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Dengue pode ter potencializado surto de zika, diz cientista

Roberta Jansen, do Rio3 de maio de 2016

Em entrevista à DW, especialista Jerson Lima Silva explica como os anticorpos contra a dengue presentes na população brasileira podem estar amplificando as infecções causadas pelo zika.

Zika Moskito
Foto: picture-alliance/dpa/O. Rivera

A epidemia de dengue pode estar potencializando o surto de zika no Brasil. O alerta partiu do especialista Jerson Lima Silva, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Biologia Estrutural e Bioimagem da UFRJ, e foi confirmado na semana passada por um estudo preliminar de autoria de especialistas americanos. O trabalho, publicado na revista BioRxiv, é assinado por nove cientistas, das mais diferentes instituições americanas, entre elas o Exército dos EUA e as universidades de Duke e Fort Myers.

O vírus zika é conhecido há 70 anos e nunca tinha sido motivo de maiores preocupações por parte dos cientistas. Surtos já haviam sido registrados na África e em países do Pacífico sem maiores consequências. Entretanto, desde que chegou ao Brasil, no ano passado, a doença vem revelando uma faceta mais perigosa – ela é relacionada ao aumento do nascimento de bebês com microcefalia e a outras complicações neurológicas, como a síndrome de Guillain-Barré.

Além disso, se espalhou com rapidez pelo território nacional. E a explicação pode ser justamente o que já apontava Lima Silva: a potencialização da infecção devido aos anticorpos contra a dengue presentes na população brasileira.

DW: Por que esta questão já tinha chamado a atenção da sua equipe?

Jerson Lima Silva:Trabalho há 25 anos com isso. E no caso de dois vírus tão parecidos, como dengue e zika, era de se esperar alguma reação cruzada. Além disso, hoje, no laboratório, trabalhamos com vários flavivírus, como dengue, febre amarela, zika e ainda com outros arbovírus, como o chicungunya e o mayaro [um vírus similar ao chicungunya que circula na Região Norte do país].

E parte do trabalho é justamente verificar as respostas imunológicas ao vírus modificado com vistas ao desenvolvimento de novos métodos de fazer vacinas. A vacina contra a febre amarela atualmente disponível, por exemplo, é uma vacina muito boa, mas ela é feita com o vírus vivo atenuado – o que significa dizer que ele não propaga a doença mas se multiplica na célula, gerando anticorpos e, eventualmente, podendo provocar alguns efeitos colaterais, sobretudo em vacinações em larga escala. Nós estudamos essas reações justamente para desenvolver novos métodos de fazer a mesma vacina.

E foi essa relação entre os dois vírus que o novo estudo americano demonstrou? Como é isso, exatamente?

Existem quatro subtipos do vírus da dengue. A infecção por um deles normalmente leva a uma doença simples, que se cura sozinha. Mas quando surge um novo subtipo, os anticorpos já existentes se ligam a ele, embora não consigam bloquear a infecção. Na verdade, eles acabam favorecendo que o vírus entre em determinadas células que normalmente ele não infecta e se multiplique. Isso resulta em uma replicação do vírus muito mais alta do que o normal e uma doença mais grave.

O que o estudo dos americanos mostrou é que um processo semelhante ocorre entre quando o vírus zika entra em contato com anticorpos da dengue, aumentando em 100 vezes a infecção. Mas é importante notar que foi um estudo ainda preliminar, in vitro [em células no laboratório, não em animais ou pessoas]. Apesar de o trabalho não estar completo, ele levanta algumas bandeiras.

Isso poderia explicar a rápida propagação do vírus zika no Brasil, por exemplo? E as complicações neurológicas que ele apresentou somente aqui no país, como a má-formação de fetos e a síndrome de Guillain-Barré?

O vírus zika circula há 70 anos no mundo, mas nunca tinha chegado a um país com uma população do tamanho da do Brasil. Em populações menores, as questões neurológicas não tinham sido percebidas. Talvez por uma questão de amostragem. Talvez não.

Esse trabalho justifica que haja mais monitoramento de todos os pacientes, especialmente as grávidas, que devem ser avaliadas para saber se tiveram infecção por dengue e também por chicungunya – que é um arbovírus, mas também tem um parentesco com o zika, tem proteínas semelhantes e é transmitido pelo mesmo mosquito. Essa correlação pode ser uma das razões. Isso também poderia explicar, por exemplo, por que Pernambuco teve uma incidência tão alta de microcefalia e a Bahia não [dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2015, a incidência de dengue em Pernambuco foi três vezes superior do que na Bahia]. O estudo acende uma luz vermelha.

Mas poderia haver alguma relação direta entre essa relação dos anticorpos da dengue com o vírus zika e os problemas neurológicos?

É uma possibilidade. A partir de agora, estudos em animais serão importantíssimos para determinar isso. Será que, quando o vírus zika se liga ao anticorpo da dengue, isso o ajuda a romper a barreira da placenta, o ajude a alcançar células do sistema nervoso central? São perguntas que precisarão ser respondidas com muita cautela.

O estudo americano foi feito com anticorpos obtidos em pessoas que tiveram infecção por dengue. Mas o que dizer com os anticorpos presentes na vacina recentemente aprovada para uso no Brasil, no México e nas Filipinas?

Outra questão a ser respondida com muita cautela. É uma grande responsabilidade para a Ciência. A última coisa que queremos é ter vacinas que suscitem dúvidas na população, já basta termos esses movimentos fundamentalistas pregando contra as vacinações. Mas, sim, essa é outra questão que o estudo levanta: será que esses anticorpos provocariam a mesma reação daquela verificada nos anticorpos isolados em pacientes infectados naturalmente? Tudo precisa ser avaliado com cautela.

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