Decisão sobre Brexit alimenta tensões no Reino Unido
3 de novembro de 2016"Hoje descobrimos que aqueles que querem 'restaurar a soberania parlamentar' não conseguiram negar um voto ao Parlamento", afirmou o advogado e comentarista jurídico David Allen Green, após a decisão desta quinta-feira (03/11) sobre o Brexit. A Suprema Corte determinou que o governo britânico necessitará de aprovação parlamentar para iniciar o processo de saída do país da União Europeia (UE).
"À primeira vista, este julgamento unânime, detalhado e fundamentado por três juízes de instâncias superiores parece incontestável", disse Green. No entanto, o governo britânico deve recorrer da decisão, e a Suprema Corte do Reino Unido já inclusive reservou as datas de 7 e 8 de dezembro para uma audiência sobre o assunto.
A primeira-ministra do país, Theresa May, prometeu acionar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa até o final de março de 2017, e seu governo insistiu que não precisava consultar o Parlamento antes de iniciar esse processo de dois anos.
Ativistas, liderados pela gerente de investimentos Gina Miller, levaram o caso à Suprema Corte, alegando que o governo não tinha o poder de invocar o Artigo 50 sem a aprovação dos parlamentares. E os juízes, então, decidiram a favor dos ativistas.
"May disse que isso é uma questão para o governo, mas, no final, essa opinião se mostra irrelevante", afirma Oliver Patel, pesquisador associado do Instituto Europeu da University College London. "Uma das coisas boas deste país é que ele tem um sistema judicial sólido e é um Estado de direito. Então, em última instância, o governo tem que fazer o que a corte diz."
Retórica furiosa
A decisão deve alimentar a divisão dos que são a favor e contra a saída do Reino Unido da União Europeia. Suzanne Evans, do Partido da Independência do Reino Unido (Ukip), pediu a demissão dos juízes, acusando-os de tentar "invalidar a nossa vontade" e "minar a democracia". O atual líder do Ukip, Nigel Farage, alertou que "uma traição pode estar próxima".
Na audiência de três dias viram-se argumentos que, no mínimo, aumentaram a pressão política para que o Parlamento tivesse um papel maior nas negociações do Brexit.
"Esta decisão tem implicações enormes, não somente no ritmo da saída do país da União Europeia, mas também nos termos no Brexit", afirma Eleanor Garnier, correspondente da BBC.
Ela afirma que aqueles na Câmara dos Comuns que são a favor da permanência no bloco europeu muito provavelmente vão argumentar que o Artigo 50 só poderá ser acionado quando o Parlamento estiver pronto. "E isso pode significar quando eles estiverem felizes com os termos de qualquer acordo futuro", acrescenta.
Atraso no Brexit
O veredicto não deixa claro se a votação seria curta e rápida, ou se os parlamentares precisariam examinar uma legislação complexa. Seja como for, se a decisão for confirmada pela Suprema Corte, isso deve significar meses de atraso no processo do Brexit.
Os conservadores detêm a maioria na Câmara dos Comuns, que tem apenas 12 assentos, e muitos desses deputados fizeram campanha e votaram pela permanência do país no bloco europeu. Embora grande parte dos parlamentares não queira bloquear o resultado do referendo, pode ser que o governo tenha dificuldade para conseguir a maioria necessária para acionar o Artigo 50.
"O Parlamento poderia pedir informações sobre a posição de negociação do governo antes da votação. Então, o governo teria que revelar quais são seus planos", diz Patel. Ele acrescenta que "isso diminui definitivamente a probabilidade de um Brexit extremamente rígido, o que quer que isso seja, porque o Parlamento dificilmente votará por uma saída completa do mercado comum".
Especula-se que, caso o veredicto desta quinta-feira seja mantido, eleições gerais antecipadas no país se tornem mais prováveis. Após a Suprema Corte, resta ao governo recorrer ao Tribunal de Justiça Europeu para excluir o parlamento das decisões sobre o Brexit. Mas, dado o atual clima político no Reino Unido, é improvável que qualquer um dos lados apele a uma instituição europeia para que esta decida sobre um aspecto da Constituição britânica.