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Desertores pedem que turistas boicotem a Coreia do Norte

Julian Ryall
24 de junho de 2019

Críticos dizem que fluxo de visitantes ajuda a sustentar dinastia Kim, além de servir para fins de propaganda. Mas agências de viagens argumentam que interação com estrangeiros é positiva para o povo norte-coreano.

Turista europeu fotografa uma funcionária norte-coreana do aeroporto de Pyongyang
Turista europeu fotografa uma funcionária norte-coreana do aeroporto de Pyongyang, após chegar num voo vindo da ChinaFoto: picture-alliance/AP/D. Guttenfelder

Curiosos em observar pessoalmente um país que está constantemente no noticiário, turistas têm agendado em número recorde visitas à Coreia do Norte. Só que essa tendência vem sendo criticada por desertores que fugiram de um regime que aprisionou seus familiares e amigos. 

A grande maioria dos turistas provém da vizinha China. O jorna estatal norte-coreano Global Times relatou que houve um aumento significativo nas chegadas de chineses no primeiro semestre deste ano. 

Nos primeiros três meses de 2019, cerca de duas mil pessoas atravessaram a fronteira entre os dois países. Com uma infraestrutura turística limitada de hotéis e restaurantes, as autoridades norte-coreanas anunciaram em março a imposição de um limite de mil entradas de estrangeiros por dia.

Ao todo, aproximadamente 100 mil turistas visitaram a Coreia do Norte no ano passado – todos tiveram que ser incluídos em grupos que foram precavidamente levados a locais que o regime de Kim Jong-un deseja propagandear. 

Estes locais incluem a enorme praça Kim Il-sung, geralmente vista na televisão repleta de soldados marchando em desfiles militares, bem como a Torre da Ideologia Juche e uma réplica da cabana de montanha na qual – segundo o que é ensinado ao povo norte-coreano – Kim Jong-il, pai do atual ditador do país, nasceu.

A Torre da Ideologia Juche está localizada na margem oriental do rio Taedong, em frente à praça Kim Il-sungFoto: Getty Images/AFP/E. Jones

Outra grande atração são os chamados “Jogos de Massa”, em que milhares de crianças executam coreografias no Estádio 1º de Maio Rungrado – com 114 mil lugares, o maior estádio do mundo – em louvor à nação e a seus líderes.

As performances deste ano foram abruptamente suspensas depois que Kim expressou descontentamento e não está claro quando elas serão ser retomadas – mas ainda os turistas seguem visitando o estádio.

Mas Gyungbae Ju gostaria que fosse diferente. "Os turistas não deveriam pisar na Coreia do Norte", disse ele em entrevista à DW. "Qualquer um que for lá vai ser manipulado pelo regime e só vai escutar o que a Coreia do Norte quiser que seja ouvido."

"Infelizmente, como eles não têm outras fontes de informação sobre como é a vida na Coreia do Norte, e não têm a chance de ver quão miseráveis são as vidas das pessoas comuns, eles vão pensar que a Coreia do Norte é um país seguro e feliz", afirmou o desertor. "Não é seguro e não é feliz."

Ju fugiu da Coreia do Norte em 2008 depois de ficar desiludido com o regime. Seu pai era um prisioneiro político e foi levado quando Ju tinha nove anos. Uma de suas irmãs mais velhas também foi enviada para a prisão e Ju disse não saber se ela está viva ou morta.

Ele contou acreditar que sua outra irmã está viva e ainda trabalha como médica, mas não fez nenhum esforço para contatá-la em vários anos. Segundo ele, seria perigoso para ela se as autoridades de segurança da Coreia do Norte descobrissem que ela esteve se comunicando com alguém de fora do país.

"Os visitantes da Coreia do Norte são informados sobre a 'vitória da ideologia Juche' no país. Eles são informados sobre a grandeza da família Kim", disse Ju. "Eu sei disso porque é exatamente o que aprendi quando estava na escola. Mas é mentira."

Propaganda e dinheiro

Kwangil Heo, que desertou da Coreia do Norte em 1985 e demorou dois anos para chegar em segurança na Coreia do Sul, disse que Pyongyang tem duas motivações principais para atrair mais turistas estrangeiros: uma é alimentá-los com propagando do regime, a outra é receber moeda forte.

"Desde que as Nações Unidas introduziram sanções, os norte-coreanos estão realmente em apuros", disse Heo. "O turismo é uma das poucas maneiras que eles ainda têm para ganhar dinheiro."

O Grande Palácio de Estudos do Povo, em PyongyangFoto: Getty Images/X. Chu

"O dinheiro que os turistas gastam para ir até lá, e qualquer coisa que consomem quando estão na Coreia do Norte, vai diretamente para as contas de Kim, que usa os valores para comprar a lealdade das facções políticas e dos líderes militares – que ele precisa manter felizes para se sustentar no poder", afirmou Heo, que é presidente do Comitê para a Democratização da Coreia do Norte, com sede em Seul.

"O turismo tem ajudado a manter vivo o regime norte-coreano. Essa atividade deveria estar sob as sanções internacionais para impedir que esse dinheiro chegue a Kim", concluiu Heo.

Mas nem todo mundo concorda.

"O turismo não apoia o regime norte-coreano e as pessoas que visitam a Coreia do Norte não estão expressando um endosso", disse Simon Cockerell, gerente geral de uma agência de viagens da Coreia do Norte, a Koryo Tours. "Da mesma forma, nenhuma empresa de viagens que esteja levando visitantes para a China diria que seus viajantes estavam apoiando o governo chinês."

Cockerell também negou que o dinheiro do setor de turismo esteja sendo canalizado para o regime, apontando que hotéis, restaurantes e outros parceiros de viagem da Coreia do Norte precisam pagar seus próprios funcionários e custear outras despesas gerais.

"A maioria dos norte-coreanos nunca teve a oportunidade de interagir com estrangeiros", disse Cockerell, em entrevista à DW. "Estas são pessoas cuja única compreensão sobre estrangeiros é o que lhes é dito pelo seu próprio governo. Portanto, quando encontram estrangeiros, eles têm uma perspectiva bastante diferente."

E, segundo Cockerell, quando eles perceberem que tudo o que o Estado lhes disse anteriormente estava incorreto, eles começarão a questionar outras "verdades" que foram propagandeadas pelo regime ao longo de suas vidas. 
 

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