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Cuba segue seu próprio caminho contra a covid-19

28 de junho de 2021

Com sua nova vacina, a Abdala, Havana espera ter 70% da população protegida até agosto. E, em breve, começar a exportar o imunizante, que teria eficácia similar ao da Pfizer.

Idoso recebe uma dose da vacina cubana Abdala em Havana
Idoso recebe uma dose da vacina cubana Abdala em HavanaFoto: Ramon Espinosa/AP/picture alliance

Abdala, o nome da vacina cubana que em breve poderá ser mencionada no mundo inteiro no mesmo ritmo de Biontech/Pfizer, Moderna ou AstraZeneca, não é coincidência. Ela leva o nome de um romance do ícone nacional cubano José Martí. Nele, o jovem herói Abdala vai para a guerra para defender sua pátria. 

Para muitos cubanos, é o nome perfeito para a primeira vacina contra a covid-19 na América Latina. E é também a história perfeita: o país de 11 milhões de habitantes diz estar mais uma vez mostrando ao mundo inteiro a capacidade de seus cientistas, que não deixam que um vírus mortal e um embargo econômico de 60 anos por parte dos Estados Unidos os ponham de joelhos.

Cientista vira herói nacional

Um desses cientistas é Gerardo Enrique Guillén Nieto, de 58 anos, diretor de pesquisa biomédica do CIGB, o Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia de Havana, onde a vacina Abdala foi desenvolvida.

Com música melodramática de fundo, a propaganda de Dia dos Pais da televisão cubana no domingo passado mostrou Guillén Nieto em seu consultório médico, enquanto fora da câmera seu filho fala sobre como seu pai se dedica incansavelmente à família e ao trabalho. De algumas pessoas, diz o filho, "você só espera mais".

"Trabalhamos desde o início da pandemia, todos os sábados, todos os domingos, desde cedo pela manhã até tarde da noite, sem descansar nem por um momento", diz o cientista. "E estamos muito eufóricos porque os resultados superaram todas as nossas expectativas. Sabíamos que a vacina era muito boa, mas mesmo eu não esperava tal resultado."

Vacina cubana tem alta eficácia

A vacina Abdala tem 92,28% de eficácia, de acordo com a empresa farmacêutica estatal Biocubafarma. Isso a colocaria na categoria dos imunizantes mais eficientes do mundo, como os da Biontech/Pfizer e Moderna.

Quando a eficácia foi anunciada aos cientistas e aos demais presentes no auditório do CIGB na semana passada, uma enorme ovação irrompeu.

A vacina Abdala tem 92,28% de eficácia, de acordo com a empresa farmacêutica estatal BiocubafarmaFoto: KATELL ABIVEN/AFP via Getty Images

Desde então, Guillén Nieto está repleto de pedidos de entrevistas, todos querem saber qual é a receita de sucesso da Abdala. A vacina cubana não é uma vacina vetorial nem funciona com a tecnologia mRNA. Ela é uma vacina proteica, que atraca nos receptores da própria proteína Spike do vírus e assim desencadeia uma reação imunológica.

"Intervenção sanitária" é como o governo cubano chama sua campanha de vacinação, que começou em meados de maio com a Abdala e a outra vacina cubana, a Soberana, antes da conclusão dos testes clínicos da fase 3.

Estas são as primeiras vacinas presentes na ilha, já que Cuba evita completamente os imunizantes da Rússia ou da China e não havia aderido à iniciativa internacional Covax.

"Sabemos que no final sempre temos que confiar em nós mesmos, em nossas próprias forças e capacidades", afirma Guillén Nieto, em referência ao isolamento político causado pelo embargo dos EUA. "E o resultado é um sistema de saúde que não só é livre, mas também controlado centralmente, e que aperfeiçoou a capacidade de responder rapidamente a desastres, seja com testes clínicos, com campanhas de vacinação ou com a produção de uma vacina."


Mais de 2 milhões de cubanos já receberam sua primeira dose, 1,7 milhão a segunda e 900 mil a terceira dose, conta orgulhosamente o cientista biomédico. A Abdala demanda três doses, com duas semanas entre cada.

Até agosto, de acordo com os ambiciosos planos do governo, 70% dos cerca de 11 milhões de cubanos deverão ter recebido todas as doses.

É uma corrida contra o tempo, porque o número de novas infecções por coronavírus na ilha também está aumentando de forma constante: são mais de 2 mil casos por dia atualmente. Ao todo, mais de 1.200 mortes foram oficialmente atribuídas à covid-19 em Cuba, entre mais de 182 mil infecções registradas desde o início da pandemia.

Espera em posto de vacinação em HavanaFoto: Ramon Espinosa/AP/picture alliance

OMS compartilha o otimismo

Enrique Guillén Nieto conta com a campanha de vacinação para dar uma vantagem a Cuba sobre todos os outros países do mundo na luta contra o vírus.

"Aqui há uma confiança sem precedentes da população no sistema de saúde cubano. Por exemplo, nunca temos problemas para encontrar voluntários quando se trata de ensaios clínicos. Em Cuba, as pessoas querem ser vacinadas. Ninguém aqui pensaria em não ser vacinado porque todos sabem como as vacinas são importantes", afirma.

Um painel independente de especialistas em Havana vai agora analisar de perto a vacina, e uma aprovação oficial de emergência é esperada nas próximas duas semanas. Depois disso, Cuba também poderia solicitar à Organização Mundial da Saúde (OMS) a aprovação da Abdala para uso internacional. Bolívia, Jamaica, Venezuela, Argentina e México já mostraram interesse.

"O Instituto de Pesquisa CIGB tem 30 anos de experiência em pesquisa de vacinas. Confio nos resultados que foram publicados. Estes são estudos sérios, com a participação de pesquisadores e instituições comprometidas com a ciência", diz o médico epidemiologista peruano José Moya, representante em Cuba da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço regional da OMS.

A melhor prova disso, diz ele, é o fato de 80% de todas as vacinas em Cuba serem produzidas domesticamente. Moya afirma não ter ficado tão surpreso com a alta eficácia da Abdala. Ele diz que o projeto é simplesmente a consequência lógica de um sistema de saúde como o de Cuba, que vem fazendo um trabalho muito bom há décadas.

O presidente Miguel Díaz-Canel, entretanto, não quis se deter nas avaliações científicas da nova vacina: o líder cubano preferiu um ataque político. "Este sucesso só pode ser comparado com a grandeza de nossos sacrifícios. É um exemplo do orgulho com que um país trata sua indústria farmacêutica, que vive sob embargo econômico dos EUA desde 1962."