Cuba condena manifestantes em julgamento sem defesa
22 de julho de 2021
Doze pessoas detidas nos maiores protestos antigoverno em décadas receberam penas de 10 meses a um ano de prisão, a maioria delas sem advogado. Presidente cubano havia prometido julgamentos justos.
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Doze cubanos presos nos maiores protestos no país em décadas receberam nesta quarta-feira (21/07) penas de 10 meses a um ano de prisão. O julgamento foi sumário, e a maioria não tinha advogado, denunciou o irmão de um dos detidos, Anyelo Troya, o diretor do famoso videoclipe Patria y Vida, tema que se tornou hino da dissidência dentro e fora da ilha.
"Eles o detiveram quando começaram as manifestações. Ele não estava protestando, estava apenas saindo com sua câmera para filmar", disse Yuri Troya.
Milhares de cubanos saíram às ruas de Havana e outras cidades do país em 11 de julho. Num regime que não costuma tolerar vozes dissidentes, os protestos foram considerados a maior demonstração de insatisfação popular nas ruas em três décadas.
Cuba enfrenta uma grave crise econômica e de saúde, com a pandemia fora de controle e escassez de alimentos, remédios e outros produtos básicos, além de longos cortes de energia. O governo reprimiu os protestos e prendeu centenas de pessoas - várias seguem desaparecidas.
Yuri relatou que Anyelo, de 25 anos, passou vários dias em confinamento solitário em um presídio no oeste de Havana. As autoridades não forneceram qualquer informação à família por mais de uma semana, até 19 de julho.
"Eles nos informaram o número da denúncia e sobre a acusação de desordem pública. Disseram que ele tinha medida cautelar de prisão provisória e que seria um julgamento direto. Que nos chamariam e que tínhamos direito a um advogado", disse o irmão do condenado.
Julgamento sem advogado
De acordo com Yuri, na terça-feira, a família foi com um advogado ao presídio, onde foi informada de que o julgamento já estava ocorrendo no Tribunal Municipal de 10 de outubro, a vários quilômetros de distância.
"Fomos correndo com o advogado e o julgamento já havia sido concluído. Eles o julgaram sem advogado. Havia 12 rapazes no mesmo julgamento sumário, e apenas dois tinham advogado, porque os pais descobriram a tempo", disse ele.
Dez dos acusados receberam pena de um ano de prisão, e os outros dois, que tinham advogado, cumprirão pena de dez meses. A família de Anyelo fará um apelo para tentar reverter a decisão.
O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, prometeu na semana passada que todos os acusados teriam "garantias processuais" e que receberiam a "aplicação das leis na sua justa medida, sem abusos".
A plataforma cubana El Toque Jurídico confirmou a veracidade da sentença aos 12 cubanos e o uso cada vez mais comum de julgamentos sumários em Cuba para processar pessoas com ideias políticas contrárias ao partido no poder.
"Se o advogado não chegar a tempo para o julgamento, contratá-lo será inútil. Não há como invalidar um processo sumário pelo fato de que o réu não tinha advogado. As autoridades cubanas burlam a lei e a usam de maneira conveniente e seletiva", afirmam os advogados do El Toque Jurídico.
Segundo a plataforma, o julgamento sumário em Cuba se caracteriza "pela rapidez e porque a pessoa pode ser julgada sem a presença de um advogado", o que "atenta contra o direito de defesa" dos acusados.
Na quarta-feira, o Ministério do Interior de Cuba (Minint) negou a existência de desaparecidos após os protestos. "Assim como os desaparecimentos forçados, a tortura não é uma prática em Cuba", disse o coronel Víctor Álvarez, número 2 do Órgão Especializado da Direção-Geral de Investigação Criminal do Minint, durante pronunciamento na televisão estatal.
Ele também rejeitou as listas elaboradas por ativistas independentes que circulam nas redes sociais com os nomes de pessoas desaparecidas.
"Essas listas perdem credibilidade devido à falta de dados e porque está comprovado que muitos dos inscritos nunca foram detidos ou mesmo entrevistados pelas autoridades", disse o coronel.
Na ausência de dados oficiais, os ativistas documentaram mais de 500 detidos desde os protestos do dia 11, incluindo vários menores de idade.
Países pedem sanções à Cuba
As autoridades cubanas insistem em culpar os Estados Unidos tanto pelos protestos quanto pela extrema escassez que o país sofre. Logo após os atos do dia 11, Díaz-Canel acusou "mercenários pagos pelos Estados Unidos" de organizar os protestos massivos. Ele também disse que a intenção de Washington é impor "uma política de sufocação econômica para provocar revoltas sociais no país".
Vários legisladores dos Estados Unidos, Reino Unido, República Tcheca, Estônia, Letônia e Lituânia pediram a imposição de "sanções seletivas" contra membros das Forças Armadas, da polícia e de qualquer pessoa que "seja cúmplice da repressão" a protestos pacíficos ou de violações dos direitos humanos em Cuba.
"Condenamos veementemente as autoridades cubanas por usarem violência, intimidação e censura para negar aos cubanos seu direito constitucional de se reunir e protestar pacificamente", diz comunicado conjunto.
Os legisladores expressaram seu "firme e absoluto apoio" ao povo cubano e a suas demandas, bem como a suas aspirações de "construir um novo futuro democrático com ênfase na dignidade humana e na justiça social".
le/lf (Efe, Reuters)
O fim da era Castro em Cuba
Quase nada em Cuba lembra de como era a vida antes dos Castro. O dia 19 de abril de 2018 marca o fim das quase seis décadas de governo dos irmãos Fidel e Raúl.
