alta. Um agravamento da crise pode influenciar toda a distribuição de energia na Europa.
Não raro a Rússia usa a estatal Gazprom, maior produtora de gás natural do mundo, para fins políticos. E os ucranianos já sentiram isso na pele. Desde 2006, Moscou interrompeu o abastecimento para o país vizinho duas vezes por conta de disputas sobre condições de transporte e preço. Além disso, já acusou Kiev de fazer intervenções nos dutos e de não pagar pelo gás supostamente desviado.
Na última quarta-feira (05/03), a Gazprom anunciou a suspensão do desconto de 30% que havia prometido a Kiev e cobrou o pagamento da dívida dos ucranianos com a companhia energética – um duro revés para um país que enfrenta séria turbulência econômica.
Estoques cheios
Claudia Kemfert, especialista em energia do instituto de pesquisas econômicas alemão DIW, diz que os países da Europa ocidental têm estoques suficientes para garantir quatro meses de consumo caso a Rússia decida eventualmente fechar as torneiras. Devido ao inverno ameno, explica, o consumo tem sido relativamente baixo na região.
"Mas a longo prazo a Europa não está suficientemente preparada para obter um terço do gás que precisa através de outras fontes", alerta a especialista.
Segundo Jonas Grätz, do centro de estudos de segurança CSS, a UE não seria muito atingida com um eventual corte no fornecimento. "Alguns países, como Hungria e Bulgária, seriam muito mais afetados do que o oeste europeu, cujos estoques estão 60% cheios", afirma.
Caso o trajeto que passa pela Ucrânia seja bloqueado, o gás russo poderia ser enviado a outros países da Europa através do Mar Báltico e chegar diretamente à Alemanha. Outra opção é o gasoduto na Península de Iamal, que cruza Belarus e Polônia antes de chegar em território alemão.
Caso a Europa não receba mais gás da Rússia, os europeus poderão importar gás natural liquefeito do Oriente Médio, transportado em petroleiros. Uma grande dificuldade, porém, é o fato de os alemães não contarem com um terminal que possibilite o descarregamento. Se houver uma longa interrupção no abastecimento, os compradores poderiam instalar outros dutos de transporte a partir da Nigéria ou da Noruega.
A longo prazo, a Europa poderia ainda importar gás do Irã, caso o país mostre uma maior abertura. "O Irã tem uma posição geográfica relativamente boa, que possibilita a exportação, por exemplo, para o Paquistão e para a Índia", avalia Grätz.
Oficialmente, a Comissão Europeia e o governo alemão asseguram que o abastecimento de gás na União Europeia não está ameaçado diante do impasse na Crimeia. "No momento, não há motivo para preocupações", afirmou o comissário de assuntos energéticos da UE, Günther Oettinger, na última terça-feira em Bruxelas.
Por conta do inverno ameno, ressaltou Oettinger, os reservatórios de gás estão mais cheios do que no ano passado. "Se não houver grandes mudanças na situação climática nas próximas semanas, até a Páscoa ainda teremos metade dos reservatórios cheios", disse o comissário.
O vice-chanceler federal e ministro da Economia alemão, Sigmar Gabriel, lembrou ainda que, até hoje, a Rússia tem se mostrado um "distribuidor absolutamente confiável" – pelo menos para a Europa Ocidental.
Negócio importante para Moscou
Ao que tudo indica, a Rússia não vai deixar de fornecer gás para a Europa. "A Rússia é muito dependente do fornecimento de energia para a Europa", afirma Claudia Kemfert. "Cerca de 60% da arrecadação do Estado provêm da venda de petróleo e gás. E grande parte desse montante é coberta pelas vendas na Europa. A suspensão desse abastecimento seria um tiro no próprio pé."
Diante da dependência da Rússia dos mercados europeus, assinala Grätz, é preciso lidar de maneira diferente com o problema. Uma possibilidade seria unificar o discurso europeu diante da Gazprom e impor as regras do bloco à gigante russa. Afinal, sem o mercado europeu, a receita da companhia energética cairia substancialmente.
"E se os negócios da Gazprom não correrem bem, Putin também teria problemas, pois ele precisa dos lucros da empresa para tocar grandes projetos, como as Olimpíadas de Sochi ou mesmo a implementação de redes de distribuição de gás em regiões mais distantes, e para fazer uso da empresa em sua política externa", avalia o especialista.
A Rússia também está bastante ligada à UE em outras áreas comerciais. O país é atualmente o terceiro parceiro comercial mais importante do bloco europeu. Em 2012, os russos exportaram 215 bilhões de euros para a Europa e dela importaram 123,4 bilhões. A Alemanha é o terceiro parceiro comercial mais importante da Rússia, para onde exporta automóveis, máquinas e produtos químicos. Já os russos ocupam o 11º lugar na lista de parceiros comerciais mais importantes dos alemães, pouco atrás da Polônia.