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Dez perguntas para recapitular a Lava Jato

Érika Kokay30 de outubro de 2015

De políticos a grandes empresários, dezenas de pessoas já foram condenadas e 1,8 bilhão de reais já foram devolvidos aos cofres públicos. Relembre a operação que revelou um dos maiores escândalos de corrupção do Brasil.

Petrobras
Foto: picture alliance/CITYPRESS 24

De início, parecia mais uma das operações da Polícia Federal (PF) com objetivo de desarticular um esquema de lavagem de dinheiro. Mais tarde, ao descobrir o envolvimento da Petrobras, de políticos de vários partidos e de grandes empreiteiras, a Operação Lava Jato entrou para a história do Brasil como a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.

A primeira fase ostensiva da operação foi deflagrada em 17 de março de 2014, e acabou com 24 suspeitos presos e 5 milhões de reais em dinheiro apreendidos, além de 25 carros de luxo, joias e obras de arte. Um dos alvos da PF nesse primeiro dia de buscas foi um posto de gasolina em Brasília, que acabou inspirando o nome da operação.

Com loja de conveniência, lanchonete, lavanderia e uma casa de câmbio já fechada – curiosamente, sem nenhum lava jato –, o Posto da Torre era usado para lavar dinheiro. O dono, Carlos Habib Chater, era amigo de um doleiro já conhecido pela polícia, Alberto Youssef. Ambos estavam entre os suspeitos presos naquele 17 de março.

Três dias depois, a operação revelou um potencial estrondoso ao prender o ex-diretor de abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, que tentara destruir provas de seu envolvimento no esquema. Costa era próximo de muitas autoridades e de nomes fortes em Brasília. Por isso, sua prisão acabou criando um clima de pânico no mundo político.

Com o aprofundamento das investigações, novas prisões foram determinadas, incluindo os presidentes das duas maiores empreiteiras do país. Até novembro de 2015, foram cumpridos 116 mandados de prisão, segundo o Ministério Público Federal (MPF).

O juiz federal Sérgio Moro ganhou notoriedade e chegou a ser chamado de "herói nacional" pela imprensa brasileira e internacional. É ele o responsável por comandar os julgamentos da Lava Jato. Até então, a operação já levou a 75 condenações, contabilizando mais de 626 anos de pena.

Conforme os meses passaram, as investigações cresceram e envolveram mais nomes ligados à estatal, além de políticos e empresários. Costa e Youssef – que se tornara o personagem central da trama – decidiram colaborar com a justiça e fecharam acordos de delação premiada. Em seus depoimentos, descreveram o minucioso esquema de corrupção.

O esquema

As grandes empreiteiras formaram uma espécie de cartel: combinavam, entre si, os preços de obras para a Petrobras e quem venceria cada licitação. Do outro lado, executivos da estatal cobravam propina dessas empresas em troca dos negócios firmados.

Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos aos operadores do esquema. Além de lavar o dinheiro, eles eram encarregados de repassar a verba aos executivos, políticos e partidos, cada um com uma porcentagem.

Relembre o que revelou a Operação Lava Jato até então:

1. Quanto dinheiro foi desviado?

No início das investigações, a PF acreditava que pelo menos 10 bilhões de reais teriam sido movimentados de maneira suspeita pelo esquema de lavagem de dinheiro. Até o momento, os crimes já denunciados envolvem pagamento de propina de cerca de 6,4 bilhões de reais, de acordo com o MPF.

Em abril de 2015, a Petrobras calculou um montante parecido. Ao divulgar o balanço do ano passado, a estatal estimou em 6,2 bilhões de reais as perdas provocadas pela corrupção. Desse valor, a maior parte (55%) ocorreu na área de abastecimento, uma vez comandada por Paulo Roberto Costa.

Para tal estimativa, a petroleira examinou todos os contratos assinados com as empresas investigadas pela Lava Jato e, sobre o valor total, aplicou um percentual fixo de 3% – taxa indicada por Costa como sendo a propina cobrada em sua área.

2. Quantas pessoas foram denunciadas?

A Justiça Federal já aceitou mais de 30 denúncias envolvendo investigações da Lava Jato. Ao todo, essas ações penais colocaram mais de 150 pessoas no banco dos réus, entre políticos, doleiros, funcionários da Petrobras e executivos de grandes empreiteiras.

