Autor italiano dizia que o riso é o principal instrumento da razão e a mais alta expressão da dúvida. "Um povo sem gosto para a sátira está morto", afirmava o irreverente ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1997.
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"Eu sou um palhaço que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura": era assim que Dario Fo gostava de se apresentar, e o fez muitas vezes em entrevistas a jornais. O autor e humorista italiano gostava de brincar com a mais alta distinção literária – que ele recebera em 1997, surpreendendo muitos críticos e desagradando políticos locais – para deixar claro em seguida que os humoristas sempre foram os verdadeiros intelectuais da Itália.
"A obra mais importante de nossa cultura é a Divina Comédia, de Dante", destacou o dramaturgo em 2013, em entrevista ao semanário Die Zeit. "A sátira ainda está em todos os lugares. Um povo sem o gosto para esse gênero literário é um povo morto." Uma crítica que não se pode fazer aos italianos. Eles amavam Dario Fo, esse irreverente, atrevido e inusitado vencedor do Prêmio Nobel de Literatura. Ele faleceu nesta quinta-feira (13/10), aos 90 anos .
Primeiro o desenho, depois a escrita
Dario Fo deixou uma extensa obra. Pois, como intelectual, ele circulava em todas as esferas da vida pública. Ele escreveu mais de 70 peças de teatro e esquetes, experimentou tudo o que um comediante poderia experimentar no teatro, no cinema e na televisão. Fo publicou centenas de artigos e pintou inúmeros quadros, a maioria deles para suas encenações. Antes de iniciar uma narrativa, ele muitas vezes recorria ao bloco de rascunhos. "Quando eu desenho, percebo o que realmente quero escrever", admitia.
A narrativa acompanhou o autor e humorista italiano durante toda a sua vida. Ele aprendeu essa arte com os filhos de contrabandistas, pescadores e agricultores na região do Lago Maggiore, onde nasceu, em março de 1926. Aos 14 anos já estudava na Accademia di Brera, em Milão. Lá aprendeu a lidar com todas as técnicas de representação pictórica e vivenciou os bombardeios da Segunda Guerra Mundial.
Inimigos prediletos: governo e Igreja
Seu pai, que participou da resistência antifascista durante a Segunda Guerra Mundial, ajudou Fo a levar refugiados e desertores para a Suíça. Apesar disso, quando tinha 18 anos, o escritor teve um "breve interlúdio" com uma tropa de elite fascista, como ele mesmo admitiu. Mais tarde, por outro lado, ele foi considerado um esquerdista inflexível, mas nunca se filiou ao Partido Comunista da Itália, com cujos rígidos funcionários gostava de discutir.
Ainda mais lhe agradava provocar os cristãos conservadores, que dominavam a TV estatal. Devido às suas aparições mordazes e desrespeitosas, nos anos 1960, ele foi excluído durante um longo tempo da televisão pública italiana. O seu inimigo predileto sempre foi a Igreja Católica. Ele se descrevia orgulhosamente como "bicho-papão de religiosos", que mesmo como ateu desejava um "deus risonho".
Detenções em pleno palco
Devido às suas ideias artísticas e políticas, ele foi muitas vezes para a cadeia. Em 1973, a sua esposa chegou até mesmo a ser estuprada por uma quadrilha neofascista. Fo teve de enfrentar 47 processos. Diversas prisões aconteceram em pleno palco. Mas o dramaturgo nunca se deixou calar. Pelo contrário. Ele também não poupou o ex-chefe de governo Silvio Berlusconi. Em seu absurdo minidrama L'anomalo bicefalo (O bicéfalo anômalo, em tradução livre), ele fez com que Berlusconi implantasse metade do cérebro de Putin, em 2004. É claro que isso lhe trouxe problemas.
"Nós somos palhaços. Estamos convencidos de que no riso está a mais alta expressão da dúvida, o principal instrumento da razão", afirmou o autor de peças populares que sempre se via como defensor dos fracos e atacava os poderosos de todas as formas possíveis. Muitas vezes, ele subia ao palco com sua esposa, Franca Rame, com quem foi casado de 1954 até a morte dela, em 2013. Fo gostava de dizer que a bela atriz, proveniente de uma família tradicional do teatro, lhe ensinou a dramaturgia "de improviso."
Sem medo da morte
O humorista foi particularmente bem-sucedido com sua peça satírica sobre o casamento Um casal aberto ou com outra, sobre a revolta dos desfavorecidos, Não vamos pagar!. Mesmo hoje, essas obras são apresentadas em palcos internacionais. Ainda no ano passado, o dramaturgo publicou seu primeiro romance A filha do Papa. Alguns anos antes, ele já havia deixado seu legado biográfico com o livro de entrevistas O mundo segundo Dario Fo.
Naquela época, ele acreditava que não lhe restava muito tempo. "A vida sempre foi boa comigo", disse ele no livro. "Por isso, tenho que admitir que lamento um pouco deixá-la." Dario Fo dizia não ter medo da morte: "O que me desagrada é a ideia de não viver mais."
