Destruição de Nimrud pelo "Estado Islâmico" gera indignação
6 de março de 2015
Unesco chama de crime de guerra a destruição da cidade milenar, uma das capitais do Império Assírio. Líderes sunitas e xiitas condenam barbárie perpetrada pelos jihadistas.
Anúncio
A Unesco afirmou nesta sexta-feira (06/03) que a destruição da cidade histórica de Nimrud, um tesouro arqueológico no norte do Iraque, pelo movimento extremista "Estado Islâmico" (EI) é um crime de guerra.
"Não podemos continuar calados. A destruição deliberada do patrimônio cultural constitui um crime de guerra, e apelo a todos os responsáveis políticos e religiosos para que se levantem contra essa nova barbárie", escreveu, num comunicado, a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova.
Ela afirmou ter recorrido ao presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e à procuradora do Tribunal Penal Internacional e apelou à comunidade internacional para que una esforços para conter a catástrofe.
Para Bokova, o que o "Estado Islâmico" está fazendo no Iraque é uma limpeza cultural. Segundo ela, o grupo não poupa nada nem ninguém, visando vidas humanas e minorias e destruindo de forma sistemática um patrimônio milenar da humanidade.
Também a Universidade Al-Azhar do Egito, uma autoridade islâmica respeitada pelos sunitas, manifestou indignação pela destruição de Nimrud e declarou que os jihadistas devem ser erradicados.
"O que a organização terrorista Daesh está fazendo, ao destruir monumentos nos territórios que ela controla no Iraque, na Síria e na Líbia é um crime de grandes proporções contra todo o mundo", afirmou a Al-Azhar, usando a sigla árabe para o Estado Islâmico. "O que Daesh está fazendo é um crime de guerra que a história jamais esquecerá", afirmou, acrescentando que a lei islâmica proíbe a destruição de monumentos.
O principal líder xiita do Iraque, o aiatolá Ali al-Sistani, disse no seu sermão desta sexta-feira que a destruição comprova a barbárie e selvageria do "Estado Islâmico" e também a hostilidade dos jihadistas perante o povo iraquiano, não apenas no presente, mas também perante sua história e civilizações antigas.
Cidade milenar e capital do Império Assírio
O ministério do Turismo do Iraque afirmou que o EI começou nesta quinta-feira a destruir as ruínas assírias de Nimrud, alguns dias após a difusão pelos jihadistas de um vídeo que mostra a destruição de esculturas pré-islâmicas de valor inestimável no norte do Iraque.
O EI "tomou de assalto a cidade histórica de Nimrud e começou a destruí-la com escavadeiras", disse o Ministério do Turismo e das Antiguidades na sua página oficial na rede social Facebook.
A presidente da comissão de Turismo e Antiguidades da província de Ninive, onde fica Nimrud, Balquis Taha, disse que a cidade contém tesouros arqueológicos de valor incalculável. Taha mostrou-se especialmente preocupada com o destino das estátuas de touros alados existentes no local.
Muitos monumentos e outras relíquias foram retirados de Nimrud e levados há muitos anos para Londres, onde estão no Museu Britânico, ou para Bagdá.
A cidade de Nimrud, fundada no século 13 A.C., foi uma das capitais do Império Assírio. Os tesouros das suas tumbas reais foram uma das principais descobertas arqueológicas do século 20. Situa-se nas margens do rio Tigre, cerca de 30 quilômetros a sudeste de Mossul, que é a principal cidade do norte do Iraque e está sob controle do EI desde junho passado.
A destruição de Nimrud é parte da campanha do grupo extremista sunita para impor sua interpretação da lei islâmica por meio da eliminação de relíquias e ruínas pré-islâmicas que, segundo os radicais, promovem a idolatria.
No século 9 A.C., Nimrud, também chamada de Kalhu, era a capital da Assíria, um reino antigo cujo território cobria boa parte do Iraque e da Síria.
"É realmente chamada de berço da civilização occidental, por isso essa parte em especial é tão devastadora", afirmou a arqueóloga Suzanne Bott, que supervisionou o antigo sítio arqueológico para o Departamento de Estado dos EUA.
AS/lusa/ap/afp
"Estado Islâmico": de militância sunita a califado
Origens do grupo jihadista remontam à invasão do Iraque, em 2003. Nascido como oposição ao domínio xiita e inicialmente um braço da Al Qaeda, EI passou por mudanças e virou uma ameaça internacional.
