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"Desilusão com democracia impulsiona protestos radicais"

21 de setembro de 2023

Com manifestações, jovens ativistas climáticos tentam chamar a atenção para a importância do combate às mudanças climáticas. Para especialista, há grande frustração com falta de ações governamentais.

Portão de Brandemburgo com cordão de isolamento e com manchas de tinta
Ativistas jogam tinta no portão de BrandemburgoFoto: Paul Zinken/dpa/picture alliance

Na última semana, diversos grupos de ativistas do clima mobilizaram protestos em várias partes do mundo. O objetivo dos atos era pressionar governos e líderes mundiais reunidos em Nova York para a 78ª Assembleia-Geral das Nações Unidas a tomarem medidas para minimizar as mudanças climáticas.

Essas ações suscitam a dúvida se são realmente eficazes para barrar o aquecimento global. Na sexta-feira (15/09), por exemplo, estudantes secundaristas engajados no Fridays For Future protestaram contra o uso de transportes com energia fóssil. O grupo, criado em 2015, promoveu a greve mundial pelo clima, em que não foram à escola e ocuparam praças por capitais europeias.

Na capital alemã, manifestantes borrifaram tinta sobre o portão de Brandenburgo com extintores de incêndio no domingo. Eles clamavam por uma mudança na matriz energética dos países. Em Nova York, militantes da Avaaz projetaram no céu da cidade com luzes de led atadas a drones mensagens que cobravam as autoridades pela preservação da Floresta Amazônica.

Para Paulo Artaxo, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), protestos desse tipo são insuficientes para convencer os líderes globais. Em entrevista à DW, o físico pontua que estratégias de manifestações mais radicais refletem desespero com falta de ação de órgãos governamentais.

"Há casos de gente que se prende no asfalto ou destrói obras de arte em museus. Já o outro, prima muito mais por chamar atenção sem agredir. Não é um mais eficiente que o outro, mas a agressão só ocorre porque falta credibilidade na democracia. Por isso adotam essa atitude de desespero", destaca.

DW: Esse tipo de protesto é eficaz para pressionar governos a se mobilizarem contra a mudança climática?

Paulo Artaxo: O objetivo não é influenciar líderes globais, e sim a opinião pública, para chamar a atenção. Mas não é pintando o portão de Brandemburgo que vão influenciar o Parlamento alemão. Interpreto isso como uma ação mais de desespero do que algo para efetivamente tentar reverter a situação que está ficando obviamente cada vez mais crítica. A questão da mudança climática global envolve a falta de ação de todos os órgãos governamentais, não só a ONU, mas também países e empresas.

Não sou um defensor de ações desse tipo, acho que são pouco efetivas. No final é um tiro no pé, pode fazer com que a opinião pública se volte contra a causa. Acho que não é uma prática que deveria ser adotada. Mas aceito que parte da população que atingiu esse nível de insatisfação com a situação climática, mobilize essas ações.

Eu não faria isso, mas entendo que uma fração da população esteja sentindo uma gigantesca frustração pela falta de ação climática, tanto da ONU, estados e países. O discurso do presidente Lula foi enfático, deixando claro a insatisfação com a falta de ação dos países desenvolvidos na questão climática.

Como esses protestos poderiam ser mais eficientes?

É um reflexo da emergência climática. Particularmente quem é jovem e vai ter 70 anos na década de 2050 realmente vai ter um clima muito mais inóspito do que o que temos hoje. Acho que não existe um modelo ideal. O problema é muito mais grave do que isso. A qualidade da democracia no planeta inteiro diminuiu muito.

Temos um problema gravíssimo de falta de qualidade na democracia. Temos um Congresso que é composto de ruralistas comprometidos em destruir a Amazônia para que tenham o maior lucro possível no menor tempo possível. Isso não reflete as necessidades da população. Isso é verdade também nos Estados Unidos e governos europeus e é um reflexo da queda da qualidade da democracia.

Em todos os países contemporâneos é uma questão muito mais ampla do que a climática. Não nos sobrou nada. Leio esses manifestos de que não nos sobrou nada a fazer a não ser pixar o portão de Brandemburgo. É uma questão complexa quando temos uma degradação do sistema democrático a este nível.

Há exemplos de protestos de ativistas climáticos que deram certo?

O mais importante desses protestos nesta estrutura é o da Greta Thunberg. Queira ou não, esse movimento conseguiu atrair a atenção e efetivamente fazer com que o planeta como um todo se voltasse para a questão das mudanças climáticas. Assim, canalizou o sentimento de milhões de jovens.

Existem muitas Gretas Thunberg no Brasil como um todo. É uma questão importante a forte mobilização da juventude com protestos explícitos em relação à falta de qualidade da nossa democracia, haja vista que o voto hoje não consegue resolver os principais problemas do planeta e dos países, e isso é preocupante.

Têm também manifestações dos jovens na causa indígena, são bastante ativos, tem movimento pela moradia, com quantidade forte de jovens atuando nesses movimentos é visível. Há cinco anos não existia isso, era novidade total.

A tendência desses movimentos é crescer, e ainda bem porque realmente nós estamos em um nível de emergência climática, com o planeta indo para um aquecimento de três graus, e que vai trazer consequências gigantescas para o planeta todo.

No que a organização desses atos acerta e falha?

A mensagem é muito clara: mostrar que a voz da ciência tem um impacto importante nessa juventude. O pessoal mais velho se deixa levar pelos interesses econômicos de curto prazo, há claramente uma divisão importante no planeta como um todo. Esses movimentos têm seu papel, mas por outro lado, tenho dúvida se têm eficácia.

Em qualquer capital europeia hoje é cheio de adolescentes e jovens fazendo panfletagem sobre a emergência climática. Isso é bom para nossa democracia para realmente fazer com que os nossos governantes acordem para uma questão absolutamente estratégica do planeta.

Um tipo de protesto é mais agressivo. Há casos de gente que se prende no asfalto ou destrói obras de arte em museus. Já o outro, prima muito mais por chamar atenção sem agredir. Não é um mais eficiente que o outro, mas a agressão só ocorre porque falta credibilidade na democracia. Por isso adotam essa atitude de desespero.

Dentro do regime democrático a maneira tradicional de se expressar é através do voto, só que as pessoas perderam a confiança nesse instrumento básico da democracia, não acreditam mais que votando em candidatos possam efetivamente mudar questões importantes no planeta. É a perda da credibilidade na democracia, perda da qualidade da democracia que está fazendo com que esses jovens tenham esse tipo de ação. É um recado forte para a humanidade.

Que outros mecanismos regimes democráticos dispõe para controlar o aquecimento global?

Um dos instrumentos que estão crescendo rapidamente é a litigância jurídica, é apelar para os tribunais para que forcem os governos a mudar de atitude. Por exemplo, o estado da Califórnia abriu processo contra petroleiras porque sabiam que estavam fazendo estrago no clima do planeta e, basicamente, não fizeram nada. Isso tem implicações jurídicas.

A corte de Haia tem dezenas de ações contra as indústrias do petróleo ou governos que se negam a implementar medidas para reduzir emissões. Mas uma via não exclui a outra, elas se complementam e todas são válidas. Podem ser mais efetivas em um aspecto e menos em outra, isso só reflete o desespero de parte da população. Com a emergência climática o negócio ficou crítico.

Jéssica Moura Escreve sobre direitos humanos, política, ciência e saúde.
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