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Cuba e os dois lados do envio de médicos para combater o ebola na África

Jan D. Walter / Nádia Pontes / Amir Valle (msb)27 de outubro de 2014

Enquanto a comunidade internacional elogia o envio dos profissionais, críticos do regime questionam o voluntarismo dos médicos e afirmam que o governo cubano quer polir sua imagem e busca retorno financeiro.

Foto: Evaristo Sa/AFP/Getty Images

A decisão de Havana de apoiar os esforços internacionais contra a epidemia de ebola ocorre num momento em que, como reconheceu o presidente Raúl Castro, Cuba atravessa uma situação crítica em termos de insalubridade generalizada, mau estado das próprias instalações de saúde e escassez de profissionais da saúde. Do início de outubro para cá, a ilha caribenha enviou cerca de 250 médicos e enfermeiros para a África Ocidental, e, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), outros 50 devem seguir viagem em breve.

Apesar de isso agravar a escassez de médicos no país, a prontidão do regime Castro foi bem recebida internacionalmente. A secretária-geral da OMS, Margaret Chan, e o coordenador especial da ONU para assuntos relacionados ao ebola, David Nabarro, agradeceram pessoalmente ao presidente e ao ministro cubano da Saúde, Roberto Morales, pelo apoio.

Até mesmo o velho inimigo da ilha comunista, os Estados Unidos, elogiou o engajamento cubano. O secretário de Estado John Kerry destacou o papel de Cuba na luta contra o ebola.

Desde o início da epidemia de ebola na região africana, em março, quase 5 mil pessoas morreram vítimas da doença. A maioria das mortes ocorreu na Libéria, em Serra Leoa e na Guiné – para onde Cuba já enviou 53, 165 e 38 médicos, respectivamente.

Maior delegação estrangeira

A delegação cubana é, de longe, a maior entre os estrangeiros que prestam ajuda nos países africanos. E esta não é a primeira vez que isso acontece. Em 2005, médicos e enfermeiros cubanos foram enviados à porção paquistanesa da Caxemira para prestar ajuda – e eles eram mais numerosos até mesmo que os profissionais do Paquistão. Cinco anos depois, os cubanos foram os primeiros a entrar no Haiti após o destruidor terremoto de 2010.

Outros países também têm apoiado as regiões em crise, enviando assistentes e ajuda humanitária. Entretanto, a atual epidemia de ebola no oeste da África mostra que muitas vezes essa ajuda demora a chegar. "Cuba é um caso especial, digamos, pela capacidade rápida de resposta que teve, pela vontade política e pela própria experiência dos médicos", afirma José Luis Di Fabio, chefe do escritório da OMS em Havana.

Desde a faculdade, ensina-se aos médicos cubanos o compromisso de cumprir missões em países pobres do mundo. Cerca de 15 mil voluntários atenderam ao chamado do governo para combater o ebola na África, segundo a age 460 deles foram selecionados.

Para muitos especialistas em Cuba, a grande quantidade de médicos que se unem a missões no exterior também pode ser explicada pelo espírito humano diante da desgraça alheia, que caracterizaria o país desde muito antes do triunfo da Revolução.

Leonardo Fernández, membro do segundo grupo de médicos cubanos enviado à África Ocidental na semana passada, deixou clara a estratégia cubana contra o ebola: "Impedir que o vírus entre na América Latina, derrotando-o na África. É um compromisso com a África e com esse Estado [Cuba] que nos formou sob os conceitos de altruísmo, voluntarismo e humildade".

Leonardo Fernández, de 63 anos, é um dos médicos cubanos que foi enviado à LibériaFoto: Reuters/Enrique De La Osa

Ajuda questionada

Entretanto, o médico Antonio Guedes questiona esse voluntarismo. "Quem não concorda em participar pode perder o emprego ou, no mínimo, sua posição, ou então o filho pode não ter vaga na universidade", afirma o cubano, que é presidente da União Liberal Cubana (ULC), partido que funciona no exílio em Madri.

Guedes diz não acreditar que, por trás da decisão cubana, esteja simplesmente o desejo de ajudar. Para ele, Havana almeja muito mais com a positiva reação pública que tem agora. "Cuba está fazendo isso para, em primeiro lugar, polir sua imagem política. Em segundo, por razões econômicas. E, em terceiro lugar, para que países que obtiveram ajuda se posicionem, diante de fóruns internacionais, como as Nações Unidas ou a Comissão de Direitos Humanos [da ONU], a favor de Cuba", avalia Guedes.

Segundo o Ministério da Saúde de Cuba, atualmente 50 mil funcionários do sistema de saúde do país prestam serviço em 66 países. Cerca de 30 mil estão na Venezuela. Quase um terço dos 83 mil médicos do quadro cubano trabalha no exterior: 12 mil no Brasil, 2 mil em Angola e outros 2 mil no restante do continente africano.

Com eles, o regime Castro ganha mais de 6 bilhões de euros por ano, pois apenas uma parte do dinheiro que os países pagam por esses médicos retorna aos profissionais em forma de salário. Para cada médico enviado a uma missão internacional, o governo recebe entre 2 mil e 7 mil dólares, cifra oitenta vezes maior que o salário médio no país.

O Brasil, por exemplo, paga 10 mil reais (cerca de 4 mil dólares) por mês por cada médico cubano ao governo em Havana. Dessa cifra, o médico recebe cerca de 3 mil reais.

Questionada pela DW, a embaixada cubana em Berlim, porém, não especificou quanto os médicos que trabalham na região africana atingida pelo surto do ebola ganham.

Sem retorno em caso de infecção

Os profissionais cubanos enviados à África Ocidental precisam ser treinados e ter experiência no exterior. Eles trabalharão na região durante seis meses. Ao mesmo tempo, profissionais da organização internacional Médicos sem Fronteiras (MSF) ficam no máximo seis semanas nas áreas afetadas pelo ebola, por se tratar de um trabalho considerado muito exaustivo.

Para aprender a lidar com os equipamentos de proteção, fundamentais para evitar uma contaminação com o vírus letal durante o tratamento das pessoas infectadas, os profissionais cubanos passaram por um curso de três semanas no Instituto de Medicina Tropical Pedro Kourí, perto de Havana. Caso algum profissional seja infectado pelo vírus, ele será tratado numa estação especial para ajudantes internacionais, diz o diretor do instituto, Jorge Pérez.

A imprensa de oposição no exterior considera que essa medida é uma confirmação oficial de que, no caso de uma contaminação, os profissionais não poderão voltar para Cuba. Os médicos teriam relatado que tiveram de assinar um termo de concordância antes de viajar, e, por isso, alguns teriam se negado a participar da missão.

Novamente comparando, voluntários do MSF que são infectados pelo ebola são mandados de volta para seus países para tratamento, para que possam ficar o mais perto possível de seus familiares. Diante das dificuldades de tratamento em Cuba, a decisão sobre a permanência do profissional no local onde foi infectado é compreensível, diz Guedes, mas revela certa desumanidade por parte do regime Castro.

"Claro que é sempre bom quando pessoas, não importa de que parte do mundo, recebem a ajuda que necessitam", considera. Mas, no caso de Cuba, não se deve deixar de considerar sob quais condições essa ajuda chega, pondera.

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