Foto: picture-alliance/AP Photo
A origem do "Estado Islâmico"
A trajetória do "Estado Islâmico" (EI) começou em 2003, com a derrubada do ditador iraquiano Saddam Hussein pelos EUA. O grupo sunita surgiu a partir da união de diversas organizações extremistas, leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação americana e contra a ascensão dos xiitas ao governo iraquiano.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Braço da Al Qaeda
A insurreição se tornou cada vez mais radical, à medida que fundamentalistas islâmicos liderados pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi, fundador da Al Qaeda no Iraque (AQI), infiltraram suas alas. Os militantes liderados por Zarqawi eram tão cruéis que tribos sunitas no Iraque ocidental se voltaram contra eles e se aliaram às forças americanas, no que ficou conhecido como "Despertar Sunita".
Foto: AP
Aparente contenção
Em junho de 2006, as Forças Armadas dos EUA mataram Zarqawi numa ofensiva aérea e ele foi sucedido por Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Bagdadi. A AQI mudou de nome para Estado Islâmico do Iraque (EII). No ano seguinte, Washington intensificou sua presença militar no país. Masri e Bagdadi foram mortos em 2010.
Foto: AP
Volta dos jihadistas
Após a retirada das tropas dos EUA do Iraque, efetuada entre junho de 2009 e dezembro de 2011, os jihadistas começaram a se reagrupar, tendo como novo líder Abu Bakr al-Bagdadi, que teria convivido e atuado com Zarqawi no Afeganistão. Ele rebatizou o grupo militante sunita como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
Foto: picture alliance/dpa
Ruptura com Al Qaeda
Em 2011, quando a Síria mergulhou na guerra civil, o EIIL atravessou a fronteira para participar da luta contra o presidente Bashar al-Assad. Os jihadistas tentaram se fundir com a Frente Al Nusrah, outro grupo da Síria associado à Al Qaeda. Isso provocou uma ruptura entre o EIIL e a central da Al Qaeda no Paquistão, pois o líder desta, Ayman al-Zawahiri, rejeitou a manobra.
Foto: dapd
Ascensão do "Estado Islâmico"
Apesar do racha com a Al Qaeda, o EIIL fez conquistas significativas na Síria, combatendo tanto as forças de Assad quanto rebeldes moderados. Após estabelecer uma base militar no nordeste do país, lançou uma ofensiva contra o Iraque, tomando sua segunda maior cidade, Mossul, em 10 de junho de 2014. Nesse momento o grupo já havia sido novamente rebatizado, desta vez como "Estado Islâmico".
Foto: picture alliance / AP Photo
Importância de Mossul
A tomada da metrópole iraquiana Mossul foi significativa, tanto do ponto de vista econômico quanto estratégico. Ela é uma importante rota de exportação de petróleo e ponto de convergência dos caminhos para a Síria. Mas a conquista da cidade é vista como apenas uma etapa para os extremistas, que pretenderiam avançar a partir dela.
Foto: Getty Images
Atual abrangência do EI
Além das áreas atingidas pela guerra civil na Síria, o EI avançou continuamente pelo norte e oeste iraquianos, enquanto as forças federais de segurança entravam em colapso. No fim de junho, a organização declarou um "Estado Islâmico" que atravessa a fronteira sírio-iraquiana e tem Abu Bakr al-Bagdadi como "califa".
Foto: Reuters
As leis do "califado"
Abu Bakr al-Bagdadi impôs uma forma implacável da charia, a lei tradicional islâmica, com penas que incluem mutilações e execuções públicas. Membros de minorias religiosas, como cristãos e yazidis, deixaram a região do "califado" após serem colocados diante da opção: converter-se ao islã sunita, pagar um imposto ou serem executados. Os xiitas também eram alvo de perseguição.
Foto: Reuters
Guerra contra o patrimônio histórico
O EI destruiu tesouros arqueológicos milenares em cidades como Palmira (foto), na Síria, ou Mossul, Hatra e Nínive, no Iraque. Eles diziam que esculturas antigas entram em contradição com sua interpretação radical dos princípios do Islã. Especialistas afirmam, porém, que o grupo faturou alto no mercado internacional com a venda ilegal de estátuas menores, enquanto as maiores eram destruídas.
Foto: Fotolia/bbbar
Ameaça terrorista
Durante suas ofensivas armadas, o "Estado Islâmico" saqueou centenas de milhões de dólares em dinheiro e ocupou diversos campos petrolíferos no Iraque e na Síria. Seus militantes também se apossaram do armamento militar de fabricação americana das forças governamentais iraquianas, obtendo, assim, poder de fogo adicional.