Retirada de estátua do navegador de um parque de Los Angeles reacende debate sobre papel do conquistador. Associado à exploração da população nativa das Américas, ele é visto como herói nacional na Espanha.
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A ideia de que eventos supostamente heroicos da história podem ser vistos de uma perspectiva diferente, ou seja, do lado do oprimido, não é nova. Há opiniões divergentes particularmente em relação à figura de Cristóvão Colombo, especialmente nas regiões de língua espanhola em ambos os lados do Atlântico e também nos Estados Unidos.
O motivo da nova controvérsia é a decisão do Conselho Municipal de Los Angeles de remover uma estátua de Cristóvão Colombo de um parque. Mais de cem curiosos e descendentes de povos indígenas aplaudiram a ação de retirada no último fim de semana, documentando-a em seus smartphones.
Segundo o Conselho Municipal, o navegador de Gênova está associado demais à escravidão e à brutalidade para que seja homenageado com um monumento.
A onda de indignação não demorou a chegar e persistiu até mesmo dias depois. Na terça-feira (13/11), o presidente boliviano, Evo Morales, congratulou pelo Twitter o Conselho Municipal de Los Angeles: "Concordamos que o chamado descobrimento foi o maior genocídio e um roubo dos nossos recursos naturais."
Protestos vindos da Espanha
Como esperado, a Espanha reagiu com irritação ao desmonte de um de seus maiores heróis nacionais. No diário El País, um artigo sobre o assunto foi manchete.
A fundação da cidade de Los Angeles e seu nome tiveram origem espanhola, escreveu o jornal. A cidade foi fundada em 1781 por um andaluz, ou seja, 275 anos após a morte do descobridor. Em seguida, o El País apresenta uma série opiniões principalmente de professores espanhóis para relativizar a imagem do Colombo genocida e brutal.
No contexto das festividades em torno do dia da descoberta da América, em 12 de outubro, Luis Javier Argüello García, bispo auxiliar de Valladolid, na Espanha, afirmou que esse acontecimento não teve nada a ver com um presumido genocídio.
Para Argüello, tratou-se antes de "conhecer-se mutuamente" e de "um encontro das culturas". Ele afirmou que a contratante dessa jornada, a rainha espanhola Isabel, tinha em mente motivos absolutamente íntegros e caritativos quando enviou Colombo em direção ao Leste.
Declarações como essa deixaram muitas pessoas pasmas mesmo na Espanha. Mas o clero espanhol vem tentando impor há mais de 60 anos junto ao Vaticano a canonização de Isabel, a "católica". A encomenda de um genocídio não se encaixa bem na biografia dela.
Interpretação dos fatos
"Onde quer que estátuas sejam erguidas ou feriados nacionais sejam estipulados, trata-se de exercer a autoridade sobre a interpretação dos fatos", explica Eleonora Rohland, professora de história na Universidade de Bielefeld.
Um bom exemplo disso é o tratamento dado a Hernán Cortés, conquistador do império asteca. Embora ele tenha lançado as bases para o México moderno, ele é altamente controverso nesse país.
Em sua terra natal, no vilarejo de Medellín, no sul da Espanha, encontra-se uma estátua pomposa de Cortés. Seu pé esquerdo repousa sobre a cabeça decepada de um asteca. Em 2010, ativistas mancharam a estátua de vermelho, como uma expressão da carnificina que Cortés provocou entre os indígenas do México.
Para Rohland, um debate crítico sobre heróis nacionais é positivo. "Num momento em que muitos grupos sociais encontraram formas de denunciar a sua exclusão política, social, cultural e econômica, não deve nos surpreender que eles digam: 'Espere, esta é a sua versão da história, mas não a nossa'."
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A diversidade dos povos indígenas na América Latina
Unicef registra 522 grupos étnicos nativos na região. Vítimas frequentes da pobreza, eles sofrem perigos que vão de aculturação e exclusão social à violência. Ao mesmo tempo, são peças-chave na proteção do clima.
