Leve indisciplina
14 de dezembro de 2010O Brasil e sua economia emergente continuam chamando a atenção internacional. Passada a fase eleitoral, o Deutsche Bank realizou uma análise da situação do país. E a conclusão não é de assustar os mercados financeiros.
Com Dilma Rousseff na presidência, o banco alemão acredita na continuidade da política financeira de Lula. Segundo o documento Brasil depois das eleições – o que vem agora?, as condições são favoráveis para que o país continue crescendo nos próximos quatro anos e continue gozando de estabilidade financeira.
"Nós temos tido essa avaliação positiva em relação ao Brasil praticamente desde que Lula chegou ao poder. Temos uma visão favorável quanto ao panorama de crescimento brasileiro a médio prazo", disse Markus Jaeger, analista do Deutsche Bank.
Há, no entanto, algumas ressalvas na análise. Um leve desapego ao modelo econômico, que levou o Brasil ao sucesso nos últimos oito anos, deverá continuar, inclusive no que diz respeito às metas quantitativas. Isso já foi observado no segundo mandato do governo Lula, diz o banco. A desobediência às normas estipuladas pela administração federal, no entanto, seria "gerenciável" segundo a análise.
Menos disciplina
Segundo o estudo, o governo continuará comprometido em atingir a meta de superávit primário de 3,1% do Produto Interno Bruto. No entanto, sucessivas mudanças contábeis reduziram a transparência fiscal, o que colocaria os dados oficiais divulgados em cheque. E ainda: gastos sob a forma de empréstimos a bancos públicos e a empresas estatais devem continuar, mas em ritmo menor.
Para o Deutsche Bank, apesar de o país ter se comprometido a frear os gastos públicos, as propostas para que isso ocorra ainda não são concretas – e a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 deixarão a tarefa mais difícil.
Outro ponto que não deve ser obedecido à risca está ligado à política monetária. Segundo o relatório, apesar da independência do Banco Central, algumas decisões do governo fazem o mercado pensar que a administração federal possa estar tentando influenciar a política monetária "pela porta dos fundos". Esse seria o caso do anúncio de revisão por parte do governo do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), usado no cálculo da inflação.
Quanto à política cambial, o Deutsche assinala que o governo brasileiro continua apegado à "flutuação suja", e que pode se tornar ainda mais suja. E ressalta uma política de intervenção do Banco Central assimétrica: interfere quando a moeda está sob pressão de valorização, mas age com muito menos força quando o real se encontra sob pressão de depreciação.
Consequências
Sobre os efeitos que a avaliação do banco alemão pode surtir, o analista do Deutsche Bank Markus Jaeger pontua: "Nossa avaliação pode mostrar, até certo ponto, um enfraquecimento da disciplina econômica. Mas eu insisto: isso não deve representar risco considerável para o crescimento agora. No entanto, isso é algo que, talvez, os investidores queiram acompanhar e que os políticos brasileiros queiram discutir mais ativamente. E nós gostaríamos de contribuir com esse debate."
O analista relativiza o desempenho brasileiro frente aos demais integrantes do BRIC, lembrando que China e Índia crescem a taxas maiores. "Mas em comparação com outros mercados emergentes, especialmente olhando para o próprio passado brasileiro, o país tem ido muito bem", pontua Jaeger.
E é justamente por esse motivo que reformas profundas não devem aparecer no panorama brasileiro nos próximos anos: "O Brasil está numa posição sólida. Está indo bem. E é normal que, quando a economia de um país esteja indo bem, o governo não queira fazer reformas políticas dolorosas. Isso é histórico no Brasil, e também em outros países", diz o analista do Deutsche Bank.
Mas a recomendação é clara: uma maior disciplina e uma interpretação mais rigorosa dos objetivos do modelo econômico ajudariam a dissipar as crescentes preocupações sobre uma tendência de deriva da política econômica brasileira.
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Carlos Albuquerque