Quase 40 anos após descoberta do vírus, belga Peter Piot admite surpresa diante da dimensão da epidemia atual. Ele critica reação lenta a pedidos de ajuda e teme que surto se espalhe para além da África.
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Um dos pesquisadores que descobriu o vírus ebola, em 1976, foi o professor belga Peter Piot, que é atualmente diretor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. Além de ser um cientista renomado, ele é também um ex-diplomata, tendo servido como subsecretário-geral da ONU de 1994 a 2008.
Quando Piot estava em seu o último ano do curso de medicina, na cidade belga de Gent, alguns professores lhe disseram que não havia futuro para uma especialização em doenças infecciosas, devido à grande disponibilidade de antibióticos e vacinas.
Mas o jovem Piot era fascinado por micróbios e apaixonado por como esses organismos microscópicos podem ter um impacto enorme em seres humanos. Por isso, ele decidiu ignorar o conselho dos mestres – uma decisão que o levou a se tornar um dos maiores especialistas em ebola do mundo.
Alguns anos depois de se formar na faculdade de medicina, ele se especializou em microbiologia na Escola de Medicina Tropical de Antuérpia. "Um dia, recebemos um recipiente com alguns frascos com sangue de uma freira morta em um país então chamado Zaire [agora República Democrática do Congo] e se acreditava que ela tivesse morrido de febre amarela", conta.
O pesquisador e seus colegas isolaram, então, o que hoje é conhecido como ebola, um dos vírus mais letais já descobertos. "E, assim, eu acabei no meio da África, no Zaire, e esta foi a minha entrada apoteótica no mundo da saúde global, algo que sequer existia na época", conta.
Quase quatro décadas se passaram desde a descoberta do ebola. Mas, com o anúncio feito pela ONU de que o atual surto em vários países da África Ocidental representa uma ameaça global para a paz e a segurança, Piot se vê mais uma vez na linha de frente da guerra contra o vírus mortal. Ele admite ter sido pego de surpresa pela grande escala da atual epidemia, que é a 25ª em toda a África.
Maior surto de ebola da história
A África enfrenta a pior epidemia de ebola. Não existem medicamentos ou vacina para conter a doença. Perante surto, a Organização Mundial da Saúde liberou o uso de substâncias experimentais em pacientes infectados.
Foto: Reuters
Conhecido desde 1976
O vírus do ebola foi descoberto em 1976 na República Democrática do Congo por uma equipe de pesquisadores da Bélgica. A doença foi batizada com o nome do rio que passa pelo vilarejo onde ela foi identificada pela primeira vez. Desde então, já houve 15 epidemias nos países africanos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Foto: Reuters
Chances mínimas
Há diversas variações do vírus, e apenas algumas causam a febre hemorrágica. Ainda não há vacina ou medicamentos aprovados para combater o ebola. A doença é fatal na maioria dos casos: a taxa de mortalidade é de 90%. O diagnóstico é feito através de exames laboratoriais.
Foto: AFP/Getty Images
Sintomas
Os sintomas, que aparecem entre 2 e 21 dias após a infecção, são fraqueza, dores de cabeça e musculares, calafrios, falta de apetite, dor de estômago e de garganta, diarreia, vômitos e febre hemorrágica. As principais regiões do corpo afetadas são o aparelho digestivo, o baço e o pulmão.
Foto: picture alliance/AP Photo
Contágio
A transmissão do ebola ocorre apenas através de fluídos corporais, ou seja, deve haver contato direto entre as pessoas ou animais infectados, e também por meio do contato com ambientes contaminados. Ele se propaga, por exemplo, em hospitais, entre enfermeiros e médicos que tratam de pessoas infectadas. Além disso, pode ser transmitido ao se tocar no corpo de pessoas que morreram dessa doença.
Foto: Reuters/Unicef
De animais para humanos
Animais infectados também transmitem a doença. O ebola foi introduzido na população humana através de contato com sangue, secreções, órgãos e fluídos corporais de animais que carregavam o vírus. Morcegos, por exemplo, são hospedeiros do vírus, mas eles não adoecem e podem carregar o ebola consigo até o fim da vida.
