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Futebol feminino

22 de junho de 2011

Jovens e experientes jogadoras derrubam preconceito, incredulidade e falta de apoio para levar o país aos mais altos postos do futebol feminino mundial e pavimentar o caminho para as novas gerações.

Aline: trabalhamos para as gerações futurasFoto: Pedro Ernesto Guerra Azevedo

No momento em que os olhos do futebol mundial se voltam para a organização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, uma questão é ainda mais problemática do que o atraso nas obras de infraestrutura e de estádios e escancara gargalos maiores do que a negligência de um país em relação ao principal evento esportivo do planeta.

A sombra que nunca é percebida por legisladores e iniciativa privada brasileiros, ironicamente, é a mesma que caminha lado a lado na modalidade que, quando trata do gênero masculino, viabiliza contratações de primeiro mundo e costura patrocínios outrora inimagináveis.

É a mesma que, também, sem apoio e incentivo, não deixa nada a dever em termos de conquistas e que nos últimos anos eleva o país à estratosfera como potência do futebol. Hoje, no Brasil, o futebol que dá gosto é o feminino.

"Eu não tenho dúvidas de que temos um futebol feminino de altíssimo nível. E que, se recebesse investimentos adequados, seria ainda melhor e renderia mais frutos", atesta Juca Kfouri, um dos mais renomados jornalistas esportivos brasileiros.

Marta disputa a bola com a alemã Annike Krahn na Copa de 2007 na ChinaFoto: AP

Resultados por teimosia

Marta, fruto da "brasilidade" de partir do "nada" para conquistar o mundo a partir de si mesmo, é ícone dos exemplos. Ela é a maquinista de um sistema que pavimenta o futuro desta modalidade no país. Mas o que se nota, de fato, é que a legião de seguidoras da camisa 10 trilha o mesmo caminho árduo com a doce certeza de que, no Brasil, é pisando em espinhos que se vence.

O cenário do futebol feminino no Brasil expõe as diversas mazelas já bem pontuadas quando o assunto é o caminho de um garoto em direção ao sonho de ser jogador. O agravante quando se trata delas é que conseguem resultados mesmo sem um mínimo de estrutura.

Não há uma política para o desenvolvimento do futebol feminino nas escolas, e sequer existe um Campeonato Brasileiro institucionalizado pela Confederação Brasileira de Futebol. Escolinhas? São poucas, tocadas por alguns abnegados e por poucos clubes que conseguem enxergar futuro em garotas que já têm passado glorioso.

"Eu, particularmente, já desisti de esperar algum tipo de apoio político para o desenvolvimento de qualquer esporte no Brasil. Ou alguém ainda espera? O que temos é fruto de um talento que não sabemos onde brota", afirma Kfouri.

Um exemplo paulista

O Santos, no litoral de São Paulo, é um dos clubes que apostam na modalidade. Historicamente acostumado a protagonizar desfiles de astros em seu gramado da Vila Belmiro, em uma linha do tempo que teve a "geração Pelé", a "geração Robinho" e agora a "geração Neymar", resolveu "atirar no escuro". E, bem diferente de um apostador comum, logo colheu resultados.

Sem precisar calcular riscos, imagina-se. Foi na esteira do sucesso de Marta e companhia em competições internacionais que o Alvinegro tornou-se símbolo da modalidade no Brasil. Investiu forte, montou comissão técnica com nomes consagrados e contratou atletas que, na Europa, seriam equivalentes a Lionel Messi ou Cristiano Ronaldo. Venceu o torneio continental Libertadores da América, a liga nacional Copa do Brasil e vários campeonatos estaduais.

"Mas isso é uma exceção no Brasil. O que o Santos faz hoje, ninguém faz. Temos uma estrutura ótima, a melhor do país e, aqui, podemos desenvolver o futebol feminino. Mas e o resto? Tem muita menina sem time para jogar", protesta, na condição de capitã do time e da seleção brasileira, a experiente zagueira Aline Pellegrino.

"É claro que já melhorou muito. Notamos claramente algum desenvolvimento, com menos preconceito e mais torcida. Mas as coisas no Brasil parecem que param, não têm continuidade. Quando há competição é que a coisa engrena. É uma pena, poderia ser melhor", completa a atacante Cristiane, também do Alvinegro e eleita a terceira melhor jogadora de futebol do mundo em 2007 e em 2008, quando viu à sua frente duas lendas: a alemã Birgit Prinz e a conterrânea e grande amiga Marta.

Atacante Cristiani, à frente, treina no SantosFoto: Pedro Ernesto Guerra Azevedo

Um histórico de vitórias

Em 1995 o futebol feminino brasileiro começou a brilhar de fato. Nas mãos do treinador Zé Duarte, o time conquistou naquele ano o segundo lugar do Torneio Internacional de Campinas, com uma goleada sobre a Ucrânia, por 7 a 0, uma por 4 a 0 na Rússia, e um empate contra os Estados Unidos.

