Violência e crimes cometidos pela extrema direita são registrados oficialmente no país desde 1990. Dados oficiais totalizam 94 mortos, mas analistas criticam autoridades e dizem que no mínimo 198 pessoas foram mortas.
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Vítimas do extremismo de direita são contabilizadas na Alemanha desde a Reunificação do país, em 1990. Desde então, foram 94 mortos registrados.
No entanto, analistas afirmam que muitos casos são registrados de forma errada pelas autoridades e que o número real de vítimas é bem maior, devendo chegar a, no mínimo, 198 mortos.
Os crimes incluem ataques a estrangeiros, judeus, muçulmanos, adversários políticos ou governantes. Confira alguns deles:
Ataque a dois bares de narguilé em Hanau, em 19 de fevereiro de 2020
Ataques subsequentes a dois bares de narguilé em Hanau, no oeste da Alemanha, resultaram na morte de nove pessoas que estavam nos locais. Horas depois, a polícia encontrou o cadáver do provável atirador na residência dele, em Hanau. No mesmo local foi encontrado o corpo de uma mulher. Investigadores também localizaram um bilhete do suposto atirador, no qual ele reivindica a autoria do crime, e um vídeo no qual ele faz declarações racistas. Promotores federais assumiram as investigações por causa da suspeita de que se trate de um crime perpetrado pela cena de extrema direita.
Ataque a uma sinagoga e a uma lanchonete de kebab em Halle em 2019
Em 9 de outubro de 2019, o neonazista Stephan B, de Eisleben, saiu de casa com a intenção de cometer um massacre de judeus. Ele alugou um carro, o encheu de armas e explosivos feitos em casa e vestiu uma roupa militar de combate, incluindo coturnos e capacete. Depois de fracassar na tentativa de entrar na sinagoga, onde estavam 51 pessoas, matou a tiros uma mulher que passava em frente ao local e pouco depois atacou uma lanchonete de kebab, matando um homem. Na fuga feriu mais duas pessoas. Ele acabou detido pela polícia. Ele registrou por escrito seu ódio a judeus e negros.
Assassinato do chefe de governo de Kassel
O então chefe do governo da cidade de Kassel, Walter Lübcke, foi assassinado diante de sua residência em 2 de junho de 2019, com um tiro na cabeça. O suspeito, o extremista de direita Stephan E., era conhecido da polícia desde os anos 1990 e já havia cometido vários crimes. Em 1993, ele atacara um centro de refúgio com uma bomba artesanal. As motivações de Stephan ainda não estão claras, nem se ele teve cúmplices. Lübcke pode ter virado alvo por ter se engajado pelo acolhimento de refugiados.
Ataques a centros de refugiados em 2015 e 2016
O aumento no número de refugiados, a partir do segundo semestre de 2015, logo se tornou o assunto principal na Alemanha. Em seguida aumentaram também o número de crimes que tinham refugiados como vítimas. O ápice dos ataques a centros de refúgio foi registrado em 2015 e 2016. Só neste ano foram 995 crimes registrados.
O grupo extremista Gruppe Freital, inicialmente criado como uma milícia civil, executou ataques com explosivos contra refugiados e seus apoiadores. Em 2018, oito pessoas foram condenadas por formação de grupo terrorista.
Outro grupo, o Oldschool Society, foi desmantelado pelas autoridades antes da execução de atentados com material explosivo. Em 2015, membros desse grupo neonazista foram detidos em cinco cidades alemãs.
Ataques com faca a políticos em 2015 e 2017
Os ataques a políticos que ocorreram em 2015 e 2017 foram executados por pessoas que agiram sozinhas e que não tinham contato com a cena terrorista de direita.
Em novembro de 2017, um homem de 56 anos colocou uma faca contra o pescoço do prefeito de Altena, Andreas Hollstein, que estava numa lanchonete. O dono do estabelecimento interveio, e Hollstein sofreu apenas ferimentos leves. "Você me deixa morrendo de sede, mas traz 200 estrangeiros para a cidade", disse o agressor ao prefeito.
