Cuba realiza reformas, mas não planeja afetar estrutura socialista
2 de janeiro de 2013O plano de reformas iniciado há dois anos em Cuba para reverter décadas de crise econômica e atualizar o modelo econômico da ilha está correndo bem e deve ser aprofundado, segundo o presidente do país, Raúl Castro. Entre as medidas tomadas recentemente está a entrada da empresa brasileira Odebrecht no setor açucareiro da ilha caribenha.
"A atualização do modelo econômico cubano (...) segue em bom ritmo e está começando a entrar em questões de maior alcance, complexidade e profundidade", afirmou Castro no discurso de encerramento da Assembleia Nacional, em dezembro.
Castro pretende preservar e desenvolver em Cuba "uma sociedade socialista, sustentável e próspera", que, para ele, seria a única garantia da independência e soberania nacional. Mesmo assim, analistas têm opiniões divergentes sobre as intenções de Cuba em promover uma abertura real desta vez.
Equilíbrio entre socialismo e crescimento
Michael Zeuske, professor de História da Universidade de Colônia, na Alemanha, duvida que venha a haver uma grande abertura. "Odebrecht é uma exceção, e a mensagem é também que Cuba não quer investimentos estrangeiros. Eu considero que isso é apenas uma experiência", frisou.
Para Carlos Eduardo Vidigal, professor do curso de História da Universidade de Brasília (UnB), as reformas são lentas. Mas o governo tem se comprometido com a sua continuidade e abrangência, avançando na liberalização de pequenas e médias empresas, assim como na modernização de cooperativas urbanas de produção e serviço.
"A questão é a 'calibragem' necessária para prosseguir nas reformas sem afetar a estrutura socialista do país, o que explica a manutenção da propriedade estatal das terras, propriedades, subsolos e indústrias", frisou Vidigal.
Ele acrescentou, ainda, que essas iniciativas têm ligação com o fim da ajuda soviética a Cuba nos anos 1990, o desempenho sofrível da economia a partir deste período e o exemplo chinês de abertura ao mercado, sem abandonar a "matriz socialista".
Sobre facilitar investimentos brasileiros na ilha, Vidigal acredita que a possibilidade é grande, mas um passo nesse sentido será dado de forma extremamente cuidadosa, para evitar que a ilha caribenha se torne muito dependente de um ou de outro país.
"Os investimentos brasileiros podem dinamizar o setor açucareiro, o turismo e até mesmo a exploração de petróleo, mas isso exigiria um grande esforço diplomático para encontrar o ponto de equilíbrio entre os interesses dos dois países", frisou.
Para o professor de Relações Internacionais da UnB, Argemiro Procópio Filho, mais do que uma experiência isolada, a parceria com a Odebrecht é o início da abertura econômica de Cuba e também um passo estratégico para que o país volte a ser membro da Organização dos Estados Americanos (OEA). "É um movimento de abertura com muita determinação e deve prosperar", acrescentou.
Contrato com a Odebrecht
A concessão de uma central de colheita e produção de açúcar para o grupo brasileiro Odebrecht, pelo período de 13 anos, marca a abertura do setor agrícola de Cuba para empresas de outros países. Trata-se do primeiro investimento estrangeiro no setor agrícola desde o triunfo da Revolução de 1959.
O presidente Raúl Castro tenta, assim, recuperar a indústria com a modernização tecnológica e com a abertura ao capital estrangeiro. Espera-se que o setor açucareiro da ilha – cuja produção caiu de cerca de 8 milhões de toneladas na década de 1970 para apenas 1,4 milhão de tonelada na última safra – ganhe novos impulsos.
A Odebrecht vai gerenciar a usina 5 de Septiembre, localizada na província de Cienfuegos, a 225 quilômetros de Havana. A empresa, em comunicado, pretende aumentar a produção de cerca de 30 mil toneladas para 90 mil toneladas por safra.
A abertura do setor para uma empresa brasileira é um sinal de que a ilha caribenha valoriza as relações com o Brasil. De acordo com Vidigal, da UnB, o Brasil é visto em Cuba como um país confiável.
"Além disso, cito a competência técnica dos empresários brasileiros no setor sucroalcooleiro e nossa inserção no mercado mundial de açúcar e até mesmo do álcool combustível", frisou Vidigal.
Sucateamento da indústria açucareira
O setor açucareiro, que era um dos motores econômicos da ilha, entrou em forte decadência nas últimas décadas em Cuba. Justamente o fato de os Estados Unidos deixarem de comprar açúcar de Cuba a preços preferenciais fez com que a economia cubana entrasse em crise.
Desde a dissolução da União Soviética, em 1991, e do fim da "parceria" entre Havana e Moscou, Cuba passou por dificuldades econômicas extraordinárias, cuja superação exige, segundo especialistas, a abertura ao mercado internacional, mesmo que essa abertura seja de modo progressivo e calculado. "Um exemplo é a China, que desenvolve seu projeto de potência econômica sem abandonar o comunismo", frisou Vidigal, da UnB.
Oito engenhos de cana em Cuba foram construídos nas décadas de 1970 e 1980, mas o resto já estava na ilha antes da revolução de 1959. E até o ano de 2000, Cuba investiu pouco na modernização do setor açucareiro.
Zeuske lembra também que a decisão do então presidente Fidel Castro em fechar as principais centrais de colheita e produção de açúcar em 2000-2002 foi um erro. "Essa foi uma das grandes decisões de estruturação econômica de Fidel Castro. Infelizmente, uma decisão errada, como quase todas que ele tomou, como mostrou a crise a partir do ano de 2008", frisou.
Projetos brasileiros na ilha
A entrada da Odebrecht na modernização da reprimida indústria açucareira aumenta o papel do Brasil na ilha e confirma a estratégia brasileira de promover a internacionalização de suas empresas.
"O Brasil, desde que alcançou a sua estabilidade financeira, resgatou uma antiga ambição, que é a de se projetar em sua vizinhança, começando pela América do Sul, pela costa oriental da África e, em terceiro lugar, o Caribe", frisou Vidigal, da UnB.
Com isso, a própria Odebrecht já executa obras no valor de mais de 900 milhões de dólares para modernizar o porto de contêineres de Mariel, localizado no oeste da capital Havana.
O governo cubano aporta 15% do valor do projeto e o resto é financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) do Brasil. O porto é visto como uma plataforma comercial chave caso os Estados Unidos aumentem seu embargo de meio século contra a ilha caribenha.
O embaixador brasileiro em Cuba, José Felício, afirmou em entrevista à revista cubana Excelencias que o Brasil não pode se desenvolver isoladamente no contexto da América Latina.
"Não cremos que seja possível, por exemplo, um crescimento do nosso país em meio de uma pobreza sul-americana. Queremos aproveitar o momento econômico que temos para ver se crescemos juntos", frisou.
Autor: Fernando Caulyt
Revisão: Francis França