Foto: picture-alliance/dpa
Informação é o melhor remédio
Campanhas de esclarecimentos sobre o ebola são fundamentais para conter o avanço da epidemia. A única maneira de evitar uma infecção são medidas preventivas, como melhores condições de higiene nos hospitais, uso de luvas e a quarentena.
Foto: Sia Kambou/AFP/Getty Images
Atual epidemia
Os primeiros casos do atual surto de ebola foram confirmados em março deste ano na Guiné. Desde então, a pior epidemia dessa doença da história já se alastrou por seis países africanos. Casos já foram registrados na Libéria, em Serra Leoa, na Guiné, na Nigéria, na República Democrática do Congo e no Senegal.
Foto: picture-alliance/dpa
Fronteiras fechadas
Os governos de Serra Leoa, Libéria e Nigéria decretaram estado de emergência devido à epidemia. O surto levou alguns países africanos a colocar em quarentena regiões fortemente atingidas pela doença. Além disso, para tentar evitar a propagação da epidemia, países como Guiné, Libéria e Costa do Marfim fecharam suas fronteiras.
Foto: Reuters
Mais de mil mortes
A OMS considerou o atual surto de ebola com o maior e pior da história. Desde março, mais de 3 mil casos da doença já foram confirmados e mais de 1.500 pessoas morrem de ebola. Entretanto, a agência teme que mais de 20 mil pessoas possam ser infectadas até que a epidemia seja controlada.
Foto: DPA
Vida em risco
No atual surto há uma elevada taxa de infecção entre profissionais de saúde que cuidam de pacientes com ebola. Mais de 240 médicos e enfermeiros já foram infectados e mais de 120 morreram. A falta de roupas de proteção e o cansaço após jornadas exaustivas de trabalho são as razões para essas infecções. Alguns deles estão recebendo o tratamento em países europeus e nos Estados Unidos.
Foto: Getty Images/Afp/Seyllou
Medicamentos experimentais
O médico americano Kent Brantly foi tratado nos Estados Unidos com o soro experimental ZMapp. Após três semanas de isolamento ele foi curado. Mas a eficácia desse medicamento é controversa. Um padre espanhol tratado com esse soro não sobreviveu. Perante a gravidade da crise, a OMS aprovou em meados de agosto a utilização de substâncias experimentais contra o ebola.
Foto: picture-alliance/dpa
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"Todas as epidemias anteriores foram bastante limitadas em termos de tempo e espaço, geralmente afetando vilas ou pequenas cidades, e se extinguiriam após o clássico isolamento e quarentena. Mas neste caso é diferente", diz.
Piot tem constantemente criticado a reação lenta dos parceiros nacionais e internacionais aos pedidos de ajuda para conter o surto. "Não vamos esquecer que, na Libéria, existe cerca de um médico para cada 100 mil pessoas, e neste meio tempo vários deles morreram infectados pelo ebola", afirma.
As Nações Unidas criaram agora a Missão da ONU para Resposta Emergencial ao Ebola (UNMEER, na sigla em inglês). As primeiras equipes chegaram à África Ocidental nesta segunda-feira (22/09).
Na Alemanha, a ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, disse estar lisonjeada com a resposta à sua convocação de voluntários das Forças Armadas para ajudar na luta contra o ebola. Até esta quarta-feira, 2 mil militares e civis haviam se voluntariado.
Segundo Piot, o atual surto de ebola deve ser o último em que comunidades inteiras ficam isoladas e em quarentena. O que é necessário, diz, são estoques de vacinas e medicamentos em regiões onde o vírus pode ressurgir, de modo que a resposta possa ser imediata.
Nesta quarta-feira, Piot foi citado pela agência de notícias alemã DPA, dizendo que estava com medo de que o vírus se espalhe para além do continente africano. Um dos muitos indianos que vivem na África Ocidental poderia ser infectado, viajar de volta à Índia durante o período de incubação e lá infectar parentes e, possivelmente, também médicos e assistentes sem a roupa de proteção necessária, alerta o especialista.