Prêmios Nobel de Literatura desde 2000
Os laureados no século 21 não poderiam ser mais distintos. Entre eles, uma sarcástica dramaturga austríaca, o primeiro Nobel turco, um autor chinês controverso, um norueguês que escreve em dialeto minoritário.
Foto: picture-alliance/Effigie/Leemage
2023: Jon Fosse
Jon Fosse recebeu o Nobel por "suas peças e prosa inovadoras que dão voz ao indizível". Além de mais de 40 obras teatrais, o norueguês nascido em 1959 publicou romances, ensaios, coletâneas de poesia e livros infantis. Ele escreve em "novo norueguês", desenvolvido no século 19 a partir de dialetos rurais e falado por apenas 10% da população. Seus livros já foram traduzidos em mais de 40 idiomas.
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2022: Annie Ernaux
Autora de mais de 20 livros, Annie Ernaux é conhecida por seus romances autobiográficos e livros de memórias, em geral curtos e baseados em experiências de classe e gênero. Ao premiar a ffrancesa nascida em 1940, a Academia louvou a "coragem e acuidade clínica com que revela as raízes, estranhamentos e inibições coletivas da memória pessoal".
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2021: Abdulrazak Gurnah
Abdulrazak Gurnah nasceu na Tanzânia em 1948 e desde os anos 60 mora na Inglaterra, onde lecionou Inglês e Literatura Pós-Colonial na Universidade de Kent. A Academia Sueca citou sua "dedicação à verdade e sua aversão à simplificação", em obras que "evitam descrições estereotipadas e abrem nosso olhar para uma África Oriental culturalmente diversa". "Paraíso" é um dos dez romances de sua autoria.
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2020: Louise Glück
A poeta americana Louise Glück foi agraciada em 2020 por sua "voz poética inconfundível que, com beleza austera, torna universal a existência individual". Nascida em Nova York, a escritora fez sua estreia literária em 1968 e, segundo o comitê, ''logo se tornou uma das poetas mais proeminentes da literatura americana contemporânea''. Desde 2011 um poeta não levava o Nobel.
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2018: Olga Tokarczuk, 2019: Peter Handke
Como anunciado, a academia concedeu dois prêmios em 2019. A escritora polonesa Olga Tokarczuk recebeu o de 2018 pela "imaginação narrativa que, com paixão enciclopédica, representa o cruzamento de fronteiras como uma forma de vida". O austríaco Peter Handke ficou com o de 2019 pelo "trabalho influente que, com ingenuidade linguística, explorou a periferia e a especificidade da experiência humana".
2018: escândalos impossibilitam premiação
Em maio de 2018, a Academia Sueca comunicou que o Prêmio Nobel de Literatura não seria concedido naquele ano, depois que alegações de abusos sexuais e escândalos de crimes financeiros mancharam a reputação da organização. Na ocasião, a entidade informou que, no ano seguinte, dois prêmios seriam entregues. Foi a primeira vez desde 1949 que o prêmio não foi concedido.
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2017: Kazuo Ishiguro
O escritor britânico nascido no Japão Kazuo Ishiguro foi laureado com o Nobel de 2017. A Academia Sueca destacou a "grande força emocional" de sua obra. "Os escritos de Ishiguro são marcados por um modo de expressão cuidadosamente restrito, independentemente de qualquer evento que ocorra", disse a Academia. Entre seus romances mais famosos está "Os vestígios do dia", de 1989.
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2016: Bob Dylan
Em 2016, uma polêmica: o prêmio foi para um cantor e compositor, Bob Dylan. O astro da música folk e do rock foi escolhido por criar "novas expressões poéticas dentro da grande tradição musical americana". Após o anúncio, Dylan silenciou por algumas semanas, o que colocou em dúvida se ele aceitaria a homenagem. Por fim, ele disse que ficou sem palavras, mas optou por não ir à cerimônia.
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2015: Svetlana Alexievitch
Na figura de uma autora bielorussa, o Comitê do Prêmio Nobel reconheceu uma nova forma de autoria. Em suas reportagens e ensaios, Svetlana Alexievitch desenvolveu um estilo literário todo próprio, realizando entrevistas e adensando-as em emocionais colagens da vida quotidiana. Enquanto cronista do sofrimento humano, ninguém documentou a decadência da União Soviética como ela.
Foto: Imago/gezett
2014: Patrick Modiano
Guerra, amor, ocupação, morte são os temas que ocupam o ator francês Patrick Modiano, ao processar as lembranças de sua infância infeliz na Paris do pós-Guerra. O júri do Nobel o elegeu precisamente por essa "muito especial arte da memória". Há muito consagrado em seu país, até ser laureado ele era pouco conhecido em nível internacional.
Para a Academia Sueca, que concede o prêmio anualmente desde 1901, Alice Munro é uma "mestra da crônica contemporânea". Entre as características inovadoras dos contos da escritora canadense está o livre trajeto na linha do tempo. Uma colega americana a classificou como "o nosso Tchecov".
