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OCDE: Ordem de Toffoli "torna combate à lavagem impossível"

25 de outubro de 2019

Presidente do STF suspendeu investigações que usam relatórios do Coaf obtidos sem autorização judicial, em contraste com a maioria dos países-membros da organização, que não impõem esse tipo de restrição.

Drago Kos, da OCDE, afirma que decisão reduziu o alto status internacional do Brasil no combate à corrupção
Drago Kos, da OCDE, avalia que ordem de Toffoli reduziu o status internacional do Brasil no combate à corrupçãoFoto: CC 2.0/Friends of Europe

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Grupo de Ação Financeira (Gafi), principal órgão mundial de combate à lavagem de dinheiro, renovaram a pressão para que o Supremo Tribunal Federal reveja uma decisão do presidente da Corte, Dias Toffoli, que afeta a identificação de transações financeiras suspeitas.

A ordem de Toffoli, publicada em 16 de julho, suspendeu todas as investigações e ações penais em andamento no país que usam relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) obtidos sem ordem judicial e que incluam algo além de dados genéricos sobre os correntistas. O plenário do Supremo deve analisar o caso em 21 de novembro.

O Gafi afirmou, em ata de reunião plenária de 16-18 de outubro, que a decisão prejudicou a capacidade de o país cumprir padrões internacionais de combate à lavagem de dinheiro, e a OCDE declarou, em nota divulgada na segunda-feira (21/10), que a ordem do ministro era "preocupante”.

"[Essa decisão] torna o combate à lavagem de dinheiro extremamente difícil, se não impossível”, afirma à DW Brasil o diretor do Grupo de Trabalho sobre Suborno da OCDE, Drago Kos. A OCDE reúne nações que compartilham padrões de governança e transparência. 

Segundo ele, no resto do mundo, o trabalho de unidades de inteligência financeira semelhantes ao Coaf não precisa passar por escrutínio da Justiça para servir de ponto de partida para que outros órgãos, como o Ministério Público, decidam sobre a necessidade de abrir uma investigação. "Se o Judiciário tiver que aprovar antes, a linha de corte do nível de evidências necessárias subirá, e diversos casos de lavagem de dinheiro ficarão de fora do radar porque ninguém os investigará”, diz.

Ele afirma que a decisão de Toffoli reduziu o "status muito alto e respeitado” de combate à corrupção que havia sido obtido pelo Brasil durante a Operação Lava Jato. Kos deve liderar uma missão da entidade ao país em novembro e pretende se reunir com o presidente do Supremo e outras autoridades para explicar as consequências da restrição. "Esperamos que essa decisão seja temporária”, diz.

O governo Jair Bolsonaro está engajado em fazer do Brasil um membro efetivo da OCDE. Indagado se a alteração do funcionamento do Coaf afetaria as chances do país, Kos disse não ser possível dar essa resposta neste momento, e que a organização consultaria outros órgãos especializados em lavagem, como o Gafi. Mas que, dependendo do desfecho, a OCDE poderia ser obrigada a "rever a situação como um todo”, ressaltando que seu objetivo é auxiliar o Brasil a se tornar um membro da entidade.

Em 20 de agosto, o governo federal editou uma medida provisória que mudou o nome do Coaf para Unidade de Inteligência Financeira (UIF), transferiu sua estrutura, antes sob o Ministério da Economia, para o Banco Central (BC), e alterou sua composição interna, criando um conselho deliberativo que pode ser composto por membros de fora do quadro de servidores públicos, escolhidos pelo presidente do BC.

A influência de Flávio Bolsonaro

A decisão de Toffoli foi tomada a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por suposto desvio de verba de seu gabinete quando era deputado estadual fluminense, em um caso que envolve seu ex-assessor Fabrício Queiroz. Mas o presidente do Supremo determinou que a medida valesse para todas as investigações e processos judiciais no país, até que o plenário da Corte analise o tema.

O Coaf foi criado em 1998 para identificar e examinar transações suspeitas, a partir de comunicados recebidos de bancos e instituições financeiras sobre movimentações que levantam dúvidas, como múltiplas transferências com o mesmo valor ou em montante incompatível com a renda do cliente. O órgão faz uma análise do caso e pode enviar relatórios ao Ministério Público, que então decide se abre ou não uma investigação.

Relatórios do Coaf vazados à imprensa mostraram movimentações financeiras atípicas de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz. Ao Supremo, a defesa do filho do presidente alegou que o Coaf havia extrapolado sua competência ao produzir relatórios detalhados sobre sua movimentação financeira, relativos a mais de uma década, e argumentou que o órgão havia sido usado pelo Ministério Público para burlar a necessidade de autorização judicial para a quebra de sigilo bancário – que ocorre quando os investigadores têm acesso a todo o extrato bancário de alguém.

"Se houve algum abuso, se alguém dentro do Coaf fez mais do que seria permitido fazer, o caso tem que ser analisado isoladamente, não se pode parar toda uma estrutura de inteligência do país”, afirma à DW Brasil Maíra Martini, gerente de gestão do conhecimento no Secretariado da Transparência Internacional, em Berlim.

Modelos em debate

Um estudo publicado em 2018 pelo Banco Mundial que analisou 48 países mostra que, na maioria deles, as unidades de inteligência financeira têm acesso a uma ampla gama de informações sem necessidade de ordem judicial, que incluem dados da polícia, autoridades fiscais e de fronteira, serviços de inteligência e agências de combate ao tráfico de drogas.

Martini afirma que a autorização judicial para a atuação desses órgãos não faz sentido porque seu trabalho é um passo anterior à investigação. "Após receberem os relatórios, se os promotores entenderem que precisam de mais elementos para detalhar o contexto das movimentações financeiras, aí sim se pede autorização judicial e se torna uma investigação”, diz.

A Transparência Internacional defende que o Supremo reveja a decisão de Toffoli, e também tem críticas ao novo modelo da UIF. "O Coaf sempre foi um órgão técnico e funcionava bem, contava com pessoas de diversos órgãos com capacidade de analisar as informações que recebiam. A nova legislação deixa vários pontos em aberto”, diz.

Um item criticado por Martini é a vinculação da UIF ao Banco Central, modelo incomum comparado a outros países, segundo ela, e as regras para compor o conselho deliberativo. "O texto abre espaço para que os conselheiros venham de qualquer lugar, só precisam ter conhecimento sobre o tema e reputação ilibada, itens difíceis de medir e, portanto, muito aberto à interferência política”, diz.

A medida provisória sobre a UIF ainda está sob análise de comissão mista do Congresso Nacional. O presidente da comissão, senador José Serra (PSDB-SP), propôs que o órgão volte a se chamar Coaf, e o relator, deputado Reinhold Stephanes Junior (PSD-PR), deseja que apenas servidores públicos possam ser nomeados para o órgão. O texto deve ser votado no dia 30 de outubro.

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