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"Derrubei o sistema, agora é com vocês", diz Lech Walesa

Bartosz Dudek
31 de agosto de 2020

Há 40 anos, surgia na Polônia o Solidariedade, movimento de trabalhadores que contribuiria decisivamente para a derrocada do comunismo. Em entrevista, lendário líder sindical afirma que entregou sua vida à causa.

Walesa durante entrevista à DW
Walesa durante entrevista à DWFoto: DW/M. Sieradzka

Há 40 anos, surgia na Polônia um amplo movimento sindical que contribuiria decisivamente para a derrocada do comunismo e do Muro de Berlim. O Solidariedade (Solidarność) representava quase 10 milhões de trabalhadores e tinha como líder Lech Walesa.

O então eletricista receberia em 1983 o Prêmio Nobel da Paz e, em 1990, se tornaria o primeiro presidente eleito livremente na Polônia do pós-Segunda Guerra, posição da qual ele negociaria a retirada do Exército Vermelho do país.

Em entrevista à DW, Walesa, hoje com 76 anos, relembra o surgimento do movimento em 1980, como foi aos poucos atraindo a atenção internacional e diz que a luta sempre foi contra o comunismo: "Eu me propus a fazer o sistema colapsar, e o fiz. Fiz do meu jeito. Eu entreguei. Agora é com vocês."

DW: Quando foi que você percebeu as consequências que a greve de agosto de 1980 teria para a Polônia, a Europa e o resto do mundo?

Lech Walesa: Para ser honesto, dez anos antes. Também naquela época, em dezembro de 1970, estávamos em greve. Perdemos, mas eu disse para mim: "Deus, me dê outra chance de voltar e terminar o trabalho". Agosto de 1980 foi para mim a continuação da luta.

Quem o inspirou a fazer isso?

A geração anterior à minha. Que sempre sonhou com uma Polônia livre, que sempre contou sobre a traição da Polônia em 1939 e 1945. Que estava esperando por uma chance. Foi assim que eu cresci, e eu também estava esperando por uma chance. No início era uma luta individual, porque eu não tinha nenhum camarada de luta. Depois de 1980 foi mais fácil, porque eu me tornei famoso.

Você se tornou conhecido graças à mídia ocidental. Você consegue se lembrar como os jornalistas ocidentais acompanharam a greve?

Eu sempre fui uma pessoa que tentou aproveitar as chances. No verão de 1980, um festival internacional de música foi realizado em Sopot, perto de Gdansk. Enviamos gente do estaleiro para lá para trazer jornalistas. Um deles veio, depois contou a outros, e mais tarde fomos procurados incessantemente por jornalistas. Lembro-me que um deles me perguntou: "O que você quer com essas greves? Não há pão sem trabalho". Respondi que existem duas maneiras: você pode trabalhar para ter uma vida melhor, mas também pode lutar por uma liberdade que lhe dê mais pão.

"Aprendi que, quando se opta por algo, é preciso dar o que de melhor que se tem"Foto: Getty Images/Keystone

A revista alemã Der Spiegel daquela época cita você dizendo a um jornalista americano: "Eu não temia a derrota, temia a vitória". O que você quis dizer com isso?

Eu quis dizer que era muito cedo. Nós sabíamos como lutar, mas não sabíamos o que fazer com isso. A luta é mais fácil. Eu pensava que nossas elites e o Ocidente tinham um programa. E que assim que mudássemos alguma coisa, este programa seria implementado. Mas não havia nada parecido com isso.

Qual foi o papel da Igreja Católica nas greves de agosto de 1980? Seria a "Wende", como os alemães chamam as mudanças ocorridas entre 1989 e 1990 na Europa, concebível sem o papa polonês?

Não vamos exagerar: não foi o papa que fez a revolução. Mas foi o papa que nos mobilizou. Um ano após sua eleição, ele veio à Polônia, e quase todo o povo veio a seu encontro.

Os comunistas já haviam repetido antes: que oposição é essa? Quantos vocês são? De repente todos perceberam que não éramos nós, mas eles que estavam em desvantagem numérica. E deixamos de ter medo. Ao mesmo tempo, o papa disse: "Renove a face da terra". Isso nos encorajou e, um ano depois, o Solidariedade tinha 10 milhões de membros.