Franco A.: o falso refugiado
O soldado alemão Franco A. foi preso em abril de 2017 porque investigadores suspeitaram que ele planejava um atentado terrorista para colocar a culpa em refugiados sírios. Para isso, Franco A. se registrou como refugiado de guerra vindo da Síria e solicitou refúgio na Alemanha.
Sua audiência foi em francês e conduzida por um soldado da Bundeswehr que recebera um treinamento de três semanas. Aparentemente, ele não percebeu que estava diante de um alemão que não falava árabe e que se apresentou como um cristão sírio educado num colégio francês na Síria.
Hoje Franco A. aguarda o julgamento do seu caso pela Justiça alemã. Franco tinha elaborado uma lista com possíveis vítimas, incluindo o hoje ministro do Exterior, Heiko Maas. O caso abriu um debate sobre a presença de extremistas de direita na Bundeswehr, as Forças Armadas da Alemanha.
O caso NSU
A organização terrorista NSU permaneceu por 13 anos despercebida. Seus integrantes Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos, dois neonazistas conhecidos da polícia, executaram atentados e mataram nove pessoas com origem estrangeira e uma policial.
Em novembro de 2011, os dois se mataram diante de iminência de serem descobertos de detidos pela polícia depois de um assalto a banco. A terceira integrante do grupo, Beate Zschäpe, foi condenada à prisão perpétua em julho de 2018 por cumplicidade nos assassinatos.
O caso NSU também gerou um amplo debate na Alemanha, desta vez sobre a possível subestimação dos riscos do terrorismo de direita pelas autoridades e pela imprensa. Ao longo de anos, os investigadores focaram no entorno social das vítimas e ignoraram a possibilidade de se tratar de uma série de crimes de motivação xenófoba.
Na imprensa, o caso foi tratado como Döner-Morden (assassinatos-döner, em tradução livre) por causa da origem estrangeira das vítimas e por duas delas trabalharem em lanchonetes de kebab. Döner é o nome alemão do kebab. As abordagens dos investigadores e da imprensa foram consideradas racistas.
Incêndios e ataques no início dos anos 1990
No início dos anos 1990, neonazistas puseram fogo em centros de refugiados e em casas de estrangeiros. Na época, a Alemanha debatia acaloradamente o direito de refúgio, e a violência de extrema direita alcançara um novo ponto alto. Os atos de violência deixaram vários estrangeiros feridos, por exemplo nos pogroms de Rostock-Lichtenhagen, em 1992.
Em Mölln, no mesmo ano, duas meninas de 10 e 14 anos e a avó delas morreram em decorrência de um incêndio criminoso na casa delas, causado por neonazistas que arremessaram explosivos contra a casa delas.
Em maio de 1993, em Solingen, cinco mulheres e meninas de origem turca morreram num incêndio semelhante.
Entre 1990 e 1993, 58 pessoas foram mortas em atos violentos executados por extremistas de direita. Uma delas foi o angolano Amadeu António Kiowa, que foi brutalmente atacado por um grupo de neonazistas em 24 de novembro de 1990. Jogado ao chão, Kiowa foi pisoteado na cabeça.
Após mais de cinco anos de processo, saem as sentenças pelas mortes de nove imigrantes e uma policial na Alemanha, num caso envolvendo extremismo de direita e críticas a instâncias estatais.
Foto: dapd
Beate Zschäpe, o rosto da NSU
Entre 2000 e 2006, nove homens de origem estrangeira foram mortos com a mesma pistola na Alemanha. A polícia tateava no escuro, e a mídia falava de "assassinatos do kebab". Em 4 de novembro de 2011, uma casa explodiu em Zwickau, no leste do país. Entre os destroços foram encontrados a arma do crime e outros objetos incriminadores. Quatro dias mais tarde, Beate Zschäpe se entregou à polícia.
