Mariana: Brasil assina acordo de R$ 170 bi com mineradoras
25 de outubro de 2024
Renegociação de acordo de 2016 no Brasil com mineradoras por desastre ambiental saiu do papel, dias após início de julgamento da BHP em Londres. Novo pacto prevê fundo de R$ 100 bi gerido pelo BNDES.
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Passados quase nove anos desde o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), as mineradoras Vale, BHP e Samarco assinaram nesta sexta-feira (25/10), em Brasília, um novo acordo que prevê R$ 170 bilhões em reparações à população e ao meio ambiente afetados pelo desastre ambiental, considerado um dos maiores da história recente do Brasil.
Desse valor, R$ 100 bilhões reverterão para a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Os recursos, divididos em parcelas anuais ao longo de 20 anos, serão destinados a iniciativas como reassentamentos, indenizações, recuperação da bacia do Rio Doce e obras de infraestrutura.
A verba será gerida pelo Fundo Rio Doce, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo este, o primeiro pagamento, de R$ 5 bilhões, será feito 30 dias após a assinatura do acordo.
Além disso, as mineradoras terão que destinar R$ 32 bilhões a ações de reparação já em andamento, como o reassentamento das comunidades mineiras de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo.
Pelos novos termos, as mineradoras terão que implementar um sistema de indenização para quem não conseguiu comprovar documentalmente os danos sofridos e que tenha ficado sem acesso à água potável. A medida deve beneficiar 320 mil pessoas, segundo estimativa do governo federal.
O valor de R$ 170 bilhões considera outros R$ 38 bilhões que as mineradoras alegam já ter desembolsado por meio da Fundação Renova, fruto de um compromisso firmado em 2016 pelas próprias empresas. Esse acordo anterior, que foi questionado pelo Ministério Público Federal, acabou sendo considerado insuficiente para "assegurar os direitos dos atingidos a uma reparação justa e satisfatória" e garantir a recuperação ambiental de áreas afetadas.
O novo pacto foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A assinatura transcorreu no Palácio do Planalto, em Brasília, na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos governadores Romeu Zema (MG) e Renato Casagrande (ES).
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Julgamento em Londres pede R$ 230 bi
O acordo desta sexta-feira é fruto de uma negociação que durou dois anos e teve início ainda durante a gestão de Jair Bolsonaro. Ele saiu do papel apenas quatro dias após o início de um mega julgamento no Reino Unido contra a BHP, mineradora anglo-australiana acionista da Samarco, empresa que controlava a barragem do Fundão.
O caso, que tramita na justiça britânica desde 2018, é movido por 620 mil pessoas, 46 municípios e 1,5 mil empresas afetadas no Brasil, que pedem uma indenização de R$ 230 bilhões, numa das maiores ações coletivas da história.
Segundo a Agência Pública, até o dia 18 de outubro, quando a data de assinatura do acordo brasileiro ainda não havia sido divulgada pelo governo, os atingidos pelo desastre sequer conheciam os termos do tratado.
O rompimento da barragem de Fundão aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, liberando no meio ambiente 44,5 milhões de metros cúbicos de lama tóxica, o equivalente a 13 mil piscinas olímpicas.
O dano se estendeu pelos dias subsequentes, quando outros 13 milhões de metros cúbicos continuaram escoando. Ao todo, os rejeitos percorreram 675 quilômetros, atingindo o Rio Doce, desaguando no oceano Atlântico e chegando ao Espírito Santo e sul da Bahia. Dezenove pessoas morreram.
Em 2016, Samarco, Vale e BHP assinaram um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) com a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e criaram a Fundação Renova, para reparar os danos causados pelo rompimento.
ra/av (DW, ots)
Mariana, cinco anos depois
Em 5 de novembro de 2015, uma onda de lama matou 19 pessoas e aniquilou o distrito de Bento Rodrigues. Os moradores seguem convivendo com as sequelas do maior desastre ambiental do Brasil. E com a incerteza.