Foto: Christopher Pillitz
Amazônia, fonte de diversidade
Segundo o "Atlas Sociolinguístico de Povos Indígenas na América Latina", do Unicef, a Amazônia é a região de maior diversidade de povos nativos, com 316 grupos, dos quais 241 só no Brasil, seguido pela Colômbia (83), México (67) e Peru (43). Outras regiões ricas em diversidade indígena são a Mesoamérica, a Bacia do Orinoco, os Andes e o Chaco. A América Latina como um todo abarca 522 povos.
Foto: DW/T. Fischermann
Pluralidade de povos e línguas
Cinco povos agrupam vários milhões de representantes – Quechua (foto), Nahua, Aymara, Maya yucateco e Ki'che –, outros seis têm entre meio milhão e 1 milhão de membros – Mapuche, Maya q'eqchí, Kaqchikel, Mam, Mixteco e Otomí. Cerca de um quinto dos indígenas perdeu seu idioma nativo nas últimas décadas: de 313 línguas, 76% são faladas por menos de 10 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/Robert Hardin
Cada vez mais urbanos
Embora mais de 60% da população indígena do Brasil, Colômbia, Equador, Honduras e Panamá ainda viva em zonas rurais, mais de 40% da de El Salvador, México e Peru reside em áreas urbanas. No Chile (foto) e Venezuela, uma parcela superior a 60% dos nativos vive em cidades, dispondo de 1,5 vez mais acesso a eletricidade e 1,7 vez mais a água corrente do que a das zonas rurais.
Foto: Rosario Carmona
Convivendo com a pobreza
Segundo um informe do Banco Mundial, a pobreza afeta 43% dos lares indígenas – mais do que o dobro dos demais – e 24% vivem em condições de pobreza extrema – 2,7 vezes mais do que os não indígenas. Na Guatemala, em 2011 três de cada quatro habitantes de zonas de pobreza crônica pertenciam a um lar indígena.
Foto: picture-alliance/Demotix
Brecha digital, exclusão social
Apesar da aparente familiaridade deste membro da tribo brasileira dos Kayapó com a tecnologia, ela não tem beneficiado os povos indígenas em geral. Na Bolívia, eles têm quatro vezes menos acesso à internet do que os demais; e no Equador, seis vezes menos. Além disso, o acesso dos nativos a computadores na Bolívia equivale à metade da dos não indígenas.
Foto: AP
Envolvidos na política
Muitos indígenas participam ativamente da vida política de suas comunidades, através de parlamentos locais ou nacionais, estaduais e municipais. Seus líderes ou estão integrados a partidos nacionais ou criaram suas próprias legendas políticas. Assim, existem partidos indígenas muito influentes sobretudo na Bolívia e no Equador, mas também na Venezuela, Colômbia e Nicarágua.
Foto: Reuters/J. L. Plata
Na mira da violência
Por outro lado, representantes de povos indígenas são vítimas de criminalização e hostilidades, sofrendo ameaças, violência e até homicídios por se posicionar contra a instalação de grandes infraestruturas em seu território. Na foto, membro dos Munduruku, no Pará, cujo território é ameaçado pelo extrativismo e por projetos hidrelétricos.
Foto: DW/N. Pontes
Figuras-chave na proteção do clima
O reconhecimento e proteção dos territórios indígenas é uma estratégia eficaz para evitar o desmatamento e combater a mudança climática global. Entre 2000 e 2012, o desflorestamento da Amazônia brasileira nas áreas sob proteção legal foi de 0,6%, contra 7% fora delas.
Foto: Ádon Bicalho/IPAM
Os grandes desconhecidos
Algumas comunidades indígenas seguem se negando a ter contato com o mundo exterior, vivem em áreas isoladas e usam lanças e dardos envenenados para caçar macacos e pássaros. Esse é o caso dos Huaorani, habitantes da selva amazônica do Equador. Nas últimas décadas, muitos deixaram de viver como caçadores para se assentar no Parque Nacional Yasuní.
Foto: AP
Civilização fatal
Infelizmente, alguns dos que foram contatados sofreram consequências drásticas. Os Matsés ou Mayorunas, conhecidos como "povo do jaguar", que vivem à margem do Rio Yaquerana, na fronteira entre o Brasil e o Peru, foram contatados pela primeira vez em 1969. A partir desse encontro, muitos morreram de enfermidades, como tuberculose e hepatite.