Os principais crimes são os de corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico transnacional de drogas, formação de organização criminosa, crimes contra o sistema financeiro nacional e evasão de divisas. No total, cerca de 500 pessoas e empresas estão sendo investigadas.

3. Quantos dos denunciados foram condenados?

Entre os mais de 150 réus da Operação Lava Jato, 75 pessoas já foram condenadas até o momento, principalmente pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. As condenações, porém, só serão definitivas quando não houver mais possibilidade de recursos.

Até então, apenas um dos condenados foi absolvido em segunda instância. André Catão de Miranda, funcionário do Posto da Torre, que deu origem à operação, recorreu da sua condenação, em outubro de 2014, e foi absolvido pela justiça quase um ano depois.

Entre as dezenas de condenados, estão ex-dirigentes da Petrobras, executivos de empreiteiras, políticos, doleiros, entre outros relacionados, como laranjas e parentes.

A última sentença saiu nesta quinta-feira (29/10). O ex-deputado federal Pedro Corrêa (PP-PE) foi condenado a 20 anos e sete meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, acusado de receber 11,7 milhões de reais em propina. Segundo o juiz Sérgio Moro, Corrêa continuou participando do esquema de corrupção na Petrobras mesmo enquanto era julgado no processo do mensalão, de que também foi considerado culpado.

4. Quanto do dinheiro já foi restituído?

Até novembro, 1,8 bilhão de reais haviam sido devolvidos aos cofres públicos, segundo o MPF. Esses valores foram recuperados por meio dos acordos de colaboração premiada entre os investigados e a justiça.

"Jamais houve uma recuperação de valores tão grande na história do Brasil", afirmou o procurador da República Deltan Dallagnol, em julho.

Como o esquema envolvia evasão de divisas para contas internacionais, o MPF firmou acordos com dezenas de países para a realização de investigações no exterior e a devolução das quantias enviadas ilegalmente. Do 1,8 bilhão restituído, 654 milhões de reais são objetos de repatriação.

Ainda segundo o órgão, o Ministério Público já pediu um total de 14,5 bilhões de reais a título de multas e ressarcimentos. Além disso, 2,4 bilhões de reais em bens dos réus já foram bloqueados desde o início da operação.

5. Quem são as figuras-chave do esquema?

Alberto Youssef se revelou um dos personagens centrais do esquemaFoto: imago/Fotoarena

O doleiro Alberto Youssef foi preso pela Polícia Federal logo no início da Operação Lava Jato e acabou se revelando um dos personagens centrais da trama.

Criado em Londrina, no Paraná, ele contrabandeava eletrônicos do Paraguai enquanto jovem. Mais tarde, já ligado ao mercado de lavagem de dinheiro, participou do escândalo do Banestado, que envolveu remessas ilegais de bilhões de reais ao exterior nos anos 1990.

Youssef foi apontado com um dos principais operadores do esquema de desvio de verbas da Petrobras, sendo responsável não só por intermediar o pagamento de propinas, mas também por entregar essa propina disfarçada de dinheiro limpo aos beneficiários.

Até o momento, o doleiro foi declarado culpado em cinco ações penais diferentes da Lava Jato, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ao todo, suas penas já somam mais de 48 anos de prisão. Devido ao acordo de delação premiada, porém, ele deve ficar apenas três anos em regime fechado.

Outro personagem que se une a Youssef como peça-chave da operação é Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras. Ao lado do doleiro, montou um esquema de desvio de recursos da estatal, por meio de contratos superfaturados e contratos fictícios, além de cobrar propina das grandes empreiteiras interessadas em fechar acordos com a petroleira.

Costa já foi condenado pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, em quatro diferentes processos. As penas somadas são de 36 anos de prisão, mas deve ficar apenas três anos em regime domiciliar e o restante em regime aberto, também por conta do acordo de delação.

Em seus depoimentos, Costa e Youssef não só confessaram os crimes, mas detalharam como funcionava o megaesquema de corrupção e denunciaram a existência de um cartel entre as maiores empreiteiras do país, que pagavam propina a diretores e partidos políticos.