Foto: dapd
O (presumível) trio da NSU
Em 1998, Zschäpe se unira aos amigos ultradireitistas Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos na célula terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU). O trio viveu incógnito em diversos locais por quase 14 anos, por último em Zwickau, no estado da Saxônia. Segundo os investigadores, eles teriam cruzado a Alemanha cometendo assassinatos e atentados a bomba, financiando-se através de assaltos a bancos.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Burgi
As vítimas
Ao que se sabe, a NSU matou ao menos nove homens e uma mulher. A primeira vítima, Enver Şimşek, sucumbiu em setembro de 2000 a ferimentos graves. As demais vítimas foram (a partir do alto, esq.) Abdurrahim Özudogru, Süleyman Taşköprü, Habil Kılıç, a policial Michèle Kiesewetter, Mehmet Turgut, Ismail Yasar, Theodorus Boulgarides, Mehmet Kubaşık e Halit Yozgat.
Foto: picture-alliance/dpa
Atentados a bomba em Colônia
Na rua Keupstrasse, em Colônia, habitada majoritariamente por turcos, uma bomba cheia de pregos explodiu em 9 de junho de 2004. Mais de 20 pessoas ficaram feridas, em parte gravemente. Antes, em 19 de janeiro de 2001, uma outra fora detonada na Probsteigasse. Uma jovem de 19 anos de origem iraniana sofreu queimaduras, cortes, fratura do crânio e perfuração do tímpano.
Foto: picture-alliance/dpa
Fim de uma fuga
Em 4 de novembro de 2011, um assalto a banco fracassou em Eisenach, na Turíngia. Os criminosos conseguiram inicialmente escapar, mas foram perseguidos pela polícia. Pouco mais tarde, os cadáveres de dois homens foram encontrados num trailer fumegante. Os indícios eram de suicídio. Ambos foram identificados como Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos, supostos integrantes da célula terrorista NSU.
Foto: picture-alliance/dpa
Último esconderijo
Poucas horas após a morte dos supostos assassinos da NSU, uma casa residencial foi pelos ares em Zwickau. Com a explosão, Beate Zschäpe aparentemente tentou eliminar as pistas na moradia que dividia com seus amigos Böhnhardt e Mundlos. Entre as ruínas, os policiais encontraram, entre outros, a arma do tipo Ceska utilizada na série de assassinatos da NSU e um vídeo de reivindicação.
Foto: picture-alliance/dpa
Reivindicação cruel
Num macabro vídeo, utilizando a apreciada figura de desenhos animados Pantera Cor-de-Rosa, a NSU reivindicou os assassinatos de nove turcos e uma policial. No entanto, uma das vítimas, Theodorus Boularides, tinha origem grega.
Foto: picture-alliance/dpa/Der Spiegel
O início do processo
Em 6 de maio de 2013, começou o processo da NSU no Tribunal Superior Regional de Munique. A única sobrevivente do trio terrorista, Beate Zschäpe, apresentou-se de terno escuro, aparentando autoconfiança. O procurador-geral da República a acusou, entre outros crimes, de "ter matado, em dez casos, um ser humano de forma traiçoeira e por motivação torpe".
Foto: Reuters/Michael Dalder
Cúmplices da NSU?
Além de Zschäpe, quatro homens foram acusados no processo da NSU como presumíveis acessórios dos crimes. Apenas Ralf Wohlleben (abaixo, dir.), ex-membro do partido de extrema direita NPD, pode ter seu nome completo citado na imprensa. Os demais, André E., Carsten S. e Holger G. estão protegidos pelo direito de personalidade.
Zschäpe quebra o silêncio
Em 9 de dezembro de 2015, após dois anos e meio de silêncio, Beate Zschäpe se pronunciou, fazendo ler uma declaração em que inculpa Böhnhardt e Mundlos pela série de assassinatos. Em meados do ano, ela se desentendera com seus três advogados indicados, passando a ser representada adicionalmente por Hermann Borchert e Mathias Grasel.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Escândalo do informante
Desde o início do processo, era ambíguo o papel do Departamento de Defesa da Constituição, responsável pela segurança interna da Alemanha, nas atividades da NSU. O extremista de direita Tino Brandt (foto), informante do órgão, relatou em juízo como, nos anos 90, criara o grupo Defesa da Pátria da Turíngia (THS). A partir dele, o trio liderado por Zschäpe se radicalizou, criando a NSU.