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2012: Mo Yan
O chinês Guan Moye é melhor conhecido por seu pseudônimo Mo Yan. O Comitê Nobel louvou nele um autor que, "com realismo alucinógeno, combina contos de fadas, história e presente". A decisão foi criticada pelo artista chinês Ai Weiwei, para quem seu compatriota era próximo demais do regime comunista.
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2011: Tomas Tranströmer
Em sua justificativa sobre Tomas Gösta Tranströmer, o júri louvou as "imagens comprimidas, esclarecedoras, que apontam novos caminhos para o real". Na década de 60, o poeta sueco trabalhou como psicólogo numa instituição para jovens delinquentes. Seus poemas foram traduzidos para mais de 60 idiomas.
Foto: Fredrik Sandberg/AFP/Getty Images
2010: Mario Vargas Llosa
O autor peruano Mario Vargas Llosa recebeu o Nobel por "sua cartografia das estruturas de poder e seus enérgicos retratos da resistência individual, da rebelião e da derrota". Na América Latina, ele ficou famoso pela frase, pronunciada na televisão: "México é a ditadura perfeita", assim como suas invectivas contra o ex-amigo Gabriel García Márquez, em 1976.
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2009: Herta Müller
Como mais recente laureada germanófona, a teuto-romena Herta Müller foi destacada por, "com a densidade da sua poesia e a franqueza da sua prosa, retratar o universo dos desapossados". Ela também critica em suas obras o autoritário regime Ceaușescu, que até 1989 geriu os destinos da Romênia. Entre seus romances editados em português estão "A terra das ameixas verdes" e "O compromisso".
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2008: Le Clézio
Segundo a Academia Sueca, Jean-Marie Gustave Le Clézio é "o autor da ruptura, da aventura poética e do êxtase sensorial", além de "estudioso de uma humanidade abaixo e acima da civilização dominante". Filho de uma francesa e de um nativo de Maurício, ele considera esse Estado insular no Oceano Índico sua "pequena pátria".
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2007: Doris Lessing
A britânica Doris Lessing publicou tanto romances e contos quanto peças teatrais. A Academia Sueca a saudou como "épica da experiência feminina, que, com ceticismo, paixão e força visionária, colocou à prova uma civilização fragmentada". A hoje nonagenária já se engajou contra a energia atômica e foi opositora eloquente do regime do apartheid na África do Sul.
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2006: Orhan Pamuk
Ao homenagear Istambul, o primeiro ganhador do Nobel da Literatura de nacionalidade turca "encontrou novas imagens simbólicas para o conflito e o entrelaçamento das culturas, em busca da melancólica alma de sua cidade natal". Ferit Orhan Pamuk é o escritor turco mais lido do mundo, com 11 milhões de livros vendidos e traduções em 35 idiomas.
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2005: Harold Pinter
O dramaturgo inglês Harold Pinter morreu de câncer pulmonar três anos após receber o Nobel. Com seus dramas, apontou o júri, ele "revelou o precipício sob a conversa fiada do dia a dia", penetrando "no espaço fechado da repressão". Tendo escrito também para a TV e o cinema, ele também foi ator e diretor de várias de suas peças.
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2004: Elfriede Jelinek
A autora austríaca Elfriede Jelinek recebeu o Prêmio Nobel pelo "fluxo musical de vozes e contravozes em seus romances e dramas", em que desmascara os clichês sociais. Um de seus temas centrais é a sexualidade feminina. O romance "A pianista" (1983) foi base para o filme homônimo de 2011, dirigido por Michael Haneke e com Isabelle Huppert no papel principal.
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2003: John M. Coetzee
Segundo o júri, John Maxwell Coetzee retrata "a participação do ser humano na diversidade da existência, de maneira muitas vezes atordoante". Além do Nobel, o autor da África do Sul já recebeu duas vezes o prestigioso Man Booker Prize. Seu romance mais conhecido, "Desgraça" (1999), que trata da era pós-apartheid, foi transformado nove anos mais tarde no filme "Desonra".
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2002: Imre Kertész
O sobrevivente de Auschwitz Imre Kertész foi laureado por uma obra que "contrapõe a frágil experiência do indivíduo à bárbara arbitrariedade da história". O judeu húngaro descreveu em seus romances os horrores dos campos de concentração. Em "Sem destino", uma das mais impressionantes narrativas sobre o Holocausto, ele trabalhou mais de 13 anos.
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2001: Vidiadhar Naipaul
Uma arte narrativa "em que ele conjuga uma percepção particularmente sensível com meticulosidade irreprimível, para nos obrigar a reconhecer a contemporaneidade das histórias reprimidas": assim o Comitê justificou a escolha de Vidiadhar Surajprasad Naipaul. O indo-britânico tomou como tema a liberdade do indivíduo numa sociedade em ocaso, em diversas regiões do mundo.
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2000: Gao Xingjian
O primeiro Prêmio Nobel da Literatura do século 21 coube ao chinês Gao Xingjian, escolhido por "uma obra de validade universal", marcada por "amargos insights e riqueza linguística", abrindo novos caminhos para a prosa e o teatro na China. Desde 1987 ele vive e atua em Paris como autor, dramaturgo e pintor.