No ano seguinte, na Olimpíada de Atlanta, a seleção brasileira foi semifinalista, eliminando a Alemanha e o Japão na primeira fase e terminando em 4º lugar, mostrando ao mundo uma geração de craques que tinha nomes como Sissi, Kátia Cilene, Simone Jatobá, Marisa, Elsi, Maravilha, Juliana, Tânia Maranhão, Formiga, Melissa, Elaine, Grazi, Karem e Michael Jackson.

As maiores conquistas canarinhas no futebol feminino até hoje são as medalhas de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2003 na República Dominicana, e nos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro, além da medalha de prata nos Jogos Olímpicos de 2004 em Atenas, e o vice-campeonato na Copa do Mundo de Futebol Feminino em 2007 na China.

No Pan de 2007, o time liderado por Marta conseguiu o bicampeonato com uma campanha perfeita e exemplar: venceu todos os jogos, teve o melhor ataque do campeonato, com 33 gols, a defesa menos vazada, com nenhum gol sofrido e, de quebra, teve a artilheira e melhor jogadora do torneio, a própria camisa 10, com 12 gols.

Cristiane: 'Queremos a taça na Alemanha'Foto: Pedro Ernesto Guerra Azevedo

"Depois de batermos na trave em Olimpíadas e Copa do Mundo, queremos a taça do Mundial da Alemanha. Estamos nos preparando muito para isso, e também para mostrar a todos que podemos ser as melhores do mundo", avisa Cristiane.

"Na minha opinião, o Brasil chega muito forte. São já alguns anos com a mesa base, o trabalho com as mesmas jogadoras ajuda a formar a união necessária para um time vencer. Seremos um dos favoritos este ano na Alemanha", endossa o treinador do Santos, Gustavo Feliciano.

Sementes na esteira do sucesso da camisa 10

Mitificado por Pelé, o número 10 do futebol que Marta também veste tem feito a cabeça de crianças no Brasil. Mais especificamente de meninas, que nas ruas, nos bairros e nas escolas buscam as bolas de gomos para chutar e marcar gols, mas sem uma política estruturada.

"É nas escolas que se vêem mais meninas, até porque não há muitas escolinhas em clubes. Mas isso é ótimo. Já parte do núcleo da educação. A seleção brasileira, com suas conquistas recentes e um pouco da mídia, que transmitiu as últimas competições, incentiva essas crianças. A gente sabe até de times mistos, formados por meninos e meninas. E assim torcemos para que a coisa cresça", espera Aline Pellegrino.

Craque em campo e nas palavras, Aline é uma espécie de embaixadora do futebol feminino no país. É culta, inteligente e, fora das quatro linhas, demonstra em entrevistas toda a sua preocupação com o futuro da modalidade. "Eu sei que tudo o que fizermos não será para nós, mas para as gerações que estão vindo. Acho ótimo que as meninas se espelhem na Marta e partam para jogar futebol".

Expectativas em torno de um time que venceu sem apoio

Adriana Suntaque, goleira do Santos e da seleção brasileiraFoto: Pedro Ernesto Guerra Azevedo

Não é difícil imaginar o que o Brasil fará pelos campos da Alemanha em meados deste ano. Diante do histórico de dedicação de uma geração que conquistou o mundo sem apoio, esperam-se grandes apresentações, goleadas e o troféu.

Mais do que isso. Espera-se a redenção de um time que se acostumou a jogar bonito, mas que ainda não conseguiu uma conquista de tamanha relevância.

"A gente realmente chega com um time bem preparado. Eu, particularmente, voltei ao Brasil para jogar no Santos pensando na seleção e neste Mundial. Vamos lá pensando em vencer", afirma Cristiane, que além do time brasileiro já defendeu o Wolfsburg e o Potsdam, da Alemanha, o Linköpings, da Suécia, e o Chicago Red Stars, dos Estados Unidos.

"Temos um histórico de evolução nas competições de que participamos. E também vemos melhora no time de um torneio para o outro. Existe um pensamento forte sobre a Copa deste ano e queremos trabalhar muito para trazer o título", emenda Aline.

Andreia Suntaque, goleira do Santos e também da seleção, e que buscou na Espanha o crescimento profissional necessário para transmitir experiência e sonhos para as mais novas, pensa que chegou a hora do Brasil.

"Enfrentaremos times fortes também e que estão se preparando como nós. Mas temos uma equipe forte, concentrada e hoje mais experiente do que em outras ocasiões. Sabemos como jogar", acredita a camisa 1.

Autor: Gabriel Fortes
Revisão: Roselaine Wandscheer

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