1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Cristã absolvida no Paquistão tem destino incerto

3 de novembro de 2018

Asia Bibi teve sua sentença por blasfêmia anulada, mas segue presa após um acordo polêmico do governo com radicais islâmicos contrários à absolvição. Marido diz temer pela vida dela, e advogado deixa o país sob ameaças.

Protestos contra a libertação da cristã paralisaram o Paquistão por três dias
Protestos contra a libertação da cristã paralisaram o Paquistão por três diasFoto: Getty Images/AFP/A. Qureshi

O destino da paquistanesa Asia Bibi, uma cristã condenada à morte por blasfêmia e que foi absolvida da sentença nesta semana, foi colocado num limbo depois que o governo do Paquistão permitiu que extremistas islâmicos apelassem contra sua absolvição, proibindo-a de deixar o país.

O advogado Saif-ul-Mulook, que salvou Bibi da pena de morte, deixou o Paquistão na madrugada deste sábado (03/11) em direção à Europa, afirmando temer por sua vida. "No cenário atual, morar no Paquistão é impossível para mim. Preciso continuar vivo, pois ainda tenho que lutar essa batalha legal por Asia Bibi", disse ele à agência de notícias AFP.

A cristã paquistanesa de 47 anos, mãe de quatro filhos, foi condenada em 2010 após ter sido acusada por vizinhos de ter insultado o profeta Maomé, e então enviada ao corredor da morte. Na quarta-feira, contudo, Bibi foi absolvida de todas as acusações pela Suprema Corte do Paquistão.

Se por um lado a decisão foi aplaudida por organizações internacionais de direitos humanos, por outro provocou uma série de protestos por parte de radicais islâmicos no Paquistão, paralisando o país por três dias ao bloquear estradas e interromper o tráfego em grandes cidades.

Tentando acalmar os ânimos, o governo do primeiro-ministro Imran Khan acabou fazendo um acordo polêmico com representantes do partido político radical Tehreek-e-Labbaik Pakistan (TLP), fundado para apoiar as leis antiblasfêmia e que liderou as manifestações.

No acordo, o governo se comprometeu a não se opor a um recurso apresentado à Suprema Corte contra a absolvição de Bibi, além de colocar o nome da paquistanesa na lista de pessoas proibidas de viajar ao exterior. Em troca, os radicais cancelaram os protestos.

Organizações internacionais pedem a liberdade de BibiFoto: Getty Images/AFP/A. Ali

"Tememos que ela seja levada para fora do país, por isso pedimos ao tribunal uma audiência antecipada do caso", afirmou o advogado Ghulam Mustafa Chaudhry, representante do clérigo Qari Mohamed Salam, que recorreu da decisão junto ao Supremo. "Vamos explorar todos os recursos legais para garantir que Asia Bibi seja enforcada de acordo com a lei."

O ministro paquistanês de Assuntos Religiosos, Noorul Haq Qadri, afirmou que Bibi não deve deixar o país até que a Suprema Corte faça uma revisão final da sua decisão de absolver a cristã.

O acordo controverso foi alvo de críticas do advogado de Bibi, de seus familiares e da imprensa paquistanesa, que condenaram o governo por ter cedido aos radicais islâmicos.

"[O clamor islâmico] foi infeliz, mas não inesperado. O que foi doloroso foi a resposta do governo. Eles não podem sequer implementar uma ordem do mais alto tribunal do país", afirmou o advogado Mulook. "A luta por justiça deve continuar."

O jornal Dawn, o mais antigo diário de língua inglesa do Paquistão, também criticou o acordo em editorial publicado neste sábado. "O governo capitulou com extremistas religiosos violentos que não acreditam na democracia nem na Constituição", diz o texto, intitulado de "Mais uma rendição".

Em entrevista à DW, o marido de Bibi, Ashiq Masih, também questionou o acordo e exigiu uma resposta da Suprema Corte. "Os juízes deram o veredito [de absolvição] depois de levar em consideração todos os aspectos do caso, analisar todos os fatores, estudar as contradições e basear tudo em fatos. Portanto, o governo não deveria ter chegado a tal acordo."

Masih contou ainda que ele e sua família precisam mudar de endereço constantemente devido a ameaças de violência por parte de radicais, e disse temer também pela vida de sua mulher na prisão.

"A situação é perigosa para Asia. Eu sinto que a vida dela não está segura. Devemos lembrar que dois homens cristãos em Faisalabad foram mortos a tiros anos atrás, depois que um tribunal os libertou. Eles também foram acusados de blasfêmia. Por isso, apelo ao governo para melhorar a segurança de Asia na cadeia", declarou.

Também em entrevista à DW, o chefe das prisões na província de Punjab, Shahid Saleem Baig, confirmou que Bibi segue sob custódia das autoridades, rejeitando alegações propagadas nas redes sociais de que ela teria sido libertada após a absolvição.

"Neste momento, Asia Bibi está presa, e sua localização não pode ser divulgada por razões de segurança em meio a sentimentos públicos levantados por fanáticos religiosos que exigem que o tribunal reverta seu veredito", afirmou o oficial neste sábado. Segundo ele, Bibi só deixará a prisão quando seu departamento receber uma ordem de libertação da Suprema Corte.

Lei antiblasfêmia

O caso de Asia Bibi provocou indignação internacional, atraindo a atenção dos papas Bento 16 e Francisco, mas no Paquistão tornou-se uma causa para os grupos e partidos islâmicos e levou a pelo menos dois assassinatos.

Um deles foi o do ex-governador de Punjab Salman Tasir, morto em 2011 por defender publicamente a cristã. Ele foi assassinado por um de seus guarda-costas, Mumtaz Qadri, que, por sua vez, foi executado em 2016 e enterrado depois como herói.

O segundo foi o de um ministro cristão de Minorias, Shahbaz Bhatti, assassinado a tiros na porta da sua casa, também em 2011, por defender a cristã e opor-se à legislação contra a blasfêmia.

A dura lei contra a blasfêmia no Paquistão foi estabelecida na era colonial britânica para evitar confrontos religiosos, mas, na década de 1980, várias reformas patrocinadas pelo ditador Muhammad Zia-ul-Haq favoreceram o abuso da norma.

Desde então foram registradas mil acusações por blasfêmia, um delito que no Paquistão pode levar à pena de morte, embora ninguém nunca tenha sido executado por esse crime.

EK/dw/afp/ap/dpa

________________

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube 
WhatsApp | App | Instagram | Newsletter

Pular a seção Mais sobre este assunto
Pular a seção Manchete

Manchete

Pular a seção Outros temas em destaque