Se afastamento definitivo de Dilma Rousseff for confirmado no Senado, Cardozo planeja contestar decisão junto ao Supremo. Placar do impeachment – reforçado pelos discursos dos senadores – indica derrota da petista.
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Enquanto o julgamento do processo de impeachment avança para seu momento final, a defesa de Dilma Rousseff já prepara ação para recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso a destituição definitiva da presidente afastada seja confirmada no Senado nesta quarta-feira (31/08).
De acordo com a imprensa brasileira, o advogado José Eduardo Cardozo e sua equipe ainda estudam a melhor estratégia para o recurso, que deve se tratar de um mandado de segurança. A ação, que abrangerá diversos pontos, deve se focar na ausência de justa causa para processar a presidente.
Para a defesa, as pedaladas fiscais e os decretos de créditos suplementares – que embasam a denúncia contra Dilma no processo – não são aptos para configurar crime de responsabilidade fiscal.
Um ponto que pode ser abordado por Cardozo no recurso é a antecipação dos votos de senadores, estes que atuam como juízes na fase final do processo do impeachment – boa parte dos parlamentares declarou publicamente seu voto sobre a destituição de Dilma antes mesmo do início do julgamento.
Um recurso em caso de impeachment já havia sido citado pela petista no dia anterior, durante sessão dedicada à defesa pessoal no Senado, quando foi questionada pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) sobre o porquê de ela ainda não ter contestado na Corte o que chama de "golpe".
"São os senhores senadores que têm, pela Constituição, o poder de me julgar. Se me julgarem sem crime de responsabilidade, é golpe", respondeu Dilma. "Eu não recorro ao STF agora porque não esgotei essa instância. Não acabei de tratar o problema aqui. Os senhores senadores não votaram."
No decorrer do processo, que teve início há nove meses, a defesa da presidente chegou a propor recursos ao Supremo, sempre se contendo a questões de procedimento e sofrendo derrotas na Corte.
O ministro Teori Zavascki, em maio, negou o pedido da defesa de suspender a decisão da Câmara pela admissibilidade do processo, determinando o prosseguimento da denúncia. Essa e outras negativas têm revelado a resistência da turma do STF em reverter uma decisão do Legislativo.
Previsões indicam derrota petista
O veredicto sobre o afastamento definitivo, dado em votação no Senado, deve ser conhecido nesta quarta-feira, segundo prevê o presidente do STF, Ricardo Lewandowski. São necessários 54 votos entre os 81 senadores para a declaração do impeachment, e previsões já indicam a derrota de Dilma.
Segundo levantamento do jornal Folha de São Paulo, 54 senadores já declararam voto favorável ao impedimento da petista, enquanto 20 se disseram contrários. Outros sete ainda não opinaram. Já o diário Estadão fala em 55 votos a favor e 20 contra, além de outros seis que não quiseram responder.
Os discursos finais dos senadores – que têm, cada um, dez minutos de fala antes de proferir seu voto na quarta – já dão o tom da votação no Senado. O placar da Folha foi atingido após o pronunciamento do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), que até então não havia declarado o voto publicamente.
Para Valadares, Dilma "agiu com abuso de poder político, violando a lei orçamentária", e suas ações desestabilizaram "o regime de responsabilidade fiscal". "O exercício abusivo do poder pela presidente Dilma ficou sobejamente demonstrado", opinou o senador na tarde desta terça-feira.
Ainda segundo a Folha, apoiadores do impeachment já calculam 58 votos favoráveis à destituição de Dilma, mas acreditam que, até quarta-feira, podem contar com o apoio de até 61 senadores.
Cardozo: "Uma pena de morte política"
O passo a passo do impeachment
03:07
A sessão desta terça-feira no Senado, antes da pronúncia dos 81 senadores, deu espaço para as alegações da acusação e da defesa. Em discurso de uma hora e meia, o advogado José Eduardo Cardozo, em defesa de Dilma, insistiu na falta de provas sobre a prática de qualquer crime.
Para o ex-ministro, a petista está sendo afastada "sem que o povo que a elegeu tenha entendido minimamente o crime que tenha praticado". "Não é justo falar o que falaram aqui de Dilma Rousseff. Querem condenar, condenem, mas não enxovalhem a reputação de uma mulher digna", clamou ele, acrescentando que o afastamento seria "uma pena de morte política" e a "execração de uma pessoa íntegra".
Cardozo reforçou diversos pontos abordados pela presidente afastada no dia anterior, quando apresentou pessoalmente sua defesa ao Senado, como a tese de que uma série de medidas políticas foram tomadas pela oposição para desestabilizar o governo petista após a reeleição em 2014.
"Diante da inconsistência em se deslegitimar sua reeleição, começou a se procurar fatos para o impeachment a todo momento. Além da dificuldade em se achar um fato, havia um problema. Naquele momento, a oposição não havia força para fazer nada", declarou o advogado.
A defesa alegou que a abertura do processo de impeachment foi uma manobra política para barrar as investigações da Operação Lava Jato, algo que Dilma se recusou a fazer, afirmou Cardozo, citando o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como responsável pelo andamento do processo.
"Cunha, contra a posição de Dilma, assume a presidência da Câmara e começa o processo de desestabilizar a presidência. 'Pare a Lava Jato, porque se não esse governo será desestabilizado'. Dilma se recusou e encarou Cunha, como encarou seus algozes em sua juventude", disse o ex-ministro.
Acusação fala em "estelionato eleitoral"
Cardozo se pronunciou nesta terça-feira após a acusação, representada pelos advogados Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior, autores do pedido de impeachment contra Dilma Rousseff.
Para Reale, ao contrário do que afirma a defesa, há provas concretas de que houve crime de responsabilidade por parte de Dilma. "Não é apenas um formalismo, mas é a verificação exata da ocorrência de fatos delituosos graves. Como não há crime de responsabilidade? Há sim", disse.
Ao criticar os governos petistas, tanto de Lula como de Dilma, o jurista ainda afirmou que o país vive um momento de mudança de mentalidade. "É uma administração pública não baseada no mérito, mas na sinecura, na difusão de que o que importa é ser malandro. O país não quer mais isso", opinou.
Já Paschoal, que ficou marcada no decorrer do processo por seus discursos inflamados, destacou que se coloca no julgamento do impeachment "como uma defensora do Brasil". "Entrei nessa história sem ser chamada porque entendi que precisava fazer alguma coisa por nosso país", disse ela.
Em tom duro, a jurista classificou as ações do governo Dilma como um "estelionato eleitoral" e afirmou que a falta de cortes de gastos em 2014 prejudicou o país e o levou à crise econômica.
O partido da presidente afastada também foi alvo de críticas. "Tudo isso foi muito bom para o povo ver como é o modo PT de ser. É a enganação. É o PT que não pede desculpas, nega os fatos, nega a realidade", acusou Paschoal, antes de finalizar seu discurso com um pedido de desculpas a Dilma.
Com lágrimas nos olhos, a advogada disse saber que o momento enfrentado pela petista não é fácil e que ela própria "lhe causou sofrimento". "Peço que ela um dia entenda que eu fiz isso pensando também nos netos dela", concluiu Paschoal, sendo mais tarde criticada pelo advogado de defesa.
"Para quem conhece Dilma, pedir sua acusação para defender seus netos é algo que me atingiu muito fortemente", afirmou Cardozo em conversa com jornalistas, também com lágrimas nos olhos.
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.