Mais tarde, a investigação revelou outras figuras-chave no esquema, como Nestor Cerveró, ex-diretor de Internacional da Petrobras, e Renato Duque, ex-gerente da estatal, além do lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, e do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, apontados como operadores ao lado de Youssef.

6. Quem acertou acordo de delação premiada?

Vários operadores e executivos aceitaram colaborar com as investigações da Lava Jato em troca de benefícios. Até o momento, já foram firmados 35 acordos de colaboração premiada com pessoas físicas, sendo dez delas na prisão.

A delação funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes em que estiveram envolvidos, além de devolver os bens que adquiriram ilegalmente. Do outro, a justiça reduz suas penas. Caso fique provado, em algum momento, que o delator mentiu ou ocultou fatos, todos os benefícios são perdidos.

O primeiro delator foi Paulo Roberto Costa, que se comprometeu a devolver mais de 25 milhões de dólares que mantinha no exterior, um terreno, uma lancha e um carro de luxo, além de pagar 5 milhões de reais em indenização. Já Alberto Youssef devolveu sua parte em hotéis, terrenos, imóveis e automóveis, avaliados em milhões de reais.

Além de Costa, outro funcionário da Petrobras a fazer acordo de delação foi o ex-gerente de Serviços Pedro Barusco. Em seu depoimento, assumiu ter recebido propina de empresas fornecedoras da estatal, além de declarar que o PT recebeu entre 150 milhões e 200 milhões de dólares em subornos. Ele devolveu 97 milhões de dólares.

Eduardo Vaz da Costa Musa, ex-gerente da Área Internacional da Petrobras, também abalou o mundo político com seus depoimentos como delator. Apontado como operador ligado ao PMDB, ele citou o nome de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, como um dos envolvidos no esquema de corrupção na estatal. Musa acertou de devolver 4,5 milhões de reais em conta, além de repatriar 3,2 milhões de dólares.

Entre os executivos ligados a empresas investigadas, são delatores Júlio Camargo e Augusto Mendonça Neto, da Toyo Setal, o ex-vice-presidente da Camargo Corrêa, Eduardo Hermelino Leite, o dono da UTC, Ricardo Pessoa, e o representante da empresa italiana Saipem, João Antônio Bernardi Filho, o último a assinar o acordo.

Já os lobistas que aceitaram a colaboração premiada são Julio Faerman, Hamylton Pinheiro Padilha Júnior, Shinko Nakandakari, Milton Pascowitch e seu irmão, José Adolfo Pascowitch, Mario Góes, Fernando Baiano e Fernando Antonio Guimarães Hourneaux de Moura. Entre o restante dos 35 delatores, estão esposas, filhos e genros dos já citados.

7. Quais empreiteiras estão envolvidas no escândalo?

Com o avanço das investigações, as maiores empreiteiras do país, que mantinham negócios com a Petrobras, se tornaram alvo da Operação Lava Jato. O "Clube" formado por essas empresas para conquistar as licitações da estatal foi descrito pelos principais delatores.

Em dezembro de 2014, a Petrobras anunciou a suspensão de trabalhos com 23 construtoras investigadas pela operação, apontadas como parte do cartel. Entre elas estavam grandes empreiteiras, como Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht.

As demais empresas são: Alusa, Carioca Engenharia, Construcap, Egesa, Engevix, Fidens, Galvão Engenharia, GDK, Iesa, Jaraguá Equipamentos, Mendes Junior, MPE, OAS, Promon, Queiroz Galvão, Setal, Skanska, Techint, Tomé Engenharia e UTC.

Entre os condenados na Lava Jato até o momento, dez são pessoas ligadas a três diferentes empreiteiras: Camargo Corrêa, OAS e Toyo Setal. Além disso, são réus e esperam presos por julgamento dois grandes executivos, Marcelo Odebrecht, presidente da empresa de mesmo nome, e Otávio Marques de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez.

8. E quais políticos?

Após muita expectativa, foi divulgada, em março de 2015, a famosa lista do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, com o nome de mais de 50 políticos. Com a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF), eles passariam a ser investigados pela Operação Lava Jato.