Foto: picture-alliance/dpa/Martin Schutt
Relações mal explicadas
Quando Halit Yozgat foi baleado num internet-café de Kassel, em 6 de abril de 2006, o informante Andreas T. estava no local. Apesar disso, o funcionário da Defesa da Constituição afirmou nada saber sobre o atentado. No processo da NSU, o pai da vítima, Ismael Yozgat, relatou de forma comovedora como segurara nos braços o filho agonizante. No tribunal, levou consigo uma foto de infância de Halit.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Gebert
Protestos contra falta de clareza
Já houve uma série de manifestações contra o envolvimento de órgãos estatais alemães no caso da NSU. A organização Keupstrasse Está Por Toda Parte é uma das participantes dos protestos. Ela leva o nome da cidade de Colônia, onde a célula terrorista explodiu uma bomba cheia de pregos.
Foto: DW/M. Fürstenau
Parlamento interfere
O Parlamento federal alemão tentou trazer luz às intrigas no caso da NSU. Em agosto de 2013, o presidente da primeira comissão de inquérito, Sebastian Edathy (dir.), entregou ao líder parlamentar Norbert Lammert seu relatório final de mais de mil páginas. A conclusão foi avassaladora: "fracasso estatal". Mais tarde haveria outras CPIs em nível federal e estadual.
Foto: picture-alliance/dpa
Promessas quebradas
Em 23 de novembro de 2012, foi realizado na Konzerthaus de Berlim um evento em memória das vítimas da NSU. A chefe de governo Angela Merkel (esq.) prometeu a Semiya Şimşek e outros familiares o esclarecimento total. Mas eles estavam decepcionados diante de dossiês da Defesa da Constituição eliminados ou mantidos em caráter confidencial. Sua suspeita era de que o Estado sabia mais do que admitia.
Foto: Bundesregierung/Kugler
Procuradoria Geral exige pena máxima
Em meados de 2017, o procurador-geral Herbert Diemer e colegas apresentaram suas considerações finais. Eles exigiram para Beate Zschäpe a pena máxima, de prisão perpétua, devido à gravidade extrema de seus crimes. Para Ralf Wohlleben e André E., a acusação pediu 12 anos de cárcere, assim como cinco para Holger G. e três para Carsten S..
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Exigência surpreendente
Em abril de 2018, os defensores se pronunciaram. Hermann Borchert e Mathias Grasel, representando Zschäpe apenas desde 2015, reivindicaram para ela um máximo de dez anos de prisão. Entretanto, seus antigos advogados, Wolfgang Stahl, Wolfgang Heer e Anja Sturm (da dir. para a esq.) surpreenderam ao pedir a libertação imediata de Zschäpe da prisão preventiva.
Foto: Reuters/M. Rehle
Juiz respeitado
Manfred Götzl, de 64 anos, é o juiz-presidente no processo da NSU, no Tribunal Superior Regional de Munique, encarregado de pronunciar as sentenças contra Beate Zschäpe e os demais réus. Os advogados de alguns coautores do processo criticaram Götzl, desejando que ele conduzisse a ação com maior rigor. No geral, contudo, ele goza de grande respeito.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Hase
Prisão perpétua para a ré principal
Em 11 de junho de 2018, Beate Zschäpe (esq.), de 43 anos, foi condenada à prisão perpétua pelo Tribunal Superior Regional de Munique. Como os crimes são de extrema gravidade, ela não poderá deixar a prisão depois de cumprir 15 anos de pena. A defesa anunciou que vai recorrer da decisão à instância superior, a Corte Federal de Justiça. Os demais réus receberam penas entre dez e dois anos e meio.