1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Dentro da caravana de migrantes que vai para os EUA

Óscar López ca
13 de novembro de 2018

Sonho de uma vida melhor fez Maribel Ponce Hernandez se unir à caravana de migrantes da América Central junto com os filhos. Esta viúva se mostra irredutível no objetivo de chegar aos EUA, apesar das ameaças de Trump.

Maribel Ponce Hernández num abrigo de refugiados na cidade do México
Maribel Ponce Hernández num abrigo de refugiados na cidade do MéxicoFoto: DW/O. Lopez

Sentada dentro de uma barraca lotada, no meio de um centro esportivo da Cidade do México, com roupas e sacos de dormir espalhados ao seu redor, Maribel Ponce Hernandez manda um recado para o presidente dos EUA, Donald Trump. "Eu acho que ele nunca precisou de nada, sempre teve tudo. É por isso que ele não consegue nos ver com piedade", disse a mulher de 46 anos. "Mas eu não o julgo. É Deus quem vai lidar com ele."

Hernandez, que viaja ao lado de quatro filhos com idades entre 11 e 25 anos, é uma entre os quase 5 mil migrantes da América Central que atravessam o México em direção aos Estados Unidos na esperança de encontrar um futuro melhor.

Diante da iminente chegada da caravana, Trump prometeu enviar até 15 mil soldados para a fronteira e, na semana passada, emitiu uma ordem executiva suspendendo os direitos de refúgio para aqueles que tentam entrar ilegalmente nos EUA.

Apesar das ameaças vindas de Washington, Hernandez, que partiu de Honduras em meados de outubro, não se intimida. "Eu deixei meu país porque sou corajosa, e não porque sou covarde. E porque estou curiosa para ver onde tudo isso vai acabar", diz. "Sou uma mãe desesperada, procurando proteção para meus filhos."

As dificuldades de Hernandez começaram há três anos, quando o marido morreu de complicações relacionadas ao HIV, que ele contraíra 10 anos atrás e transmitiu à esposa: "Meu marido me infectou", afirmou a migrante, enxugando as lágrimas dos olhos. "Ele pegou na rua."

Os medicamentos antirretrovirais podem ser de difícil acesso em Honduras, onde as mortes relacionadas à aids aumentaram 11% desde 2010, segundo a ONU. Hernandez contou que seu marido nunca cuidou corretamente de sua saúde e, quando morreu, ela passou a ser a única provedora da casa. "Foi muito difícil", confessa. "Tivemos que mudar de casa porque eu não podia pagar o aluguel."

Hernandez começou a vender legumes com um carrinho nos arredores de Olanchito, a pequena cidade onde morava, no nordeste de Honduras. Ela tirou seus filhos mais jovens da escola para ajudá-la no trabalho. Mas, no final de 2017, protestos tomaram conta de Honduras após a reeleição do presidente Juan Orlando Hernandez, em meio a alegações de fraude eleitoral. Como em grande parte do país, a violência irrompeu também em Olanchito. "Foi quando a odisseia começou para nós", conta Hernandez.

Milhares de pessoas prosseguem viagem até a fronteira com EUAFoto: Reuters/G. Nakamura

O conflito eleitoral acirrou a já mortal onda de violência em Honduras, que desde 2010 tem uma das maiores taxas de homicídios do mundo, de acordo com o governo dos EUA. Carolina Jimenez, diretora de pesquisa para as Américas da Anistia Internacional, diz que os efeitos da crise na América Central vão muito além dos assassinatos.

"A violência não é mensurável apenas pelas taxas de homicídio", afirma. "A presença de gangues e o controle que elas têm sobre o território, a impunidade que existe nesses países frente a essa violência e situações em que o Estado participa ativamente de atos violentos. Tudo isso resulta num coquetel perfeito para as pessoas se sentirem obrigadas a deixar suas comunidades."

O filho mais novo de Hernandez foi espancado nos protestos. A filha mais velha foi mais tarde atacada e roubada. Temendo por sua segurança, Hernandez manteve os filhos em casa. Mas, lutando contra o HIV, contra diabetes e hipertensão, ela disse que trabalhava para sobreviver: "Eu não podia trazer muito para casa. Eu era sozinha."

