Debandada que atingiu Collor ameaça se repetir com Dilma
Jean-Philip Struck15 de abril de 2016
Para políticos que permaneceram ao lado do ex-presidente em 1992, governo vai sofrer com “efeito manada” na votação de domingo. Oposição já teria os votos necessários na Câmara para dar continuidade ao impeachment.
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No início de abril, não foi raro observar políticos e setores da imprensa brasileira apontarem que o impeachment havia “subido no telhado” e que a oposição vinha perdendo vigor. Membros do governo também afirmavam que tinham votos suficientes e que a tendência era reunir ainda mais apoios de partidos médios.
A menos de 48 horas da votação, a base da presidente Dilma Rousseff parece estar passando por um processo de derretimento. A costura com outros partidos não rendeu o esperado, e diferentes veículos de imprensa vêm destacado em seus placares do impeachment que a oposição finalmente ultrapassou a marca de 342 votos necessários para dar continuidade ao processo.
Para políticos que permaneceram até o final ao lado de Fernando Collor durante seu processo de impeachment, o governo Dilma está sofrendo uma debandada na reta final similar a que atingiu o então presidente às vésperas da votação pela Câmara em setembro de 1992.
Segundo Humberto Souto (PPS-MG), deputado que à época ocupava o cargo de líder do governo Collor na Câmara, é muito difícil deter o “efeito manada” – quando a oposição é finalmente tomada pelo espírito de “já ganhou” e o governo dá os primeiros sinais de que está perdendo a iniciativa.
“Quando faltavam 24 horas para a votação do Collor, contávamos que sobrariam 18 votos para barrar o processo. Em um jantar na véspera, alguns deputados me procuraram e disseram que não podiam mais continuar. Nossa vantagem caiu para dez votos. Outros vieram e disseram o mesmo. Em uma questão de poucas horas vi que seríamos derrotados. Virou um efeito manada. Não dá pra reverter isso quando a votação está tão perto”, afirma, em entrevista à DW. No final, Collor só obteve a seu favor apenas 33 dos 168 votos necessários.
O passo a passo do impeachment
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Na opinião de Souto, entre os fatores determinantes para a derrocada final de Collor estava a pressão de governadores e de lideranças políticas que queriam derrubar o presidente. “Hoje é um pouco diferente. É a pressão da base. Os deputados atuais não têm ideologia ou ideias. Só se preocupam com eles mesmos. E eles temem essa pressão que está vindo do eleitorado e das ruas. A pressão individual é muito maior do que em 1992. Ninguém quer defender o governo sozinho e depois pagar o preço”, diz.
O deputado Nelson Marquezelli, que era líder do PTB na Câmara em 1992 e votou a favor de Collor, também afirma que a pressão sobre cada deputado finalmente cobrou seu preço. “A imprensa está transmitindo todo dia quem está a favor ou contra o impeachment. Quem fica ao lado do governo é bombardeado com queixas de entidades de classe, da indústria ou do comércio e também por eleitores”, comenta o deputado, que já se posicionou: vai votar pelo impeachment de Dilma.
“Em 1992, eu tinha que votar pelo Collor por causa da posição do meu partido, que havia decidido apoiar o presidente. Acabamos liberando a bancada, e no final eu votei praticamente sozinho a favor do governo”, afirma.
Tanto Souto quanto Marquezelli garantem que a estratégia de Dilma de distribuição de cargos para siglas médias fracassou. “Muitos estão se dando conta que esses cargos são só uma promessa por enquanto. E se o governo perder? Eles ficam sem o cargo, perdem o prestígio em suas bases e começam numa situação ruim com um novo presidente”, destaca Souto. “Pode apostar, a oposição ainda vai conquistar muito voto até domingo. Só o PT e o PCdoB vão ficar com o governo.”
Marquezelli também estima que os adversários de Dilma devem ganhar por uma margem grande. “Aposto em quase 400 votos. Não vai ser uma vitória apertada da oposição”, garante.
Números do governo são frágeis
O governo, por sua vez, tentou passar uma imagem de tranquilidade na quinta-feira (14/04), quando o núcleo do ex-presidente Lula divulgou uma lista com os nomes de 186 deputados de uma frente "em defesa da democracia", dando a entender que eles são contra o impeachment de Dilma – a lista tem 14 nomes a mais que o necessário para barrar o processo.
A relação, que vinha sendo elaborado nas últimas semanas, no entanto, não causou o efeito desejado. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, pelo menos 15 nomes indicados na lista declararam publicamente nos últimos dias que vão votar pelo impeachment de Dilma.
Na disputa de votos entre a oposição e do governo, até mesmo a ordem da votação virou foco de tensão. Inicialmente, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, havia desejado começar o processo com as bancadas do Sul, com maioria antigovernista.
Após sofrer pressão, o deputado acabou determinando uma ordem alternando estados do Sul e do Norte (onde o governo teoricamente conta com mais apoio). Ainda assim, o placar inicial deve registrar uma maioria de votos pró-impeachment, já que os deputados sulistas são mais numerosos. Já o governo desejava votação por ordem alfabética, mas um pedido nesse sentido foi rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“A ordem pode criar mais uma pressão psicológica sobre os deputados que não estão muito convictos de votar a favor do governo. Alguns podem simplesmente mudar de posição no último minuto se observarem que a maré a favor da oposição está muito forte, o que deve ampliar a diferença contra Dilma, como ocorreu com Collor”, afirma Souto.
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.