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EducaçãoBrasil

Da baixada rumo ao sonho do diploma

 Lais Ribeiro Gama
Lais Ribeiro Gama
7 de julho de 2022

Sempre ouvi que basta se esforçar para alcançar sonhos. Mas minhas referências de pessoas batalhadoras mostram que isso é uma fábula. Que minha história sirva de inspiração e como denúncia sobre a desigualdade social.

Lais Ribeiro Gama: "Quero que o espaço que conquistei na universidade abra o caminho para os meus"Foto: privat

Quando eu dizia para a minha família que iria fazer minhas fotos de formatura na baixada, eles não compreendiam como eu poderia escolher um "lugar feio" para um momento tão importante. Mas eu sempre quis fazer minhas fotos em um lugar que representasse a minha realidade, quem eu sou e o que enfrentei para chegar até essa conquista.

E nenhum lugar seria mais representativo da minha história do que a minha baixada. Voltando da Universidade Federal do Pará (UFPA) tarde da noite, eu sonhava com minha formatura. Sonhava com a alegria que isso traria a minha família, e isso me motivou a continuar. Logo, a escolha da minha comunidade para minhas fotos de formatura era a mais coerente com tudo que vivi durante a graduação e vou explicar o porquê.

Em 2004, me mudei para a Comunidade Irmã Dulce, baixada do Conjunto Eduardo Angelim, na periferia de Belém. De início, éramos apenas minha irmã, minha mãe e eu. Mas, no ano seguinte, meus avós maternos e meus primos vieram do Marajó morar conosco. Enfrentamos muitas dificuldades, o que nos obrigou a trabalhar e ajudar na renda familiar.

Meu primeiro emprego foi em uma padaria, quando eu tinha 13 anos. Meus avós estavam doentes, e a aposentadoria não era suficiente nem mesmo para os remédios. O pai velho faleceu no período de um ano. A mãe velha faleceu alguns anos depois, em decorrência de um câncer. E nós continuamos na baixada.

Ocupar cada espaço oferecido

Devido às dificuldades financeiras que minha família enfrentava e ao fato de eu ter dedicado boa parte da minha vida à religião, o ensino superior parecia algo muito distante da minha realidade. Uma pessoa que passou pouco tempo em minha vida foi a responsável por me dar o "empurrão" que eu precisava, e, graças a ela, comecei a fazer um curso incrível.

Durante os anos de graduação, eu ocupei cada espaço que a UFPA me ofereceu: fui bolsista, monitora, voluntária de diferentes projetos. Ademais, fiz uso de todos os serviços oferecidos para estudantes de baixa renda. No entanto, mesmo com bolsa de Iniciação Científica (IC), muitas vezes eu tinha que escolher entre comer na universidade ou comprar os textos para as aulas. E eu sempre optava por comer porque sabia que podia acompanhar as leituras com minhas amigas, que muitas vezes me davam os textos.

Algo que lembro com muita gratidão foi que todas as vezes que não pude voltar para casa depois das aulas, devido a algum tiroteio na minha baixada ou algo semelhante, as minhas amigas me abrigavam. Uma em especial reservou até um espaço no guarda-roupa para as minhas coisas, de tanto que eu dormia na casa dela.

Foi assim que nos tornamos uma grande família. Sobrevivemos nessa graduação porque formamos nossa própria rede de apoio e porque tivemos grandes mestres como aliados nessa luta – contei com o apoio dos meus dois orientadores na IC, que nunca hesitaram em me emprestar computadores e livros sempre que precisei.

Nem sempre "quem quer consegue"

Enfrentando uma pandemia na reta final da graduação e sabendo que eu não teria solenidade, decidi não abrir mão de um desejo e fazer as fotos de formatura mostrando a minha realidade, o que enfrentei diariamente até o tão sonhado momento. Eu escolhi fazer as fotos de formatura na minha baixada, porque foi desse lugar onde não passa ônibus, onde Uber não desce e onde não existe saneamento básico que eu caminhei todos os dias rumo à UFPA.

Minha mãe, que nasceu às margens do rio Guajará, hoje se orgulha de ter uma filha formada na melhor universidade do Norte. Meu pai, que morava em uma fazenda onde seu pai trabalhava, hoje fala que sua filha está no mestrado, ainda que nem entenda o que é o mestrado. Meus primos menores, que ficaram órfãos na pandemia, podem sonhar em entrar na universidade.

Eu sempre ouvi que basta se esforçar para alcançar sonhos. Mas minhas referências de pessoas batalhadoras me mostram que isso é uma fábula. Meu pai é um dos homens mais esforçados que conheço, trabalhando arduamente todos os dias, e mesmo assim não realizou os seus sonhos da juventude. A história de vida dele joga por terra a falácia da meritocracia.

Nem sempre "quem quer consegue", porque estudar sem ter condições financeiras é uma barra, e ultrapassar os obstáculos não depende só de nós. Eu fui agraciada por encontrar no meu caminho pessoas que me ajudaram a romper as barreiras que as dificuldades financeiras me impuseram, e, hoje, estou realizando os sonhos que o mundo negou a meu pai.

Por isso, repito sempre que essa conquista não é individual, mas coletiva. Pertence a toda uma família, vinda das cidades marajoaras para Belém, com a esperança de uma vida mais digna. Essa conquista é nossa e de tantos outros que vivem a mesma realidade. Que minha história sirva de inspiração mas, sobretudo, de denúncia sobre a desigualdade social. Eu quero que o espaço que conquistei dentro da universidade abra o caminho para os meus. Para que os meus saibam que a universidade pública é nossa, e que nós vamos ocupá-la.

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1

A autora deste texto é Lais Ribeiro Gama, de 30 anos, que vive em Belém do Pará. 

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.