E quando enfrentou a superioridade do regime, você realmente não teve medo?

Eu sabia que poderia ser liquidado a qualquer momento. É por isso que eu estava 100% comprometido. Eles poderiam ter me matado, mas não teriam me derrotado.

Walesa com João Paulo 2 em 1991: aliadosFoto: picture-alliance/Pap/J. Morek

Você fez uma exigência audaciosa ao regime: a autorização de um grande sindicato independente. Foi a demanda mais importante politicamente de um total de 21 feitas pelos trabalhadores grevistas sob sua liderança. Dez anos antes, os comunistas haviam reprimido as greves de forma sangrenta. O que os fez agir de maneira diferente daquela vez?

Eles sempre quiseram nos trair. Mas daquela vez eles foram tão arrogantes que pensaram que poderiam contornar isso. Na negociação de 1989, eles também queriam nos enganar e pensavam que seriam bem sucedidos. Pensei novamente: se abrir uma brecha, colocarei a minha bota de operário na porta – e eles não poderão fechá-la. Se nos derem os sindicatos, o resto será feito. Eu não sabia na época se isso iria funcionar imediatamente, mas eu sabia que estávamos um pouco mais perto do objetivo.

Apenas uma semana após o início da greve, você já era destaque nas capas das revistas mais importantes do mundo. Você percebeu que estava prestes a se tornar uma das pessoas mais famosas do planeta?

Eu realmente não me importava, e até hoje é assim. Eu tenho uma personalidade diferente, atípica. Fui educado no país em circunstâncias simples. Aprendi que quando se decide por algo, é preciso entregar o melhor que se pode. É por isso que não pensava na minha carreira, e ainda hoje é assim. Só estou fazendo o que decidi fazer.

Mas você percebeu que estava criando um grande movimento, que o mundo inteiro estava falando sobre isso e que um grande jogo internacional estava começando?

Não. Eu estava pensando sobre o que fazer para derrotar o comunismo.

Mas você já naquela época recebia a visita de líderes ocidentais. Você consegue se lembrar de seus primeiros contatos com políticos da Alemanha Ocidental?

Os alemães estavam curiosos sobre o que estávamos fazendo ou o que estávamos planejando. Lembro-me de uma reunião com Hans Dietrich Genscher, então ministro do Exterior. Isso foi provavelmente em Paris, em 1981. Ele veio ao meu hotel incógnito. Ele perguntou: "O que você vai fazer?" E eu lhe disse pela primeira vez: "Vamos derrubar o Muro de Berlim, vamos destruir o comunismo". Ele ficou surpreso e se recusou a acreditar nisso. Mais tarde, quando tudo isso se tornou realidade, ele me disse, em nosso último encontro: "Tenho medo de falar com você porque tudo o que você diz antes vira realidade".

Mas a política oficial da Alemanha Ocidental naquela época era de fato muito restrita. Você não se ressente de que, especialmente o então governo social-democrata alemão, não tenha apoiado abertamente o Solidariedade?

A metade dos alemães sempre nos ajudou, a outra foi contra, porque temia os soviéticos. Mas isso foi muito bom, porque se os alemães nos tivessem ajudado demais, teriam dado um pretexto à Rússia. E assim tudo foi equilibrado.

Você recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1983 e hoje é provavelmente o polonês vivo mais famoso do mundo. Mas na Polônia você tem não só amigos, mas também inimigos, que vêm mesmo de seu círculo mais próximo. Você foi acusado até de ter sido agente dos serviços secretos. Como você explica isso?

Ninguém pode entender o que eu passei. Portanto, cada um me julga à sua maneira. E muitos pensam que um eletricista sozinho nunca poderia ter feito isso. É impossível. Alguém deve ter o ajudado. Se não foram seus conselheiros, então deve ter sido a segurança do Estado. Isso é compreensível. Fiz tudo com total compromisso e honestidade, o melhor que pude. E se alguém pensa que eu era um agente, poderia ter feito um trabalho melhor que eu. E se alguém poderia ter feito, mas não o fez, é um agente e um porco.

Como você vê seu lugar na história?

Estou no fim do meu caminho, estou muito velho. Eu me propus a fazer o sistema colapsar, e o fiz. Fiz do meu jeito. E entreguei. Agora é com vocês.

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