Na lista estavam inclusos deputados federais, senadores e governadores, de sete partidos políticos: PP, PMDB, PT, PTB, PSDB, Solidariedade e PSB. Entre eles, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros.

Na época, também foram atendidos alguns pedidos de arquivamento das apurações, como o referente ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), por não haver evidências suficientes para manter as investigações contra eles.

Até então, dois políticos já foram condenados por envolvimento no esquema: o ex-deputado federal pelo PT, André Vargas, e o ex-deputado federal pelo PP, Pedro Corrêa, além de nomes relacionados à política, como o ex-tesoureiro do PT, Vaccari.

José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, é réu da Lava Jato e aguarda julgamento. As primeiras audiências estão marcadas para a próxima semana. Segundo a denúncia, Dirceu e outras 14 pessoas estão envolvidos em vários crimes de corrupção, que teriam movimentado cerca de 60 milhões de reais.

9. E o Lula?

Lula é tratado como informante e não sob investigaçãoFoto: picture alliance/abaca/Brazil Photo Press

Não há acusações formais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas seu nome tem sido citado em depoimentos de delatores desde outubro de 2014. Na época, o doleiro Alberto Youssef afirmou que Lula e a atual presidente, Dilma Roussef, "tinham conhecimento" das irregularidades cometidas na Petrobras. O Planalto, por outro lado, negou.

Um ano depois, foi a vez do lobista Fernando Baiano. Em delação, ele disse que o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, teria acertado o pagamento de 5 milhões de dólares em propina para o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e outros dois ex-gerentes da estatal.

Baiano afirmou ainda ter transferido 2 milhões de reais a uma nora de Lula, sem especificar nomes. Segundo o lobista, quem ordenou o pagamento foi o próprio Bumlai.Tanto o petista quanto o pecuarista negaram as acusações.

Também em outubro, o ex-gerente da estatal Eduardo Musa disse que uma dívida da campanha à reeleição de Lula foi paga com dinheiro do esquema de corrupção na Petrobras. Segundo Musa, o empréstimo de 60 milhões de reais foi intermediado por Bumlai – o pecuarista foi preso pela Lava Jato em novembro, mas sob suspeita de envolvimento com operações irregulares na compra do navio-sonda Vitória 10000, pela estatal.

O ex-presidente deve prestar depoimento à Lava Jato em breve. No início de outubro, o STF autorizou a PF a ouvir Lula sobre o esquema de corrupção na estatal. Na época, o ministro Teori Zavascki ressaltou que o petista não está sendo investigado, é apenas um informante.

10. Ainda existem processos em andamento?

A Operação Lava Jato tem impressionado pela apuração e rapidez das investigações, mais ainda há muitos processos em andamento na justiça. "Democracia e justiça exigem paciência. Tolerância mútua. O processo está em pleno desdobramento", explica o professor Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Antes de chegar ao julgamento, uma ação criminal passa por várias etapas, que podem ser resumidas da seguinte forma: a polícia abre um inquérito e dá início às investigações, em seguida envia o que descobriu ao Ministério Público (MP). O MP apresenta uma denúncia à justiça que, se aceitar, abre um processo criminal. Aqui, os acusados passam à condição de réus e serão, então, julgados.

Atualmente, há quatro importantes processos em sua reta final, na etapa das audiências e interrogatórios. As ações envolvem de executivos a políticos, como os empresários ligados à empreiteira Andrade Gutierrez, aqueles ligados à Odebrecht, além de José Dirceu.

Há ainda duas denúncias apresentadas em agosto por Rodrigo Janot que aguardam uma decisão do STF. Elas acusam o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de envolvimento no esquema de corrupção. Segundo a Procuradoria, ambos receberam propina de contratos firmados entre a Petrobras e empresas.

Longe do fim

Para o jurista Joaquim Falcão, a Lava Jato não tem prazo para terminar. "Sobretudo porque estamos diante de uma corrupção sistêmica, ou seja, interligada a várias instituições e pessoas."

Em entrevista à DW Brasil, o jurista elogia a atuação das instituições competentes, afirmando que "os Tribunais Superiores têm sido impecáveis". "O importante é que as instituições estão funcionando, e na direção certa", diz Falcão.

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