Votação na Câmara foi importante vitória para oposição. Mas, se encarada como termômetro para o afastamento da presidente, mostra que base do governo, apesar de enfraquecida, ainda tem força para bloquear processo.
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Os deputados que desejam a saída de Dilma Rousseff obtiveram uma importante vitória na terça-feira (08/11) na Câmara ao forçarem a eleição de uma chapa majoritariamente hostil ao governo para a composição da comissão que vai analisar o pedido de impeachment contra a presidente.
O Supremo Tribunal Federal (STF) acabou intervindo no processo a pedido do governo e deve decidir até o dia 16 de dezembro se a votação foi válida ou não. Ainda assim, a votação na Câmara serviu como um “termômetro” para medir a disposição pelo impeachment.
O placar de 272 votos a 199 teve como resultado prático imediato um cenário em que pelo menos 39 dos 65 membros da comissão serão do grupo que provavelmente votará pela continuidade do processo que pode levar a consulta pela saída de Dilma ao plenário, caso o STF decida pela manutenção do resultado.
O placar foi interpretado pelos oposicionistas – entre eles vários membros dissidentes do PMDB e de outros partidos que ainda fazem parte da base aliada – como um sinal de força para derrubar o governo.
“É mais um passo a caminho do impeachment”, disse o deputado Paulinho da Força (SDD-SP), na mesma linha de outros deputados. ”Falta pouco, agora, para o povo brasileiro se livrar da Dilma e do PT".
A articulação da chapa de oposição contou coma participação de 13 partidos. Mas, apesar do tom eufórico dos oposicionistas, que chegaram a comemorar o placar com gritos “impeachment!”, o resultado também demonstra que eles ainda não possuem maioria suficiente para forçar a saída de Dilma caso a votação pelo impeachment seja eventualmente levada ao plenário.
O governo precisa de no mínimo 172 votos na Câmara para impedir o afastamento de Dilma e o envio do processo de impeachment ao Senado, que tem como missão julgar a presidente. O governo, apesar da derrota, mostrou que ainda pode contar com 199 votos a seu favor.
E esse saldo de votos ocorreu em um cenário totalmente adverso para o governo, com uma votação secreta articulada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Nela, membros da base aliada podiam votar longe da vigilância das lideranças, ao contrário do que está ocorre em votações em plenário.
Governo perdeu metade do apoioem 2015
"Para impedir o impeachment, é preciso ter 171 votos. Essa foi uma votação secreta, onde o sentimento de traição ainda é muito maior, e a chapa 1 obteve 199 votos, suficiente para barrar o processo de impeachment", avaliou o deputado governista Luiz Sérgio (PT-RJ).
Já o deputado governista Silvio Costa (PTdoB-PE) afirmou que os 199 votos obtidos pelo governo são um "piso", e não um teto. Ainda segundo o deputado, com o voto aberto, a tendência é que mais gente vote a favor da presidente.
"É uma derrota do governo, mas que mostra que a base está consolidada", afirmou.
O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), admitiu que os votos ainda não são suficientes para apontar o fim certo do governo Dilma, mas apontou que eles representam uma tendência de enfraquecimento progressivo do governo.
"O governo começou o ano com 400 votos na base aliada. Agora, após ter negociado ministérios e emendas parlamentares com todos os seus deputados, [o governo] chegou a 199 votos. A tendência do governo é perder cada vez mais votos, e, portanto, a chance do impeachment é cada vez maior", disse.
Para o cientista político Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o placar mostra que o governo ainda não está acabado e possui uma “pequena gordura” de 27 votos, além da capacidade de acionar o Judiciário.
“Mais do que um termômetro do impeachment, essa votação de 272 demonstrou a capacidade de manobra do Eduardo Cunha, o resultado foi praticamente similar à votação que ele recebeu como presidente em fevereiro, de 267 votos. Mas o tempo está correndo contra o deputado por causa das denúncias, não se sabe por quanto tempo ele conseguirá sustentar essa capacidade de manobra”, afirma.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.