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MúsicaAlemanha

Daniel Barenboim, lenda viva da música clássica aos 80 anos

Gaby Reucher
15 de novembro de 2022

Israelo-argentino é personalidade mundial há décadas, como regente, pianista ou conciliador do conflito do Oriente Médio. Saúde obrigou Barenboim a cancelar concerto de 80º aniversário, mas outros comemoram em seu lugar.

Daniel Barenboim à frente de uma orquestra
Barenboim dirige a Filarmônica de Viena no concerto de Ano Novo em 2021Foto: NIKOLAY KRUSSER

Na verdade, Daniel Barenboim queria comemorar seu aniversário neste dia 15 de novembro com um concerto na Filarmônica de Berlim, mas a saúde debilitada não o permite. A assessoria de imprensa da Staatsoper Unter den Linden de Berlim anunciou que seu estado é tão grave que teve que cancelar o concerto por seu 80º aniversário.

Do programa constavam uma abertura de Richard Wagner e concertos para piano de Ludwig van Beethoven e Frédéric Chopin, com o argentino ao teclado e sob a regência de um amigo de juventude, o maestro indiano Zubin Mehta. A apresentação deverá ocorrer em outra data.

No início de outubro, Barenboim anunciara através das redes sociais que uma "doença neurológica grave" o obrigava a se afastar temporariamente: "Tenho que me concentrar no meu bem-estar físico tanto quanto possível agora.".

Tal situação não deve ser fácil para um músico tão requisitado como ele. Barenboim costuma viajar pela Europa e pelo mundo para seus concertos como pianista e maestro. Ele foi coberto de prêmios e homenagens em numerosos países, por seu empenho musical e social.

Barenboim com seu amigo de infância Zubin MehtaFoto: picture alliance / Maurizio Gambarini/dpa

"Ele sempre viveu cinco vidas ao mesmo tempo: como maestro, pianista, iniciador de projetos como a West-Eastern Divan Orchestra, homem de família e personalidade artística mundial", comentou o diretor artístico da Staatsoper, Matthias Schulz, em comunicado.

Música pela paz no Oriente Médio

Daniel Barenboim é diretor musical da Staatsoper Unter den Linden desde 1992, portanto além de seu 80º aniversário, celebram-se em 2022 também os 30 anos dessa parceria. Em 2000 a orquestra Staatskapelle Berlin o nomeou seu regente vitalício.

O argentino-espanhol-israelense-palestino fundou a West-Eastern Divan Orchestra em 1999, junto com o estudioso literário americano-palestino Edward Said (1935-2003). Ambos queriam contribuir para uma solução pacífica do conflito no Oriente Médio entre israelenses e palestinos.

A orquestra reúne jovens músicos de Israel e países árabes. Em 2016, o argentino fundou a Academia Barenboim-Said, que oferece a jovens músicos do Oriente Médio educação musical e em ciências humanas.

Uma infância musical

Os avós judeus de Barenboim vieram de Belarus e da Ucrânia. "Eles fugiram para a Argentina no início do século 20 para escapar dos pogroms antissemitas", contou Barenboim, em março, por ocasião de um concerto de solidariedade da Staatkapelle Berlin para refugiados ucranianos.

Nascido na  Argentina em 15 de novembro de 1942, começou a receber lições de piano do pai aos cinco anos de idade. Aos sete, deu seu primeiro concerto. "A música sempre foi uma alegria para mim, nunca um dever", escreveu por ocasião de seu aniversário, num artigo sobre sua infância para o semanário Die Zeit.

Já aos 12 anos, Barenboim era um pianista celebradoFoto: Imago/United Archives International

Em 1952, a família mudou-se para a Europa e depois Israel, em parte porque o pai queria apresentar a vida musical europeia a Daniel. Grandes nomes da música, como o pianista Arthur Rubinstein ou o maestro Wilhelm Furtwängler, ficaram fascinados com o talento do jovem pianista. Furtwängler tornou-se um modelo para Barenboim.

"Sua liberdade rítmica era de uma simplicidade espantosa. Tinha-se a sensação de que ele estava compondo enquanto regia", conta Barenboim no documentário da DW Klassik unterm Hakenkreuz, sobre a música erudita no nazismo, que acaba de estrear em Berlim.

Barenboim, o "talento excepcional"

Na adolescência, Barenboim estudou na academia do pianista e professor de música Carlo Zecci em Roma. Ele logo foi aclamado como um talento excepcional. Aos 15 anos, já tocava com a Filarmônica de Nova York. Cinco anos mais tarde estava regendo a Orquestra Sinfônica de Londres. As portas dos grandes palcos do mundo estavam agora abertas para ele.

Fosse a Orquestra de Paris, a Sinfônica de Chicago ou a do Scala de Milão, Daniel Barenboim não parava. Ele era um convidado tão bem-vindo ao Festival de Salzburgo quanto à Filarmônica de Berlim e à Filarmônica de Viena, cujos famosos concertos de Ano Novo são transmitidos pela televisão para todo o mundo. No Festival de Bayreuth, regeu regularmente óperas de Wagner, e em 2020 interpretou, entre outras, uma célebre produção de O anel do Nibelungo, na encenação de Harry Kupfer.

Para o seu 80º aniversário, Barenboim tinha acabado de ensaiar o Anel do Nibelungo com a Staatskapelle Berlin, mas só conseguiu reger as três primeiras partes da tetralogia wagneriana, sendo substituído por Christian Thielemann na última apresentação.

Crítico incômodo

Daniel Barenboim não é apenas um músico de coração e alma, mas também se engaja social e politicamente, em textos, palestras e em seus pronunciamentos em concertos. Por exemplo, quando elogia a coragem dos refugiados ucranianos ou fala sobre a pandemia covid-19 como oportunidade para mais interação social. 

Cosmopolita Barenboim possui passaportes argentino, espanhol e israelense e tem cidadania palestina honorária desde janeiro de 2008Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance

Sua atitude às vezes é controversa. Portador de passaportes argentino, espanhol e israelense, e com cidadania palestina honorária desde janeiro de 2008, recebeu fortes críticas em Israel em 2001, quando tocou uma obra do compositor Richard Wagner como bis numa apresentação da Staatskapelle Berlin. Wagner era um antissemita confesso e também escreveu panfletos antijudaicos, razão pela qual sua música não é desejada em Israel. Barenboim desencaderou um escândalo  em 2004 ao criticar, diante do parlamento israelense, a ocupação da Palestina por Israel.

Mas também houve críticas a ele como pessoa. Em 2019, vários ex-funcionários da Ópera Estatal de Berlim reclamaram na revista online de música erudita Van sobre seu tom e estilo de liderança autoritários. Barenboim discordoum endo tudo no contexto de suas próximas negociações contratuais como diretor musical. Seu contrato foi prorrogado até 2027.

Outros celebram seu aniversário

Embora Barenboim não possa celebrar seus 80 anos  num concerto, outros o fazem por ele. A Unter den Linden publica fotos históricas nas redes sociais, a emissora de televisão Arte apresenta uma série de concertos e documentários. No dia mesmo do aniversário, a gravadora Deutsche Grammophon está lançando uma nova edição de todas as quatro sinfonias de Robert Schumann com a Staatskapelle Berlin.

O próprio Barenboim espera se recuperar logo. Ele escreve no Instagram e no Twitter: "Vivi na e através da música toda a minha vida e continuarei a fazê-lo enquanto minha saúde me permitir. Olhando para trás e olhando para o futuro, não estou apenas satisfeito, mas profundamente realizado."

 

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