Com a violência piorando e a situação financeira da família se deteriorando, Hernandez começou a procurar uma saída e assim ouviu falar da caravana que se preparava para deixar Honduras. Embora isso significasse uma jornada longa e difícil, e mesmo sabendo que teria que abandonar um de seus filhos, com problemas cardíacos, Hernandez decidiu que valia a pena. "Foi a fome que me fez partir", afirma. "Para procurar uma vida melhor em outro país, a caravana foi a minha chance."

Hernandez e seus filhos passaram por Honduras e Guatemala, subiram montanhas, atravessaram rios e fugiram da polícia. Em 19 de outubro, ela e mais de 4 mil pessoas chegaram a uma ponte entre o México e a Guatemala. Eles sobrecarregaram os agentes de fronteira guatemaltecos e enfrentaram a polícia de choque mexicana, que disparou gás lacrimogêneo contra os migrantes.

Quando a caravana finalmente recebeu autorização de passagem, Hernandez desmaiou devido aos baixos níveis de glicose no sangue. Ela foi então levada a um hospital. Seus filhos foram conduzidos a um centro de detenção na cidade vizinha de Tapachula, no estado mexicano de Chiapas. Depois de ser liberada da clínica, Hernandez foi detida junto com os filhos. Ela diz que as condições eram terríveis. "Eles não nos deixavam sair. Foi uma experiência horrível."

A resposta do governo mexicano foi fortemente criticada por ativistas locais. Segundo Anna Saiz, diretora do grupo local de defesa dos migrantes Sin Fronteras, as autoridades mantiveram cerca de 2 mil pessoas no centro de detenção de Tapachula, das quais cerca de 30% eram crianças. "Eles estavam numa situação de detenção que era muito preocupante", afirma Saiz. "O Estado agiu somente com intimidação e confronto contra as pessoas que se encontravam nesse êxodo."

Hernandez e sua família foram liberados e acabaram recebendo permissão para permanecer no México por 45 dias. A hondurenha de 46 anos começou a trabalhar lavando roupas para outros migrantes, e suas filhas conseguiram emprego numa fábrica de tortilhas. Mas quando o proprietário da fábrica se recusou a pagar suas filhas, Hernandez decidiu que era hora de sair. "Como migrante, para quem você vai reclamar?", indaga. "Eles só vão se aproveitar de você."

Migrantes discutem jornada que têm pela frenteFoto: picture-alliance/AP Photo/R. Blackwell

Com a ajuda de um padre local, Hernandez conseguiu encontrar transporte para sua família a fim de voltar a se unir à caravana. Ela chegou à Cidade do México no início da semana passada e diz que a recepção foi extremamente positiva: a administração da cidade oferece ajuda médica e legal gratuita, enquanto os moradores fornecem alimentos e roupas. Mas, apesar da calorosa recepção, Hernandez disse estar determinada a continuar sua jornada.

"Eu não vim apenas para receber das pessoas", diz. "Eu quero trabalhar. Eu quero uma vida melhor, um teto sobre nossas cabeças para não termos de dormir no chão, com fome, como vivíamos lá."

No fim da semana passada, Hernandez e seus filhos estavam se preparando para deixar a Cidade do México e continuar a rota restante de 2.800 quilômetros até a cidade fronteiriça de Tijuana, onde ela espera entrar nos Estados Unidos e começar uma vida nova.

A jornada provavelmente estará repleta de perigos, vindos especialmente dos cartéis de drogas que tomaram conta de grande parte do México. Na semana passada, as autoridades mexicanas disseram que cerca de cem migrantes, incluindo várias crianças, haviam desaparecido da caravana. Suspeita-se que um cartel local tenha executado um sequestro em massa.

"O México é um território violento para pessoas em trânsito", afirmou Jimenez, da Anistia Internacional. "E embora haja alguma proteção dentro de grandes grupos, isso não significa que todas essas pessoas, especialmente quando falamos de mulheres e de crianças pequenas, estarão protegidas quando confrontadas com a violência no México."

Apesar dos perigos, Hernandez disse estar determinada a terminar sua odisseia. "Eu quero saber como tudo isso vai acabar", afirma. "E um dia dizer 'obrigada, Guatemala; obrigada, México'. Para que isto seja apenas uma história. Porque cada um de nós, nesta caravana, tem uma história."

______________

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube 

WhatsApp | App | Instagram | Newsletter

Pular a seção Mais sobre este assunto

Mais sobre este assunto

Mostrar mais conteúdo