Foto: Reuters
1959 - A revolução triunfa
O rebeldes liderados por Fidel Castro chegam ao poder depois de derrubar o ditador Fulgencio Batista em janeiro. Os EUA reconhecem o novo governo. Logo, "leis revolucionárias" (como a reforma agrária) afetam empresas americanas. Em dezembro, o presidente republicano Dwight D. Eisenhower aprova um plano da CIA para derrubar Castro em um ano e substitui-lo por "uma junta amiga dos EUA".
Foto: AP
1960 − Aproximação com a União Soviética
Eisenhower proíbe exportações para Cuba (exceto de alimentos e remédios) e suspende a importação de açúcar. Cuba responde nacionalizando bens e empresas americanas e estabelecendo relações diplomáticas e comerciais com a União Soviética. No funeral das vítimas da explosão do cargueiro francês La Coubre (foto), Cuba responsabiliza a CIA, e Castro lança seu lema "pátria ou morte!"
Foto: AP
1961 − Ruptura e invasão fracassada
Os EUA rompem relações diplomáticas com Cuba e fecham sua embaixada em Havana em 3 de janeiro. Após uma série de bombardeios em aeroportos e incêndios em estabelecimentos comerciais, cuja autoria Cuba atribui aos EUA, Fidel proclama o caráter socialista da revolução em 16 de abril. Entre 17 e 19 daquele mês, cubanos treinados pelos EUA tentam invadir a ilha pela Baía dos Porcos, mas fracassam.
Foto: AP
1962 - A crise dos mísseis
"Não sei se Fidel é comunista, mas eu sou fidelista", disse em 1960 o líder soviético Nikita Kruchov. Moscou reata relações diplomáticas com Havana e eleva seu apoio. A URSS instala bases de mísseis nucleares em Cuba, desencadeando a "crise dos mísseis". Moscou cede à pressão de Kennedy em troca de os EUA se comprometerem a não invadir Cuba e desativarem suas bases nucleares na Turquia.
Foto: imago/UIG
1971 – Fidel Castro no Chile
O episódio da Baía dos Porcos acelera a proclamação do caráter socialista, marxista-leninista, da revolução. Cuba acaba sendo expulsa da Organização dos Estados Americanos. Castro fica isolado no continente, mas não para sempre. Ele é recebido no Chile pelo presidente Salvador Allende (foto), que iria ser derrubado por Augusto Pinochet em 1973.
Foto: AFP/Getty Images
1989 – A hora da Perestroika
A chegada ao poder de Mikhail Gorbatchov em Moscou marca o início da era da Glasnost e Perestroika. A Cortina de Ferro começa a ruir, e o império soviético se esfacela. Cuba perde sua principal base de sustentação no exterior, entrando em crise aguda. Milhares de cubanos tentam fugir para Miami em embarcações precárias. Muitos analistas preveem o fim do regime castrista.
Foto: picture-alliance/dpa
1998 – Primeira visita do papa
Um decreto de Pío 12 proibia aos católicos o apoio a regimes comunistas. Em virtude disso, o Vaticano excomungou Fidel Castro em janeiro de 1962. Mas, com o fim da Guerra Fria, chega o momento da reaproximação: em 1996, Castro visita o papa João Paulo 2°, e este retribui a visita dois anos depois, em viagem considerada histórica.
Foto: picture-alliance/AP/Michel Gangne
2002 - Fidel Castro e Jimmy Carter jogam beisebol
Desde que os EUA impuseram seu embargo comercial, econômico e financeiro, em 1962, houve poucos momentos de distensão entre Washington e Havana. Um deles foi a viagem do ex-presidente americano Jimmy Carter a Cuba, em 2002, motivada pela intenção de encontrar pontos de aproximação.
Foto: Adalberto Roque/AFP/Getty Images
2006 - Fidel e Hugo
A partir dos anos 90, Cuba deixa de ser vista como uma perigosa exportadora de revoluções. Com a derrocada do bloco comunista no Leste Europeu, as ideologias de esquerda entram em crise. Mas, na Venezuela, chega ao poder um novo dirigente, disposto a propagar a "Revolução Bolivariana". Hugo Chávez, declarado admirador de Fidel, passa a dar a Havana um respaldo importante, também na área econômica.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
2006 - A entrega do poder
A doença forçou Fidel Castro a abandonar o poder. Em 2006, ele o deixa nas mãos de seu irmão Raúl, uma garantia de que não haveria reviravoltas num sistema que, apesar dos avanços em educação e saúde, cobrou um alto preço: o da falta de liberdade e repressão. Fidel foi se despedindo do poder aos poucos, defendendo até o fim sua visão, através das páginas do jornal "Granma".
Foto: picture-alliance/AP Photo/Cristobal Herrera
2014 - Degelo temporário
Em dezembro de 2014, os presidentes dos EUA, Barack Obama, e o de Cuba, Raúl Castro, anunciaram que retomariam as relações diplomáticas. Obama visitou Cuba em março de 2016. Haviam se passado 88 anos desde a última vez que um presidente americano viajara à ilha. EUA retirou Cuba da lista de terrorismo, dando início ao processo de retomada das relações diplomáticas.
Tantas vezes anunciada e desmentida, a morte do líder foi inicialmente recebida com desconfiança. Entretanto, em 25 de novembro de 2016, os bares fecharam mais cedo e as reuniões de amigos nas ruas se dispersaram com a notícia. Durante anos, Fidel Castro desmentiu rumores de sua morte com a publicação de fotografias ou artigos de opinião.
Foto: Getty Images
2018 – A sucessão
Depois de dez anos, Raúl Castro se retira do poder. Em 19 de abril, o Parlamento cubano elegerá um sucessor que, pela primeira vez em quase 60 anos, não leva o sobrenome Castro: o vice de Raúl, Miguel Díaz Canel. Entretanto, analistas julgam improvável que o curso político em Cuba se modifique logo.