Lançada por Lula, presidente afastada tentou impor sua liderança, mas esbarrou na própria impaciência e estilo centralizador e na falta de habilidade e até interesse por negociações políticas. Aos poucos, acabou isolada.
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No final de 2009, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ao seu círculo próximo que havia escolhido a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como candidata à sucessão. À época, seu governo contava com mais de 80% de aprovação. A imagem de Dilma já vinha sendo meticulosamente preparada por Lula, que tratava de promover sua protegida como a tecnocrata competente e "gerentona".
Dilma nunca havia disputado uma eleição. Sua escolha inicialmente gerou resistência entre alguns petistas. Ela não era um membro histórico do partido: sua filiação ocorreu apenas em 2001. Por décadas ela esteve ligada ao PDT de Leonel Brizola, que rivalizou com Lula no papel de líder de esquerda.
A vontade de Lula, no entanto, prevaleceu. Vários petistas tentaram se convencer que Dilma seria apenas uma "pausa" até a volta de Lula, na eleição de 2014. Para o então presidente, Dilma representava uma novidade após nomes como Antonio Palocci e José Dirceu terem sido descartados por causa de escândalos políticos. Dilma tinha uma biografia respeitável. Guerrilheira em um grupo de esquerda durante o regime militar (1964-1985), foi presa e torturada.
O fato de ser mulher também serviria de símbolo das mudanças sociais que o PT propagandeava. Ela também não tinha escândalos na ficha. Entre os auxiliares, tinha fama de durona e exigente.
Na visão de Lula, também contava a favor de Dilma o fato de ela não ter um projeto político pessoal. Até então, os postos ocupados por ela foram apenas agregados à política, sempre em áreas técnicas e condicionados à boa vontade de um padrinho. Adversários acusaram Lula de tentar eleger uma marionete. Mas a embalagem de tecnocrata tinha apelo em parte da população, cansada de políticos profissionais.
Dilma agradece apoiadores após deixar o Palácio do Planalto
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A campanha de 2010 ainda mostrou uma Dilma sob a sombra de Lula. Ela evitava aparecer sozinha e foi a quase todos os eventos acompanhada do padrinho. Aos poucos, começou a ganhar fama pela falta de articulação em discursos. Coube a Lula agitar as multidões e explicar quem era sua candidata. Dilma foi eleita no segundo turno.
Governo
Num primeiro momento, ela surpreendeu aqueles que temia um governo controlado pelo antecessor. Quando alguns dos seus ministros (escolhidos por Lula) foram acusados de corrupção, Dilma fez uma "faxina" na Esplanada, tratando de demitir os suspeitos. Sua aprovação subiu. A fama de durona se solidificou.
Ainda em 2011, Lula foi diagnosticado com câncer e se afastou do poder. Dilma ganhou então mais espaço para imprimir a sua marca. No entanto, outras características da presidente – a impaciência e o estilo extremamente centralizador – começaram a ficar mais nítidos.
A costura política herdada de Lula, que proporcionava uma base sólida no Congresso, começou a rachar com a falta de interesse da presidente em participar de negociações e articulações. "Acho que pelo fato de ter sido guerrilheira, ministra e depois presidente, ela devia achar uma coisa sem importância ouvir prefeitos do interior e deputados", afirma o deputado Ênio Verri, um dos vice-líderes do PT na Câmara. "Infelizmente, ela não demonstrou a mesma habilidade política de Lula para negociar."
A insatisfação entre os aliados começou a crescer. Em 2013, alguns petistas chegaram a ensaiar um "volta, Lula" e pediram que a presidente desistisse de tentar a reeleição. No final, o próprio Lula desistiu de se candidatar em 2014.
O lado centralizador e controlador de Dilma fez com que praticamente todas as grandes decisões passassem por ela. Já na época de ministra, Dilma delegava pouco. Como presidente, seu círculo decisório era minúsculo e não contava com figuras de outros partidos. Interlocutores revelavam que sua rotina também era solitária. Ao contrário de Lula, tinha poucos amigos. Sua única companhia nos anos de Palácio da Alvorada foi a mãe, Dilma Jane, hoje com 92 anos.
Discurso de Dilma Roussef após decisão do Senado
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Muitas ações começaram a ser proteladas até que a presidente tomasse uma decisão ou simplesmente arranjasse tempo ou interesse. Ao mesmo tempo, a presidente se encarregava de detalhes inimagináveis para seus antecessores.
Em 2013, mandou instalar um circuito de vídeo em seu gabinete ligado a câmeras de 12 hospitais públicos. Um dia viu que um deles tinha uma goteira. Ligou imediatamente para o ministro da Saúde para que ele resolvesse o problema. "Ela compensava a falta de visão geral se atendo aos detalhes. Não via a floresta, via algumas árvores. E quando era contrariada reagia com raiva e atacava os assessores", afirma Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil do Wilson Center, em Washington.
Isolamento
Conforme o tempo ia passando, Dilma também passou a frustrar Lula. No início de 2015, o "criador" se queixou a interlocutores de que sua "criatura" não ouvia seus conselhos.
Com pouca experiência em negociações políticas, a presidente fez apostas arriscadas. "Ela não demonstrou conhecimento de como uma coalizão é formada e, sobretudo, mantida", afirma Mariana Llanos, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga).
Dilma passou a isolar o PMDB, maior parceiro da base, e favorecer siglas recém-criadas, como o PSD e o PROS, considerados mais dóceis. O movimento passou a irritar figuras como Eduardo Cunha (PMDB), que viria a se tornar o seu algoz no impeachment e porta-voz dos deputados insatisfeitos com a presidente.
Quando a Lava Jato estourou, Dilma também fez uma avaliação errada da situação. Segundo ex-aliados, a presidente achou, num primeiro momento, que o escândalo só afetaria a imagem do governo do seu antecessor.
De acordo com especialistas, além da dificuldade para tratar com outros políticos, Dilma também mostrou deficiências em comunicar à população o que pretendia. Em junho de 2013, na onda de protestos que tomou o país, anunciou que queria convocar uma Assembleia Constituinte para reformar o sistema político. Recuou poucas horas depois.
"Em 2014, após as eleições, ela também não explicou à população por que teve que recuar de suas promessas de campanha. Simplesmente começou a fazer um ajuste, sem admitir erros", comenta o cientista político Rolf Rauschenbach, do Centro Latino-Americano da Universidade de St. Gallen.
Cada vez mais isolada, a presidente acabou afastada do cargo menos por questões jurídicas, mas por não ter mais o apoio de quase ninguém.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.