"Cultura da corrupção torna difícil mudar sistema"
Fernando Caulyt
8 de março de 2017
Diretor da Fundação Konrad Adenauer diz que, após três anos, Lava Jato não gerou mudança na política brasileira. Em parte, segundo ele, devido à aceitação por parte da sociedade de que regras e leis sejam violadas.
Anúncio
Quase três anos após seu início, a Operação Lava Jato ainda não conseguiu gerar uma mudança de comportamento dos políticos e partidos brasileiros, afirma o jurista alemão Jan Woischnik, diretor da Fundação Konrad Adenauer no Brasil.
Em entrevista à DW, Woischnik diz que a cultura da corrupção está presente no cotidiano e que, num panorama assim, "onde todo o tempo as regras e leis são violadas", fica difícil mudar o sistema.
DW Brasil: A Lava Jato está mudando o comportamento dos partidos e políticos brasileiros?
Jan Woischnik: Na realidade, eu não vejo muita mudança. Os políticos estão tendo um comportamento muito defensivo frente às acusações que surgem com as investigações da Lava Jato, e não estão usando a crise como uma chance para impulsionar mudanças e discutir o problema da corrupção dentro de seus partidos. Eles estão tentando escapar do escândalo ou evitar as investigações, quer dizer, estão tentando sobreviver à turbulência. Eles estão quase todos no "survival mode" e não no "reform mode": cada um está pensando em si mesmo. A desconfiança da população, que já era grande, aumentou. E a única maneira de revertê-la seria assumir as consequências da crise e mostrar ativamente a vontade de reformar o sistema político.
DW: Por que os partidos não aproveitam a Lava Jato para realizar uma limpeza em seus quadros?
JW: Infelizmente, é um sistema tido como muito normal, que funciona há muito tempo e que faz parte do jogo. Portanto, é muito difícil mudá-lo. O político que não participa desse sistema corrupto não terá dinheiro para financiar sua campanha na próxima eleição e, consequentemente, não será eleito. Portanto, ninguém quer começar a mudar esse sistema. Os partidos têm associações de jovens, com membros com cerca de 20 a 30 anos. Muitas vezes, eles têm vontade de mudar o sistema, mas, por serem dependentes dos caciques, fica muito difícil alterar esse sistema tão velho e considerado normal. Não há um movimento de renovação política nos partidos e nenhum esforço significativo para evitar tais escândalos no futuro, embora esses sinais fossem necessários para a população brasileira. Parece que falta também um sentimento de culpa nos políticos envolvidos no escândalo.
Os países mais corruptos do mundo
01:39
DW: Por que a Lava Jato ainda não resultou no surgimento de um novo movimento político e de novos líderes no país?
JW: De fato, isso é muito estranho e atípico. Normalmente, se partidos tradicionais têm problemas graves, a exemplo da corrupção que está sendo investigada no país, surgiriam novos movimentos políticos ou, ao menos, novos líderes nos partidos tradicionais. Mas, infelizmente, isso não está acontecendo no Brasil. À medida que a democracia é corrompida, somado à falta de novos líderes em partidos tradicionais, cria-se um terreno fértil para candidatos populistas que poderão se aproveitar da crise. Eu vejo um risco, e as maiores legendas deveriam tentar evitar a ascensão de populistas de outras legendas fazendo a renovação de seus quadros políticos.
DW: E como você enxerga o fato de o juiz Sergio Moro ser elevado a herói por parte da população brasileira?
JW: Por um lado, é compreensível que a população busque sempre líderes e pessoas responsáveis para dirigir seu país. Já que os políticos não estão cumprindo esse papel, é normal que o povo procure alguém como o juiz Sergio Moro. Mas, por outro lado, não deveria ser o papel do juiz ser herói, afinal, essa não é sua função. Ele deveria trabalhar sem muita publicidade e dar as sentenças mais justas possíveis. Por isso, digo que é compreensível, mas não deveria ser assim.
DW: A sociedade brasileira é um espelho da corrupção no cenário político?
JW: Eu posso dizer que no Brasil existe uma certa cultura da corrupção no cotidiano, seja em relação a poucas somas de dinheiro, alguém que fura um semáforo vermelho e suborna um policial... São atos considerados muito normais no país. Mas, em um clima assim, onde todo o tempo as regras e leis são violadas e está "bom" para todos, é muito difícil mudar o sistema. E outro detalhe: socialmente, não é bem visto criticar a ação de outra pessoa – como exemplo, cito furar a fila do supermercado, ato que na Alemanha é criticado abertamente pelos outros clientes e, aqui no Brasil, geralmente não há reclamação. Em situações importantes, como a corrupção na política, temos que nos comportar seriamente, até porque elas afetam a vida em sociedade.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.