Deutsche Bahn não chega ao destino
15 de janeiro de 2004Os primeiros dez anos da Deutsche Bahn foram comemorados com toda pompa no luxuoso hotel Ritz Carlton, em Berlim, na tarde de quarta-feira. O chanceler federal alemão, Gerhard Schröder, o ministro dos Transportes, Manfred Stolpe, e, claro, o presidente da companhia ferroviária, Hartmut Mehdorn, estiveram lá para festejar o jubileu, ressaltar os resultados positivos de suas gestões e traçar um futuro otimista.
Eles reconhecem, entretanto, que a DB ainda não chegou ao destino previsto em 1º de janeiro de 1994, quando as estatais Bundesbahn, da antiga Alemanha Ocidental, e Reichsbahn, da ex-Alemanha Oriental, foram fundidas numa empresa de capital societário. "O grande objetivo de aumentar o trânsito sobre trilhos não pôde ser atingido", admite o ministro.
Já o presidente da companhia afirma que, embora a "reforma ferroviária nunca terá fim", "o dever de casa foi feito" e no próximo ano a DB estará apta a ser privatizada com a venda de ações na bolsa de valores. No momento, todo o capital da empresa está nas mãos da União.
Finanças no vermelho
Tirando os convidados para a festa, é difícil encontrar quem veja motivos para comemorar. A fusão visou sobretudo combater o déficit do sistema ferroviário alemão. Em vez de chegar a 2003 com uma dívida total de quase 200 bilhões de euros, como se previa para as redes ferroviárias Bundesbahn e Reichsbahn, a Deutsche Bahn deveria estar trafegando com lucro.
A meta não foi atingida e a dívida da DB soma hoje cerca de 25 bilhões. "Nós contávamos na época com uma evolução melhor do faturamento", diz o professor Gerd Aberle, da Universidade de Giessen, que integrou a comissão que preparou a fusão.
Desde 2001, até mesmo o saldo operacional da Deutsche Bahn está no vermelho. Isto sem contabilizar as despesas com investimentos. Somente a União destinou 4,5 bilhões de euros para a melhoria da rede ferroviária. Para 2004, a verba deverá ser reduzida em cerca de 25%, diante da necessidade de Berlim combater o déficit público. Vários projetos terão de ser adiados, como as novas linhas do trem rápido ICE interligando a Baviera à capital do país.
Menos funcionários, maior produtividade
O ministro Stolpe destaca o aumento de 150% na produtividade da empresa nos últimos anos, assim como a utilização de trens mais velozes e a melhora na limpeza das estações, entre os pontos positivos. Nem por isso o movimento de passageiros tem crescido. Até setembro de 2003, o número de pessoas transportadas havia recuado 0,1% no ano. O índice foi beneficiado pelo inesperado aumento no uso dos trens regionais, compensando o fracasso da meta para as ligações de longa distância.
Um resultado oposto ao pretendido pela direção da Deutsche Bahn, que vem cortando linhas regionais deficitárias e priorizando a ampliação da malha dos trens ICE. "É um resultado magro para o qual mais de 100 mil ferroviários perderam seus empregos", critica Klaus-Dieter Hommel, presidente do sindicato de trabalhadores em transportes GDBA. Hoje, a DB tem pouco mais de 210 mil funcionários.
Passageiros insatisfeitos
Sem tornar o transporte ferroviário mais atraente, as perspectivas de privatização são escassas. "Afinal é o cliente quem traz o faturamento", observa Jürgen Kurz, da Associação de Proteção aos Acionistas (DSW), que não conta com a ida da DB à bolsa tão cedo. Há quem não considere realista qualquer previsão para esta década. Antes de mais nada, é preciso gerar lucro.
Os passageiros têm motivos de sobra para não andar de trem com maior freqüência. O sistema de preços é complicado. Até mesmo os atendentes nos guichês se atrapalham com as inúmeras modalidades e as constantes alterações nas regras. Nas grandes estações, as filas para atendimento costumam ser longas. Linhas regionais de uso diário para ida ao trabalho vêm sendo cortadas. A taxa de pontualidade (com tolerância de cinco minutos) anda abaixo de 80%.
Mais motivos que dificultam a privatização
Além disso, os investimentos em infra-estrutura ferroviária custam caro e, sem perspectiva de retorno, a iniciativa privada não se interessa. Os cofres federais, que sustentam a companhia, estão vazios. E a concorrência vem crescendo. Empresas ferroviárias privadas transportam hoje 8% do total de passageiros. Companhias aéreas de baixo custo proliferaram nos últimos anos, oferecendo passagens baratas e roubando clientes da Deutsche Bahn. Enquanto o movimento de passageiros em trens e pelas estradas diminuiu, o transporte aéreo registrou crescimento de 6,6%.
"Enquanto um vôo for mais barato do que a viagem de táxi para a próxima estação ferroviária, será muito difícil a Deutsche Bahn se firmar no mercado de longa distância", comenta o sindicalista Hommel.