'O problema é a distribuição'
17 de março de 2009O teuto-brasileiro Achim Steiner é diretor-geral do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), com sede no Quênia, além de subsecretário-geral da ONU. À margem do 5º Fórum Mundial da Água, realizado em Istambul de 16 a 22 de março, ele conclamou as nações industrializadas a se empenharem por um melhor abastecimento de água nos países em desenvolvimento.
Sr. Steiner, o senhor tomou uma ducha hoje pela manhã?
Tomei sim, e não faltou água.
No Quênia e em outros países da África é um privilégio ter água suficiente para beber e para banhar-se todos os dias?
O senhor está absolutamente certo, e mesmo o privilégio de tomar uma ducha existe aqui em detrimento de muitas outras possibilidades de se utilizar a água. Justamente este ano já temos novamente seca no Quênia e, como em outras partes do mundo, isso se tornou um desafio diário para milhões de pessoas.
Por que o acesso à água potável é tão difícil em tantos países? Há insuficiente água ou a distribuição é simplesmente injusta?
É como tantas coisas em nossa economia mundial. No fundo, teríamos hoje bastante água para 6 bilhões, 7 bilhões ou 8 bilhões de pessoas. Só que a distribuição geográfica dos contingentes hídricos é muito diversa – este é o primeiro desafio. Em segundo lugar, desperdiçamos água demais. Em muitas partes do mundo o preço dela é tão ínfimo que, no fundo, não vale a pena utilizá-la de maneira econômica, isto é, poupá-la.
Mas também é uma questão de como gerenciamos nossos ecossistemas. E é claro que no último século perdemos grande parte das possibilidades ambientais de gerenciar os recursos hídricos, e também de preservar água para o acesso humano. Nós a perdemos através da destruição dos alagadiços, das zonas ribeirinhas em todo o mundo. Acrescente-se o aquecimento global com suas mudanças climáticas, o que naturalmente agrava essa situação ainda mais para muita gente.
Em que sentido? Pode explicitar?
Em regiões como a África, por exemplo, as pessoas estão expostas de forma cada vez mais extrema à alternância entre a seca e a cheia. Quer dizer: um país como o Quênia pode perder 3%, 4% ou 5% de seu Produto Interno Bruto num ano de seca. E inversamente, três anos mais tarde, ser muito duramente atingido pelas inundações. Estamos, portanto, expostos a uma oscilação maior de mudanças climáticas, as quais também se apresentam em outras partes do planeta.
Um segundo exemplo: devido ao derretimento mundial das geleiras, torna-se cada vez mais incerto o afluxo da água para os rios, os quais abastecem toda a agricultura e, por fim, também todos os territórios habitados. Estamos prevendo que, nos próximos 20 a 30 anos, grande parte das geleiras do Himalaia, por exemplo, derreterão. Isso afetará centenas de milhões de seres humanos que lá habitam há séculos, que organizaram sua agricultura, seu abastecimento d'água por um ritmo que não mais se manterá.
Então o problema vai se agravar. O senhor não é o único que adverte sobre uma crise hídrica global. Haverá guerras da água?
Acho que, quando se trata de água, a humanidade sempre conseguiu se unir. Podemos observar isso no rio Indo, por exemplo, na Índia e no Paquistão, e também em outras partes do mundo. Creio que, na qualidade de seres humanos, sabemos que, afinal de contas, dependemos uns dos outros e que precisamos cooperar quando se trata de água.
Não sou muito amigo da teoria de que a próxima guerra mundial será em torno da água. Mas o que acontece é que conflitos locais podem ser agravados com o fator água, e a isso se somam as dimensões étnicas, os desequilíbrios políticos, o que obviamente gera um grande potencial para conflito. Assim, devemos partir do princípio de que muita gente acabará sendo desalojada à medida em que aumentar a falta d'água.
Um outro exemplo, desta vez relativo às mudanças climáticas. Observando-se a elevação do nível do mar num país como Bangladesh, é possível que nos próximos 30, 40 ou 50 anos até 10 milhões de pessoas sejam forçadas a abandonar o Delta [do Ganges]. Para onde irão? Onde poderão se assentar? E isso tem, naturalmente, um grande potencial de conflito.
Até que ponto a carência aguda de água potável em diversos países impede o desenvolvimento econômico nessas regiões?
Ela se tornou um verdadeiro obstáculo e é também o motivo por que nos últimos meses conclamamos tantas vezes para que se invista também na questão da água – precisamente no contexto da crise econômica global, de um "Global Green New Deal", de programas de apoio conjuntural e medidas econômicas internacionais para estabilizar os mercados de finanças.
Trata-se de uma possibilidade histórica para auxiliar os países em desenvolvimento, mas também para que estes se tornem ativos e invistam num gerenciamento hídrico mais eficiente, também no sentido de uma série de possibilidades supranacionais, o que é, justamente, um tema central no Fórum Mundial da Água.
Portanto, acredito que sinais emitidos pela economia e investimentos num melhor e mais inteligente gerenciamento da água são precondições absolutas para que haja bastante água neste planeta, mesmo para 9 bilhões de habitantes.
Autor: Stefan Heinlein
Revisão. Alexandre Schossler