Foto: Nádia Pontes/DW
Vazio em Bento Rodrigues
Pelas ruínas do antigo distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, cavalos são praticamente os únicos a trafegar cinco anos após a tragédia, provocada pelo rompimento da barragem Fundão, das mineradoras Samarco, Vale e BHP. Uma placa fixada por antigos moradores nas ruínas avisa: “Este território pertence ao POVO atingido pelo rejeito da Samarco”.
Foto: Nádia Pontes/DW
Resistência
Apesar do vazio e da destruição, algumas famílias de antigos moradores costumam passar fins de semana em Bento Rodrigues. As construções que resistiram à onda de rejeitos foram saqueadas: portas, janelas, rede elétrica foram levados. A casa de um dos membros da família Quintão (foto) foi recuperada e virou um refúgio onde buscam forças, como disseram à reportagem.
Foto: Nádia Pontes/DW
Atraso no novo Bento Rodrigues
Vista da portaria controlada pela Fundação Renova que dá acesso ao novo Bento Rodrigues. O reassentamento deve abrigar 235 casas – apenas duas estão prontas e 35, em construção. Segundo a Renova, cerca de 140 projetos foram protocolados na prefeitura. Na foto, vê-se a futura unidade de saúde (esq.) e a futura escola (ao fundo).
Foto: Nádia Pontes/DW
Era uma escola
No distrito de Paracatu, em Mariana, o rejeito da mineração continua dentro do prédio da escola. Documentos, carteiras, cadernos, cadeiras e brinquedos seguem empilhados após a onda de lama que destruiu parte da comunidade. Por enquanto, os alunos foram realocados para uma escola provisória, no centro de Mariana.
Foto: Nádia Pontes/DW
Futuro Paracatu de Baixo
Local escolhido para reassentar 97 famílias de Paracatu de Baixo. Segundo o Ministério Público de Minas Gerais, obras de terraplenagem das vias de acesso estão em andamento, com o início de construção de oito casas e da escola. O prazo de entrega do reassentamento pela Fundação Renova, indeterminado até então, é motivo de disputa numa ação civil pública.
Foto: Nádia Pontes/DW
Pouca informação
Maria Benigna é uma das moradoras de Paracatu que decidiram permanecer no povoado após a tragédia. Ela recebe ajuda emergencial da Renova, mas não sabe como está o andamento das obras do reassentamento, nem se viverá no novo local. A maior parte dos antigos vizinhos se mudou para o centro de Mariana, em moradia provisória paga pela fundação.
Foto: DW/N. Pontes
Marcas permanentes
No distrito de Gesteira, pertencente ao município de Barra Longa, marcas da lama ainda estão impregnadas em paredes que resistiram. O terreno para o novo reassentamento foi escolhido em 2016 com expectativa inicial de entrega, segundo a Samarco, em 2018. Atualmente sem prazo para conclusão, as obras incluem a reconstrução de oito casas, igreja, salão paroquial e campo de futebol.
Foto: Nádia Pontes/DW
Lama em praça pública
No centro de Barra Longa, a praça próxima ao rio do Carmo, que transportou os rejeitos da barragem da Samarco, agora está reconstruída. A lama invadiu a área, ocupou casas e a escola infantil que fica no local. Maria Celeste Mol Ribeiro (foto), proprietária de um hotel atingido, aguarda a restauração do prédio histórico. Enquanto isso, vive numa casa provisória. “A paciência está esgotada”, diz.
Foto: Nádia Pontes/DW
Impacto ambiental
Embora a Fundação Renova afirme que a qualidade da água na parte atingida da bacia do rio Doce esteja de volta aos padrões pré-tragédia, moradores e autoridades desconfiam do dado. Segundo o Ministério Público, falta transparência na apresentação das informações. Relatório da Rede Rio Doce Mar apontou aumento da concentração de metais em época de chuvas. Na foto, capivara às margens do rio Carmo.
Foto: Nádia Pontes/DW
De volta à ativa
A Samarco prevê retomar as operações no fim de 2020: uma volta gradual com 26% da capacidade e produção estimada em 8 milhões de toneladas anuais. Um sistema de filtragem está sendo implantado com 80% do rejeito empilhado a seco. Outros 20% irão para a Cava Alegria Sul, uma estrutura natural rochosa que “permite a contenção natural do rejeito de forma mais segura”, segundo a mineradora.