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Verdade e Reconciliação

Frank Räther (lk)29 de outubro de 2008

Há dez anos, a Comissão de Verdade e Reconciliação encerrava seus trabalhos na África do Sul. Sua meta era esclarecer os crimes cometidos durante o regime do apartheid e reconciliar o país. Nem tudo foi cumprido.

Nelson Mandela (e) recebe de Desmond Tutu o relatório da Comissão de Verdade e ReconciliaçãoFoto: picture-alliance /dpa

Em 29 de outubro de 1998, o arcebispo Desmond Tutu entregou ao então presidente da África do Sul, Nelson Mandela, cinco pesados volumes com um total de 3.500 páginas. Eles continham a documentação dos trabalhos da comissão dirigida por Tutu e que tinha por missão passar a limpo o passado de violência do regime do apartheid.

A meta era esclarecer os crimes cometidos no país, evitando que a África do Sul se desmantelasse após o fim do apartheid e permitindo um recomeço com a participação conjunta de agentes e vítimas de atos de violência. Àqueles que estivessem dispostos a falar abertamente sobre as violações que tivessem cometido, acenava-se com a anistia.

Nação arco-íris, uma tarefa gigantesca

"Tínhamos a incumbência de reelaborar nosso passado sombrio, contribuindo assim para sanar um povo traumatizado e ferido", esclarece Tutu. Uma tarefa hercúlea, acrescenta o arcebispo, já que todos os sul-africanos tinham suas lesões. "Queríamos obter a unidade da nação e a reconciliação", é assim que Tutu formula as metas do trabalho da comissão.

Thabo Mbeki: preferência às cotas raciaisFoto: AP

Na época, foi um experimento sem igual no mundo. De fato, a verdade veio em grande parte à tona, se bem que não toda ela. Mas a almejada reconciliação entre negros e brancos, a construção de uma nação arco-íris, como dizia Tutu, não se concretizou. É que o novo chefe de Estado a partir de 1999, Thabo Mbeki, ao contrário de Nelson Mandela, não apostava numa ação conjunta para o bem comum da nação, passando antes a privilegiar os negros em detrimento dos brancos.

Cota racial em vez de qualificação

Em questão de alguns anos, especialistas brancos, muitos dos quais com décadas de experiência, foram afastados de seus cargos. A chance de fazer carreira passou praticamente a inexisitr para jovens diplomandos de pele branca. Só que Mbeki deixou de realizar uma ofensiva em prol da educação entre os jovens negros, que tinham sido abandonados ao deus-dará durante o apartheid.

A conseqüência foi que as decisões ficaram cada vez mais a cargo de funcionários sem a devida competência. "O que falta é uma base ampla de formação, como temos na Alemanha", queixa-se o empresário alemão Claas Daun, muito ativo na África do Sul. "É como numa empresa", continua. "Se você não tem gente boa em quantidade suficiente, não tem uma equipe, a firma anda para trás."

Além do mais, muitos funcionários passaram a dar empregos lucrativos a correligionários, amigos e familiares, a despeito da falta de qualificação. A cota racial passou a contar mais do que as habilidades. Conseguiu-se com isso, no espaço de uma década, que a administração pública em todos os níveis passasse a refletir adequadamente a composição da população – ou seja, mais de 80% são negros. No entanto, muitos setores do setor estatal – em função da falta de qualificação e experiência – são menos eficientes do que antigamente.

"Encher os próprios bolsos"

Tumultos se tornam mais freqüentes na África do SulFoto: AP

As conseqüências são catastróficas sobretudo no nível dos municípios. A educação e a saúde pública se deterioraram consideravelmente e, embora se tenham construído milhões de moradias, gastado muito dinheiro para prover parte da população pela primeira vez com abastecimento de água e energia, e a maioria dos pobres tenha acesso a ajudas do Estado, tudo isso ainda não basta.

Muitas das melhorias sociais impulsionadas pelo governo goram porque não conseguem se impor nas bases. Foi isso que ocasionou tumultos sociais em muitas regiões tidas antigamente como reduto do Congresso Nacional Africano (CNA), que governa o país.

O número de insatisfeitos aumenta. "Existe uma sensação de amargor", diz David Mohale, que vive em Soweto. "Você se lembra dos antigos camaradas, com os quais você lutou antes, e que te levaram para onde estamos hoje. Mas aí eles se esqueceram de você. Só estão interessados em encher os próprios bolsos. Não se preocupam com mais nada."

Instabilidade política e temor de violência

Primeiro realizaram-se manifestações espontâneas, muitas das quais desbaratadas com violência pela polícia, e por fim eclodiram lutas de caráter anárquico pelo poder nas townships e províncias. Outras lideranças negras adquiriram influência e começaram a agitar contra o presidente Mbeki. No congresso do CNA em Polokwane, em dezembro passado, Mbeki acusou essas pessoas de abuso consciente de suas posições no governo para a corrupção e para se enriquecer.

Jacob Zuma: novo homem forte no Congresso Nacional AfricanoFoto: AP

Foi nesse congresso que Mbeki perdeu a liderança do CNA, sendo derrotado pelo populista Jacob Zuma. Há um mês, ele foi afastado da presidência pela nova liderança política do país. A maneira como tudo isso aconteceu levou, por sua vez, a uma reação de parte dos integrantes do Congresso Nacional Africano, que estão prestes a fundar um novo partido.

Os correligionários das duas correntes se tornam cada vez mais militantes; observadores temem que possa haver uma eclosão de violência entre eles nas eleições agendadas para o ano que vem. É possível que isso reflita no Mundial de Futebol de 2010, que na verdade deveria transcorrer numa atmosfera de paz e tranqülidade – apresentando a "nova África do Sul".

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